Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0144565/14

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de São Vicente

Suscitado: 10º Promotor de Justiça de São Vicente – em exercício

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 3º Promotor de Justiça de São Vicente. Suscitado: 10º Promotor de Justiça de São Vicente.

2.   Discussão acerca da necessidade de fornecimento de cópia da gravação referente à solicitação de reparo efetuada pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor da companhia Citeluz/São Vicente. Inexistência de relação de consumo. Não se aplica o regramento protetivo do consumidor quando o serviço público é ofertado “uti universi”. A relação de consumo estaria atrelada à remuneração (direta ou indireta) dos serviços, o que evidentemente afasta sua incidência no caso dos serviços públicos gratuitos, ofertados à população sem contraprestação e remunerados por meio de tributos. Eventualmente, quando existente relação contratual, de rigor a caracterização de relação de consumo, como ocorre nos serviços públicos de fornecimento de energia elétrica, telefonia, transporte público, entre outros. O que não é o caso dos autos. Precedente do STJ: REsp 493.181/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 01/02/2006, p. 431

Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento da investigação sob a presidência do suscitado.

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 3º Promotor de Justiça de São
Vicente
e como suscitado o DD. 10º Promotor de Justiça de São Vicente – em exercício -, relativamente ao feito em epígrafe.

Iniciou-se o procedimento a partir de representação encaminhada por meio eletrônico à Promotoria de Justiça de São Vicente, na qual se postula a intervenção do Ministério Público para apurar o serviço de iluminação pública na localidade, além de eventual irregularidade consistente na ausência de fornecimento de “cópia da gravação de solicitação de serviços de reparados efetuados por meio do Serviço 0800-7277173” (fl. 14).

O 10º Promotor de Justiça de São Vicente determinou a autuação da representação, além de providenciar o encaminhamento de cópia do expediente à Promotoria de Justiça do Consumidor, “considerando que a representação também traz notícia de que a empresa Citeluz/São Vicente não fornece cópia da gravação de solicitação de reparo, efetuada através do Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC, com possível violação aos direitos dos consumidores” (fls. 12/13).

Ocorre que o 3º Promotor de Justiça do Consumidor, ao receber o procedimento, suscitou conflito negativo de atribuições, arguindo, em síntese, inexistir relação de consumo no caso em tela, uma vez que o serviço de iluminação pública não é acobertado pela legislação consumerista.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial), intuído no direito alemão por Adolf Wach e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

E no caso ora em análise assiste razão ao suscitante.

Com efeito, não se aplica o regramento protetivo do consumidor quando o serviço público é ofertado uti universi, no qual se inclui, evidentemente, a iluminação pública. Quanto a esse aspecto, não há controvérsia, haja vista que o próprio suscitado instaurou procedimento (Protocolo Cível n. 635/2014) para esse fim.

Resta, então, a questão de se saber a quem competiria a presidência da investigação no tocante à informação de que a companhia Citeluz/São Vicente não fornece cópia da gravação de solicitação de reparado.

Ora, a solução não poderia ser outra, senão a de que a atribuição é do suscitado, e não do membro do Ministério Público com atribuição na seara consumerista.

Insta considerar que a relação de consumo estaria atrelada à remuneração (direta ou indireta) dos serviços, o que evidentemente afastaria sua incidência no caso dos serviços públicos gratuitos, ofertados à população sem contraprestação e remunerados por meio de tributos.

Eventualmente, quando existente relação contratual, de rigor a caracterização de relação de consumo, como ocorre nos serviços públicos de fornecimento de energia elétrica, telefonia, transporte público, entre outros. Nesse sentido, confira-se a orientação do STJ:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE REMUNERAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO-CONFIGURADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

1. Hipótese de discussão do foro competente para processar e julgar ação indenizatória proposta contra o Estado, em face de morte causada por prestação de serviços médicos em hospital público, sob a alegação de existência de relação de consumo.

2. O conceito de "serviço" previsto na legislação consumerista exige para a sua configuração, necessariamente, que a atividade seja prestada mediante remuneração (art. 3º, § 2º, do CDC).

3. Portanto, no caso dos autos, não se pode falar em prestação de serviço subordinada às regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, pois inexistente qualquer forma de remuneração direta referente ao serviço de saúde prestado pelo hospital público, o qual pode ser classificado como uma atividade geral exercida pelo Estado à coletividade em cumprimento de garantia fundamental (art. 196 da CF).

4. Referido serviço, em face das próprias características, normalmente é prestado pelo Estado de maneira universal, o que impede a sua individualização, bem como a mensuração de remuneração específica, afastando a possibilidade da incidência das regras de competência contidas na legislação específica.

5. Recurso especial desprovido.

(REsp 493.181/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 01/02/2006, p. 431).

Diante de todo o exposto, no caso em exame a atribuição para funcionar na investigação é do 10º Promotor de Justiça de São Vicente.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 10º Promotor de Justiça de São Vicente, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 16 de outubro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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