Conflito de Atribuições Cível

 

Protocolado nº 145.764/2013

(ref. IC nº 14.0695.0000056/2013-1)

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital. Suscitado: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

2.   Inquérito civil instaurado para apurar “possíveis irregularidades na tramitação de processo administrativo para a concessão de alvará de funcionamento de empreendimentos”. Fato distinto daquele que vem sendo apurado em outro Inquérito, sob a presidência do suscitante.

3.   Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado dar seguimento à investigação.

 

1) Relatório

 

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital e como suscitado o DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

O suscitado, DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, instaurou de ofício, com base em notícia publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, o presente Inquérito Civil, cf. Portaria de fls. 2/2-B, com a finalidade de “Apuração de possíveis irregularidades na tramitação de processo administrativo pra a concessão de alvará de funcionamento de empreendimentos” na cidade de São Paulo.

Após a realização de algumas diligências lançou a manifestação de fls. 32/34, declinando da atribuição para oficiar neste feito, salientando que:

“(...)

Pelas informações colhidas preliminarmente, verifica-se que as infrações noticiadas referem-se às condições de segurança e regularidade da concessão de alvará de funcionamento da casa noturna Lions.

A análise dos fatos, pois, relaciona-se com as atribuições da Promotoria de Habitação e Urbanismo encarregada de zelar pelo cumprimento da legislação sobre segurança e prevenção de incêndios nas áreas urbanas, em especial nas edificações públicas e privadas sujeitas a grande concentração de pessoas, por exemplo, prédios públicos, centros de compras, templos religiosos, locais utilizados para espetáculos, apresentações artísticas, culturais, estádios de futebol e demais atividades de lazer, etc.

Inclusive, há na mencionada promotoria inquérito civil, cujo objeto é idêntico ao aqui representado, o que dispensa a abertura de procedimento nesta Promotoria de Justiça. O fato Já está sendo devidamente apurado, não restando nada a apurar.

(...)”

O suscitante, DD. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, por sua vez, ao provocar a instauração do conflito negativo, anotou, cf. fls. 39/40, que:

“(...)

A Promotoria suscitada instaurou Inquérito Civil a partir de notícia do jornal ‘O Estado de São Paulo’, de 29 e 30 de janeiro de 2013, relatando eventual má prestação de serviço público, consistente na demora para expedição de alvará e, ainda, eventual ausência de fiscalização sobre condições de segurança em ambientes fechados.

A Promotoria suscitante, por sua vez, instaurou de ofício o Inquérito Civil nº 080/13, com base na mesma notícia de jornal, investigando, conforme a Portaria de fls. 16/18, as condições de segurança e regularidade do funcionamento da Casa Noturna “Lions’.

(...)

‘Data venia’, não colhe procedência o encaminhamento do ilustre Promotor de Justiça Marcelo de Camargo Milani, pois os objetos dos dois procedimentos não se confundem, uma vez que a Promotoria de Habitação e Urbanismo investiga a regularidade do funcionamento e as condições de segurança do estabelecimento, e não os processos administrativos de fiscalização e os que ensejaram a expedição do Alvará de Funcionamento.

(...)” (grifos no original)

É o breve relato.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se, reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e s.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

A questão, na hipótese em exame, é objetiva.

Os fatos apurados nos dois Inquéritos Civis, como bem salientou o ilustre suscitante, e sem qualquer desdouro ao respeitável entendimento do suscitado, são distintos.

O presente Inquérito tem como objeto, como destaca a Portaria de fls. 2/2-B, a “Apuração de possíveis irregularidades na tramitação de processo administrativo para a concessão de alvará de funcionamento de empreendimentos”.

O suscitante, no outro Inquérito Civil instaurado na Promotoria de Habitação e Urbanismo, busca esclarecer as “condições de segurança e regularidade do funcionamento da Casa Noturna ‘Lions’”.

A atribuição para a presidência da presente investigação, portanto, é do suscitado.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 2 de outubro de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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