Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 145.647/2013

(Ref. Protocolo nº 7101/13)

Suscitante: 2º Promotor de Justiça Auxiliar de Ribeirão Preto, no exercício das atribuições do 14º Promotor de Justiça (Ambiental)

Suscitado: 8º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto (Saúde Pública)

 

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça Auxiliar de Ribeirão Preto, no exercício das atribuições do 14º Promotor de Justiça (Ambiental). Suscitado: 8º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto (Saúde Pública).

2)   Notícia de acúmulo de grande quantidade de recicláveis para venda, de forma irregular, em residência, com ocupação da calçada. Notícia de criação e proliferação de insetos, vetores e roedores, causando riscos à saúde da população.

3)   Sobreposição de atribuições dos dois órgãos em conflito, dada a existência de interesse ambiental e da proteção da saúde pública. Solução se apresenta com a regra da prevenção, por ser a que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial.

4)   Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do suscitante na investigação.

 

Vistos.

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça Auxiliar de Ribeirão Preto, no exercício das atribuições do 14º Promotor de Justiça (Ambiental), e como suscitado o DD. 8º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto, com atribuições na área da Saúde Pública, nos autos do “Protocolo 7101/13”.

A Vigilância Sanitária da Secretaria da Saúde de Ribeirão Preto realizou inspeção sanitária no imóvel localizado na Rua XI de Agosto, 176/186, em função de denúncias que recebeu, e constatou a presença de grande quantidade de recicláveis para venda, depositados de forma irregular, na mencionada residência. Constatou, ainda, a ocupação da calçada e do meio fio pelo mencionado material. Relatou, ainda, a possível criação e proliferação de insetos, vetores e roedores, causando riscos à saúde da população.

Elaborou relatório e encaminhou à Promotoria de Justiça de Meio Ambiente de Ribeirão Preto.

O DD. 2º Promotor de Justiça Auxiliar de Ribeirão Preto, no exercício das atribuições do 14º Promotor de Justiça (Ambiental), ora suscitante, determinou o encaminhamento do feito à Promotoria de Justiça com atribuições na área da Saúde Pública, por entender que “o quadro mais se aproxima de problema relacionado à área da saúde” (fl. 07).

O suscitado, DD. 8º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto, com atribuições na área de Saúde Pública, por sua vez, ponderou que “a atividade descrita pela Vigilância Sanitária revela o depósito e manipulação de materiais recicláveis (transbordo) recolhidos das ruas da cidade, que depende de licença ambiental para funcionamento” (fl. 08). Consignou, ainda, que, “embora a matéria tangencie a área de saúde pública, compete a Promotoria do Meio Ambiente se pronunciar sobre a atividade que funciona sem o devido licenciamento ambiental”.

Em seguida, determinou a restituição dos autos, o que levou o 2º Promotor de Justiça Auxiliar de Ribeirão Preto, no exercício das atribuições do 14º Promotor de Justiça (Ambiental), a suscitar o conflito de atribuições (fls. 11/14).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em análise, está assentado no feito que o objeto da investigação é a notícia de acúmulo de grande quantidade de recicláveis para venda, de forma irregular, em residência, com ocupação da calçada. Notícia de criação e proliferação de insetos, vetores e roedores, causando riscos à saúde da população.

Constata-se, então, uma sobreposição de atribuições dos dois órgãos em conflito, dada a existência de interesse ambiental e da saúde pública.

Assim, não há dúvida de que, na hipótese, a investigação apresenta consequências tanto do ponto de vista da preservação do meio ambiente, como ainda relacionadas à proteção da saúde pública.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Não há negar que a realidade oferece situações limítrofes em que é manifesta a dificuldade de identificar de modo claro o órgão revestido de atribuição para investigar determinados fatos, por estarem estes naquela zona de transição entre uma e outra área especializada, ou mesmo por afetarem, concomitantemente, mais de um segmento de especialização.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supraindividual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, pondere-se, como esclarecimento, que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção.

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial.

Deste modo, ainda que se conclua que no caso concreto há interesses relacionados a mais de uma área de atuação em defesa de interesses supraindividuais, ostentando abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso (que já vinha conduzindo a apuração) deve prosseguir na investigação, adotando eventualmente as providências judiciais cabíveis.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 2º Promotor de Justiça Auxiliar de Ribeirão Preto, no exercício das atribuições do 14º Promotor de Justiça (Ambiental), a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 14 de outubro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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