Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 145.189/15

Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Osasco (Consumidor)

Suscitada: 3ª Promotora de Justiça de Osasco (Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente)

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Osasco (Consumidor); suscitada: 3ª Promotora de Justiça de Osasco (Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente). Representação civil instaurada para apurar o uso irregular de ruas e calçadas públicas, por comerciantes, para a realização de festas e eventos, com instalação de palcos, utilização de aparelhos eletrônicos de som, colocação de mesas e cadeiras, sem autorização do Poder Público.

2.      Questão que implica não propriamente a (má) qualidade dos serviços oferecidos e o direito dos consumidores, mas o dever do Estado quanto ao exercício do poder de polícia, omissão que coloca em risco a integridade física e a saúde, bem como a segurança, o bem-estar, o sossego, a mobilidade e a circulação das pessoas em geral. Atribuição da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente de Osasco. Conclusão reforçada pelos arts. 470, 471, caput, e 472 do Manual de Atuação Funcional do Ministério Público e pelo critério da especialidade.

3.      Embora seja atribuição do Promotor de Justiça do Consumidor zelar pela qualidade dos serviços - públicos ou particulares - prestados ao consumidor final, cabe ao Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente assegurar o exercício do poder de polícia para evitar a oferta de serviços irregulares, sem autorização e fiscalização do Poder Público, que coloquem em risco a integridade física, a saúde, a segurança, o bem estar, o sossego, a mobilidade e a circulação das pessoas em geral.

4.      Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição da suscitada: 3ª Promotora de Justiça da Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente de Osasco. Precedente: Prot. 146.500/15.

 

 

 

 

Vistos,

1.   Relatório

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD.  8º Promotor de Justiça do Consumidor de Osasco e como suscitada a DDa. 3ª Promotora de Justiça da Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente de Osasco.

 

O protocolado foi instaurado pela Suscitada - DDa. 3ª Promotora de Justiça da Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente de Osasco - em face de representação movida por Édison Alves Ferreira, dando conta do uso indevido de ruas e calçadas públicas, para fins privados de comerciantes,  para a realização de eventos e festas, com instalação de palcos, utilização de aparelhos de som eletrônicos, colocação de mesas e cadeiras, sem autorização do Poder Público.

A Suscitada - DDa. 3ª Promotora de Justiça da Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente de Osasco - remeteu os autos ao Suscitante - DD. 8º Promotor de Justiça do Consumidor de Osasco - por vislumbrar ofensa a direitos dos consumidores, consistente na falta de estrutura física para a realização das festas e dos eventos em via pública, divulgados mediante cartazes e panfletos.

O Suscitante - DD. 8º Promotor de Justiça do Consumidor de Osasco -, ao seu turno, declinou de sua atribuição, invocando as seguintes razões (fls. 02/05):

"(...) diferentemente do que a ilustre Promotora alega em sua manifestação para remessa do expediente à Promotoria de Justiça do Consumidor, os eventos não são feitos em local fechado, mas sim na via pública e não há qualquer menção de ofensa a direito do consumidor nem que o local não possua a estrutura necessária para receber o evento.

Basta, para isso, se ater à representação, que aduz: "O quarteirão onde está localizado o endereço do evento é fechado pela Secretaria de Trânsito na cidade e no asfalto é montado um bar - exploração comercial privada - onde, no próprio asfalto são instaladas mesas para venda e consumo de bebida alcoólica ou muito mais." (fls. 04, grifo nosso).

Ora, com todo o respeito, entende esta Promotoria que o que se deve apurar no procedimento em testilha é: A) a falta de autorização/permissão municipal para fechamento da via pública, bem como para colocação de palco no meio desta e para colocação de mesas e cadeiras ao longo da calçada em referida rua, o que é atribuição da Promotoria de Justiça do Urbanismo; B) além da poluição sonora causada pelo palco levantado e pelos carros "tunados" existentes em tais festas, o que é atribuição da Promotoria do Meio Ambiente, ambas concentradas nas atribuições da 3ª Promotoria de Justiça de Osasco.

Com isso, a competência é da suscitada, haja vista se tratar de questões afetas às atribuições da Promotoria da Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente (...)".

É o relato do essencial.

2. Fundamentação

O presente conflito deve ser conhecido e dirimido, para declarar a atribuição da Suscitada - DDa. 3ª Promotora de Justiça da Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente de Osasco para prosseguir no presente caso.

O uso irregular de bem público reclama o exercício do poder de polícia pelo Estado.

A questão em voga não envolve o direito de consumidores supostamente lesados por festas privadas mantidas sem autorização estatal em lugares públicos desprovidos de estrutura física adequada, mas a omissão do Estado quanto ao exercício do poder de polícia, necessário a assegurar a saúde, a integridade física, a segurança, o sossego, a mobilidade e a circulação de pessoas em geral, e evitar a poluição sonora gerada pelos equipamentos de som eletrônicos utilizados pelos comerciantes.

