Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0142552/2015

Inquérito Civil nº 14.0701.0000250/2014-7

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Ubatuba

Suscitado: GAEMA – Núcleo Litoral Norte

 

                                                                       

Ementa:

 

1)      Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Ubatuba (suscitante) e GAEMA Litoral Norte (suscitado). Inquérito Civil instaurado para apuração de eventual dano ambiental decorrente de supressão de 0,039 ha de vegetação nativa do tipo floresta alta de Restinga, em estágio inicial de regeneração, em área urbana, sem autorização da autoridade ambiental competente.

2)      Dano ambiental de pequena proporção situado fora de unidade de conservação em área urbana, em local não concretamente considerado como complexo vegetacional de restinga, objeto de especial proteção, conforme Resolução CONAMA 303/02. Atribuição do Promotor de Justiça do Meio Ambiente local, em face da ausência de expansão transcendental e regional de dano que legitimasse a intervenção do GAEMA. Precedentes desta PGJ.

3)      Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitante realizar a investigação.

Vistos,

 

1)  RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Ubatuba e como suscitado o DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Litoral Norte.

Instaurado inquérito civil para apuração de eventual dano ambiental decorrente de supressão de 0,039 ha de vegetação nativa do tipo floresta alta de Restinga, em estágio inicial de regeneração, em área urbana, sem autorização da autoridade ambiental competente, o Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Litoral Norte remeteu-o a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Ubatuba por entender que a Restinga de que trata o Ato Normativo nº 811/14 PGJ/MP é aquela considerada como área de preservação permanente, conforme definição das pela Resolução nº 303/02 do CONAMA, não sendo a hipótese da área em questão. Afirma que, ainda que se houvesse danos à restinga, a atribuição seria da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente local, pois o item 6 do Ato Normativo nº 811/14 PGJ/MP deve ser analisado sistematicamente, porque somente no que diz respeito aos pontos sensíveis regionais e previamente debatidos o Grupo pode ser chamado a atuar. Por fim, acrescentou que sua intervenção demanda danos ao meio ambiente de forma transcendental e regionalizada.

Ao receber os autos do inquérito civil o 1º Promotor de Justiça de Ubatuba suscitou o presente conflito negativo de atribuições. Embora não haja nos autos manifestação com as razões da suscitação do conflito, presume-se que sejam as mesmas que foram inseridas no Pt. 0142556, objeto de suscitação na mesma data.

 É o relato do essencial.

2)  FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, o objeto do inquérito civil está centrado essencialmente na caracterização de dano no complexo de restinga.

O Ato Normativo nº 811/2014-PGJ, de 17 de fevereiro de 2014, PGJ, que Dispõe sobre as metas gerais e regionais para a atuação do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) e da Rede de Atuação Protetiva do Meio Ambiente, para o ano de 2014, estabeleceu para o Núcleo IV do GAEMA Litoral Norte dentre outras meta gerais e regionais, para o ano de 2014, as iniciativas e medidas concernentes à:

“6. Complexos vegetacionais objeto de especial proteção, notadamente a restinga (contemplada na Resolução CONAMA 303/02), o mangue e o Costão Rochoso da Cidade de Ilhabela, além de outras áreas em estado de criticidade apontado por estudos técnicos.”

Não obstante menção no Auto de vistoria da Polícia Ambiental de que houve danos a 0,039 ha de vegetação nativa de floresta alta de restinga em estágio inicial de regeneração, em área de preservação permanente e fora de Unidade de Conservação, não se trata de hipótese de atuação do GAEMA.

A área objeto do dano ambiental não se enquadra na definição de restinga nos termos da Resolução CONAMA 303/02, que prevê o seguinte:

“Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:

(...)

VIII - restinga: depósito arenoso paralelo a linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas ocorrem mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivos e arbóreo, este último mais interiorizado;

(...)

Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

(...)

IX - nas restingas:

  a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;

  b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues;

 A área objeto do dano não apresenta características de restinga nos termos da Resolução CONAMA 303/02, reclamada pelo Ato Normativo nº 811/2014-PGJ, para a atuação do GAEMA.

Ainda que possa ser considerada como restinga, em face das características da vegetação, a atuação deve recair sobre o Promotor de Justiça do Meio Ambiente local, pois a questão não evidencia um caráter transcendental que exigisse a atuação do GAEMA.

Não se pode confundir área de restinga, objeto da proteção especial a cargo do GAEMA, com vegetação tipo restinga, que ainda que localizada em área de preservação permanente, encontra-se sob a esfera de atribuição do Promotor de Justiça do Meio Ambiente local.

Com as poucas informações constantes destes autos até o momento nada está a indicar que se trate de caso que extrapole região circunscrita efetivamente à pequena fração territorial do Município envolvido.

Precedentes desta Procuradoria Geral de Justiça já decidiram a respeito de conflitos semelhantes (Protocolados nº 0053162/2015; 0053170/2015 e 0062771/2015).

Esse quadro sinaliza para o reconhecimento da atribuição da Promotoria de Justiça, e não do GAEMA – Núcleo Litoral Norte.

3. DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 1º Promotor de Justiça de Ubatuba, a atribuição para dar seguimento à investigação.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

                   São Paulo, 14 de outubro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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