Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 144664/2015 (SISMP nº 66.0315.0000200/2015-4

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Batatais (atribuições na área do Consumidor)

Suscitada: 2º Promotor de Justiça de Batatais (atribuições na área da Saúde Pública)

 

 

 

Ementa:

 

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Batatais (atribuições na área do Consumidor). Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Batatais (atribuições na área da Saúde Pública).

2.      Representação do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 3ª Região (CREFITO-3), que noticia irregularidades no estágio curricular obrigatório que o Centro Universitário – Claretiano (CEUCLAR) oferece aos alunos do curso de Fisioterapia e Terapia Ocupacional junto a unidade da APAE, o que importaria violação ao direito do consumidor em face da publicidade realizada, prejuízo a formação acadêmica, bem como risco à vida, saúde dos pacientes da APAE.

3.      Tutela coletiva. Sobreposição de atribuições de órgãos ministeriais de execução em relação às multifárias possíveis repercussões, em mais de uma área especializada de atuação, do mesmo fato. Solução do conflito com lastro prevalência dos aspectos relacionados à atuação da Promotoria de Justiça com atribuição na área do Consumidor, mesmo porque não havendo elementos indicativos e concretos de eventual risco a vida e saúde dos pacientes/alunos da APAE, embora se trate de questão subjacente, paralela ou emergente.

4.      Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição da suscitante: 1º Promotor de Justiça de Batatais (atribuições na área do Consumidor).

 

 

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Batatais (atribuições na área do Consumidor) e como o DD. 2º Promotor de Justiça de Batatais (atribuições na área da Saúde Pública e Educação), em face de representação do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 3ª Região (CREFITO-3), que noticia irregularidades no estágio curricular obrigatório que o Centro Universitário – Claretiano (CEUCLAR) oferece aos alunos do curso de Fisioterapia e Terapia Ocupacional junto a unidade da APAE.

Verifica-se que a representação sustenta que o estágio curricular obrigatório cumprido pelos alunos dos cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional junto a APAE, por força de convênio com o Centro Universitário – Claretiano (CEUCLAR), não é realizado de acordo com as diretrizes curriculares nacionais previstas nas Resoluções nº 04 e 06/2002 do Conselho Nacional de Educação /Câmara de Educação Superior e nem são observadas as regras previstas nas Resoluções 431/2014 e 451/2015 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), o que violaria o direito do consumidor, a formação acadêmica, além de colocar em risco a via e saúde dos pacientes da APAE.

A irregularidade apontada no estágio curricular obrigatório residiria no fato do mesmo não estar sendo supervisionado diretamente por fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional do curso conforme preconiza as resoluções citadas, mas por profissional destas áreas que atuam na APAE em proporção não compatível com as fixadas pelas resoluções do COFFITO.

Em razão do estágio estar sendo supervisionado apenas por um fisioterapeuta e um terapeuta ocupacional da APAE que também desempenhariam suas atribuições ordinárias naquela unidade entendeu o representante que haveria risco para a vida e saúde dos pacientes da APAE.

A representação, inicialmente dirigida ao 2º Promotor de Justiça de Batatais, foi indeferida, uma vez que o suscitado não vislumbrou fato concreto de violação à saúde dos usuários da APAE, apontando no entanto que eventuais violações de direitos do consumidor, relacionadas à publicidade e à prestação do serviço de educação ministrado pelo representado, deverá ser analisadas pela promotoria de justiça competente (fls. 132/136).

Assim, o CREFITO-3 dirigiu nova representação ao 1º Promotor de Justiça de Batatais (atribuições na área do Consumidor) que suscitou o presente conflito negativo entendendo que o objeto central, primário, principal da representação é a saúde dos pacientes da APAE, além de conter questão também afeta à Educação (direito jungido à cidadania), todas de atribuição do suscitado. Afirma que em relação ao ensino deficiente, inadequado, o caso está nas mãos do MEC, que pode até fechar o curso em questão, sendo despicienda a atuação do Ministério Público, remanescendo, apenas, os aspectos de Saúde Pública e de Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais (fls. 02/04)

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, verifica-se que a representação evidencia em primeiro plano irregularidades na organização e execução do estágio curricular obrigatório dos alunos dos cursos de fisioterapia e terapia ocupacional oferecidos pelo Centro Universitário – Claretiano (CEUCLAR), em face do mesmo não ter a supervisão de um docente daquelas áreas e nem mesmo observar a proporção de um supervisor por cada grupo de 06 alunos (fisioterapia) ou de 03 alunos (terapia ocupacional).

Cogitou-se de eventual exposição da vida ou saúde dos pacientes/alunos/usuários da APAE em virtude do fato de que atuariam como supervisores um profissional de fisioterapia e outro de terapia ocupacional daquela unidade.

 Dentro deste panorama não se tem nas peças de informações encaminhadas com a representação qualquer indício no sentido de que a forma pela qual o estágio é realizado coloca em risco a vida ou saúde dos pacientes/alunos/usuários da APAE. Ademais, como informado na representação a APAE possui em seu quadro 4 fisioterapeutas e 5 terapeutas ocupacionais, não se podendo conjecturar que o encargo de supervisão do estágio confiado a apenas um daqueles profissionais importa em inadequação dos serviços prestados.

Convém ressaltar que conforme narrado na representação a instituição de ensino superior privada faz publicidade em sua página da internet de que oferece aos alunos dos curso de fisioterapia e terapia ocupacional estágio com docente responsável pelo acompanhamento e orientação (fls. 109).

De outro lado, a questão não se trata de aspecto relacionado ao direito fundamental à educação básica e infantil (art. 208, I e IV da Constituição Federal), que legitimaria a intervenção ministerial com atribuição nesta área, mas se refere ao ensino superior privado, havendo na hipótese indiscutível relação de consumo, quer em relação a publicidade veiculada, quer em relação a necessidade de cumprimento do estabelecimento das regras estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação e entidades congêneres à área do conhecimento objeto do curso oferecido.

Assim, com o registro de que o feito está em estágio inicial e que eventuais diligências possam provocar nova reflexão sobre o objeto da investigação e sobre a atribuição para sua condução, os elementos até aqui coligidos apontam para a prevalência das questões relacionadas à tutela do consumidor.

É comum e frequente que no exercício da atividade ministerial na seara dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, fatos que são objeto de investigação apresentem repercussão em mais de uma área de atuação. Nesta hipótese, há de se identificar a prevalência da especialização e da questão preponderante, que no caso em análise, como anteriormente ressaltado é da Promotoria de Justiça com atribuição na área do Consumidor, embora possa emergir questão subjacente ou paralela relativa a qualidade dos serviços profissionais na área da saúde prestados à APAE.

Convém destacar que, como já decidido, não é adequado o emprego da prevenção – embora seja determinante racional, impessoal e objetiva - em face de órgãos de execução dotados de atribuições diversas, pois, a “prevenção só se aplica se em face de núcleos de atribuições idênticas” (Protocolado n. 8.138/15; Protocolado n. 184.185/14).

 Assim exposto, deve prosseguir na investigação o suscitante, 1º Promotor de Justiça de Batatais (atribuições na área do Consumidor), por força da especialização.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitante, DD. 1º Promotor de Justiça de Batatais (atribuições na área do Consumidor), a atribuição para apuração do fato.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 13 de novembro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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