Deveras, a hipótese dos autos não diz respeito propriamente à qualidade dos serviços prestados pelos comerciantes, mas à desídia da Administração Pública no exercício do poder de polícia, necessário a impedir a realização de eventos e festas em locais públicos que possam colocar em risco a integridade física e a saúde das pessoas, bem como a segurança pública, além de prejudicarem a mobilidade e a circulação das pessoas em geral, e de gerarem desassosego aos vizinhos por conta da poluição sonora causada pelos equipamentos de som usados pelos empreendedores.

Nessas circunstâncias é imperativo que o Poder Público exercite seu poder de polícia, definido no art. 78 do Código Tributário Nacional, nos seguintes termos:

"Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos."

Maria Sylvia Zenalla Di Pietro assim conceitua o poder de polícia (Direito Administrativo, 27ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 123):

"Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. Esse interesse público diz respeito aos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral, saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural, propriedade. Daí a divisão da polícia administrativa em vários ramos: polícia de segurança, das florestas, das águas, de trânsito, sanitária etc".

O uso de bem público para fins privados está sujeito a regramentos, de modo que a promoção de festas e eventos em vias públicas sem autorização estatal sujeita os infratores às sanções administrativas previstas em lei, cuja imposição independe de instauração de processo administrativo próprio, na medida em que se revestem de imperatividade, auto-executoriedade e presunção de legalidade, posto que decorrentes do legítimo exercício do poder de polícia estatal.

 

Conclui-se que o uso indevido de bens públicos para a promoção de festas e eventos particulares não atenta propriamente contra os consumidores, mas contra a população em geral, na medida em que coloca em risco a integridade física e a saúde das pessoas, bem como comprometem a segurança pública, o sossego, a mobilidade e a circulação das pessoas em geral.

Reforçam a presente conclusão os arts. 470, 471,  caput, e 472 do Manual de Atuação Funcional (Ato n. 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010) que, ao tratarem das atribuições afetas ao Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo, assim dispõem:

“Art. 470. Ao tomar conhecimento, por qualquer meio, da aprovação de empreendimentos ou atividades públicas ou privadas, sem a elaboração do estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV), adotar as medidas administrativas ou judiciais cabíveis.

Parágrafo único. Contribuir e fomentar a implantação do instrumento do estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV), quando pertiente à localidade.

Art. 471. Zelar para que o Poder Público adote medidas do poder de polícia para evitar a instalação de moradias em áreas impróprias à ocupação humana, que coloquem em risco a integridade física ou a saúde das pessoas.

 (...)

“Art. 472. Zelar pela circulação urbana e, respeitada a legislação respectiva, adotar as medidas administrativas ou judiciais cabíveis ao tomar conhecimento, por qualquer meio, de atividades públicas ou privadas que impeçam ou dificultem o direito de locomoção.”

Tais dispositivos não fixam atribuições dos cargos especializados de Promotor de Justiça do Consumidor e de Habitação e Urbanismo, pois estas são fixadas por lei (art. 295, VII e X da Lei Complementar n. 734/93), complementadas pelos respectivos atos de divisão de serviço. Entretanto, servem como baliza para esclarecer questões relativas à atuação funcional, especialmente por enfatizarem cuidados a serem adotados pelos órgãos de execução nas respectivas áreas de atuação.

Assim é que na hipótese concreta dos autos em que a questão está estritamente ligada à omissão do Poder Público quanto à fiscalização do uso de bens públicos para fins particulares que coloca em risco a integridade física, a saúde, a segurança, a mobilidade, a circulação e o sossego das pessoas em geral, afigura-se impositiva conclusão que reclama a intervenção da Suscitada - DDa. 3ª Promotora de Justiça da Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente de Osasco.

Dessa forma, é possível concluir, com a devida vênia ao entendimento em sentido contrário, que embora seja atribuição do Promotor de Justiça do Consumidor zelar pela qualidade dos serviços públicos e particulares prestados ao consumidor final, cabe ao Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente zelar para que o Poder Público adote as medidas do poder de polícia necessárias a evitar que a ocupação e o uso indevido de áreas públicas coloquem em risco a integridade física, a saúde, a segurança, a mobilidade, a circulação e o sossego das pessoas.

Sendo assim, forçoso concluir que a atribuição para presidir a presente investigação é da Promotoria de Justiça com atribuição na área da habitação, urbanismo e meio ambiente.

3. Decisão

Ante o exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à Suscitada, DDa. 3ª Promotora de Justiça da Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente de Osasco, a atribuição para oficiar nos autos.

Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados. Cumpra-se, providenciando-se a remessa dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 22 de outubro de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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