Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0143400/14

Suscitante: 14º Promotor de Justiça de São José dos Campos

Suscitado: 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 14º Promotor de Justiça de São José dos Campos. Suscitado: 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos.

2.   Condições de segurança do trabalho dos servidores públicos municipais de São José dos Campos. Alegação de fatos novos a justificar o desmembramento da investigação. Inocorrência. Necessidade de que o fato seja investigado em sua completude, objetivando-se a manutenção da necessária coesão nos condutas adotadas pelo Ministério Público.

3.   Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento da investigação sob a presidência do suscitado.

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 14º Promotor de Justiça de São
José dos Campos
e como suscitado o DD. 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos, relativamente ao feito em epígrafe.

Iniciou-se o procedimento a partir de representação encaminhada pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de São José dos Campos (SINDSERV), na qual se postula a intervenção do Ministério Público “visando melhorar as condições de segurança do trabalho dos servidores públicos municipais de São José dos Campos, inclusive com a restauração da CIPA e a realização de atividades visando a prevenção de acidentes do trabalho” (fl. 04).

No curso da investigação, o 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos determinou a expedição de ofício à Secretaria das Promotorias de Justiça Cíveis de São José dos Campos para encaminhamento da documentação a uma das Promotorias de Justiça de Direitos Humanos/Saúde Pública, “para tomada de providências cabíveis quanto aos itens não abrangidos pela presente investigação” (fl. 16).

Distribuído o procedimento ao 14º Promotor de Justiça de São José dos Campos, este suscitou conflito negativo de atribuições, asseverando, em síntese, que não há fato novo a justificar a cisão da investigação, uma vez que o laudo de vistoria da Vigilância Sanitária apenas confirmou as irregularidades constatadas. Acrescentou o suscitante que o suscitado está prevento para a investigação.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

E no caso ora em análise assiste razão ao suscitante.

De fato, não se justifica a cisão do procedimento. Importante trazer à colação a justificativa da Súmula 49 do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo:

“Cabe ao Ministério Público investigar fatos, apreciando-os sob os diversos enfoques de atuação Institucional, motivo por que não se justifica ou aconselha a pertinente cisão em inquisitivos distintos, abordando cada qual área específica (v. g., patrimônio público e meio ambiente)”.

Certo é que as atribuições Institucionais são repartidas por ato do Egrégio Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça entre os diversos cargos integrantes de determinada Promotoria de Justiça.

Tal partição, no entanto, tem por espeque tornar, em tese, equânime a divisão de atribuições entre os cargos, assim como permitir a correta observância do denominado Princípio do Promotor Natural.

Sem prejuízo, não se pode observar dita divisão como algo estanque e absoluto, mormente à luz de fatos que comportam desdobramentos entre variegadas áreas de atuação Institucional.

Em tais casos, cabe ao Promotor de Justiça com atribuição mais abrangente o dever de investigar o fato por inteiro ou fazê-lo em conjunto com o outro Órgão do Ministério Público que também possua legitimidade para atuar, mesmo em virtude da necessária coesão, que vem em prestígio ao princípio da indivisibilidade e como garantidor de estabilidade social.

Como acima afirmado, compete ao Ministério Público investigar fatos, sendo certo que o arquivamento do inquérito civil somente se mostrará adequado acaso, finda a investigação, seu Presidente entenda inexistir qualquer medida subsequente que se encontre imiscuída no amplo espectro de atribuições institucionais.

Em outras palavras, vislumbrando, v. g., o Promotor do Patrimônio Público que dos fatos sob investigação há também temas de outra natureza que devam ser apurados pelo Ministério Público, não lhe é dado, a final, determinar o arquivamento do inquérito civil antes de certificar-se acerca do desate dos respectivos desdobramentos, pena de não ser conhecida por este Colegiado a sua decisão, pois calcada em parcela dos fatos – e não em sua inteireza, como de mister”.

Com efeito, competirá ao 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos investigar o fato em sua completude, objetivando-se a manutenção da necessária coesão nos condutas adotadas pelo Ministério Público, uma vez que, conforme bem assentou o suscitante, a se adotar posicionamento diverso, “poderão surgir entendimentos diversos entre suscitante e suscitado para a mesma situação fática, com prejuízo ao interesse público; um entendendo por exemplo (no caso concreto) que a solução encontrada pelo Sr. Prefeito Municipal para o funcionamento da sala de raio-X seja satisfatória; e o outro se posicionando de modo totalmente diverso para a mesma situação, exigindo providências outras”(fl. 35).

Não se pode, ademais, reconhecer a existência de novos fatos, a configurar hipóteses concretas diversas.

Há casos em que a investigação encontra-se em andamento, e surgem novos fatos, que, configurando hipóteses concretas diversas, ensejam nova apuração, que vai além do objeto originário do inquérito civil. Nessas circunstâncias, o princípio do promotor natural impede que o investigante instaure procedimento reservando a si – com exclusividade e a priori – a tarefa de conduzir as investigações nos casos não compreendidos nos limites da apuração inicial.

Exemplo desse quadro é aquele em que no curso de determinado inquérito são requisitados documentos, dos quais advém o conhecimento de fatos novos, que demandam apuração distinta e que não são objeto da portaria de instauração.

No caso dos autos, conforme explanado linhas atrás, não se verifica, efetivamente, a presença de fatos novos a justificar a cisão da investigação, motivo pelo qual o feito deve seguir sob a presidência do suscitado.

Diante de todo o exposto, no caso em exame a atribuição para funcionar na investigação é do 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 20 de outubro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

ef