Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 145.866/2014

Inquérito Civil nº 14.0435.0000016/10-8

Suscitante: GAEMA – Núcleo Paraíba do Sul (Vale do Paraíba)

Suscitado: Promotora de Justiça de São Luiz do Paraitinga

 

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. Núcleo Paraíba do Sul (Vale do Paraíba – suscitante) e Promotora de Justiça de São Luiz do Paraitinga (suscitada). Inquérito civil instaurado para “Apurar a existência de imóveis situados em Área de Preservação Permanente”.

2)   Em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito à sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a, do Ato Normativo nº 552/2008). Interpretação sistemática dos dispositivos que delimitam as atribuições do GAEMA (art. 3º, § 3º, art. 5º, e art. 14).

3)   Inquérito civil instaurado, na hipótese em exame, com objeto específico e localizado.

4)   Conflito conhecido e dirimido, declarando caber à suscitada presidir a investigação.

 

 

Vistos,

 

1) RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Paraíba do Sul (Vale do Paraíba), e como suscitada a DD. Promotora de Justiça de São Luiz do Paraitinga.

O Inquérito Civil foi instaurado em 14 de maio de 2010, conforme Portaria de fls. 02/03, para “Apurar a existência de imóveis situados em Área de Preservação Permanente”.

Em manifestação recente, lançada nos autos em 11 de setembro de 2014, a suscitada, DD. Promotora de Justiça de São Luiz do Paraitinga declinou de oficiar no feito, determinando a remessa dos autos ao suscitante sob o argumento, em suma, de que a investigação refere-se a fato de grande repercussão regional (fls. 953/964).

Para maior clareza, segue a transcrição de excerto conclusivo da aludida manifestação (fls. 963/964):

“(...)

A questão das intervenções no Rio Paraitinga e em sua bacia hidrográfica, a ocupação desordenada de áreas de preservação permanente e a necessidade de recomposição e preservação de sua mata ciliar, assume, por certo, o contorno de caso prioritário e revestido de repercussão regional na área do meio ambiente, extrapolando o âmbito desta Comarca, e, por conseguinte, o desta Promotoria de Justiça.

Necessária se faz, portanto, a remessa destes autos ao Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) – Núcleo Vale do Paraíba, sob a premissa que justificou a própria criação do referido Grupo de Atuação Especial, ou seja, conferir tratamento prioritário para casos em que, na área do meio ambiente, seja perceptível a diversa dimensão, intensidade, e importância da questão sob investigação, e sua repercussão regional. Ressalte-se também a necessidade de se contar com o respaldo do conhecimento e meios técnicos de que melhor dispõe esse grupo especializado, para o enfrentamento de tão completa questão.

(...)”

O suscitante, DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Paraíba do Sul (Vale do Paraíba) se opôs a tal encaminhamento, salientando que o objeto da apuração não se insere nas atribuições do GAEMA – Núcleo Paraíba do Sul. Aduziu, ainda, que a atribuição seria do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, por aplicação do art. 3º, II, §§ 1º e 4º do Ato Normativo nº 55/95-PGJ, bem como que já existe outro Inquérito Civil instaurado no GAEMA (IC 14.0700.0000305/2010-3), com objeto mais abrangente, este sim destinado a apurar “todas as causas da enchente ocorrida nos dias 1º e 02 de janeiro de 2010, bem como as providências relativas ao tema, envolvendo o Rio Paraitinga e afluentes” (fls. 978/997).

De sua manifestação merecem destaque as passagens a seguir descritas:

“(...)

No caso em tela, observa-se que o inquérito civil foi instaurado para averiguar um dos motivos que gerou a enchente do Rio Paraitinga no ano de 2010: a existência de imóveis em áreas de preservação permanente (conforme fls. 02/05).

Em que pese o entendimento da Douta Promotora de Justiça a qual determinou autuar o inquérito civil como matéria afeta ao meio ambiente, este Núcleo entende que a matéria é de atribuição de Habitação e Urbanismo.

(...)

Portanto, sobre o objeto de investigação da ocupação das áreas de preservação permanente no Município de São Luiz do Paraitinga, combinando-se o Ato nº 55/95-PGJ com o Ato nº 552/08-PGJ, conclui-se, com o devido e máximo respeito ao entendimento contrário, ser de atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de São Luiz do Paraitinga.

Ademais, frisa-se que neste GAEMA – Núcleo Paraíba do Sul, tramita o Inquérito Civil nº 14.0700.0000305/2010-3 (cujas cópias da portaria de instauração e prorrogações de prazo seguem anexos), que foi instaurado para apurar todas as causas da enchente ocorrida nos dias 1º e 02 de janeiro de 2010 no Município de São Luiz do Paraitinga e as medidas adotadas para evitar que tal situação volte a ocorrer,  tendo como móvel de sua instauração a preservação do meio ambiente natural e que as providências ecossistema do Rio Paraitinga e afluentes.

(...)” (grifos no original)

É o relato do essencial.

2) FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, o objeto do Inquérito Civil está centrado, essencialmente – como se colhe da leitura da Portaria de Instauração – na finalidade de “Apurar a existência de imóveis situados em Área de Preservação Permanente”, na cidade de São Luiz do Paraitinga.

Não há dúvida de que, em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito à sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a do Ato Normativo nº 552/2008).

Não há, nos dispositivos do referido ato regulamentar, disposições que fixem, de antemão, parâmetros para a definição inflexível das hipóteses que deverão ser indicadas como preferenciais quanto à sua atuação.

Essa permeabilidade tem em vista, como destaca a motivação contida no preâmbulo do referido ato normativo, “o caráter transcendental das questões ambientais, a identidade de hipóteses de atuação e a necessidade de atuação integrada, coordenada e concentrada”, bem como “a necessidade de eleição de prioridades e metas que respeitem as peculiaridades locais e regionais, bem como o referido caráter transcendental da tutela ambiental”.

Dessa forma, essa eleição de questões prioritárias que invoca a atuação do GAEMA, naturalmente envolve, ao menos de modo implícito, situações em que a questão ambiental se apresenta regionalizada, recomendando a atuação uniforme do Ministério Público, desconsiderando os limites tradicionais de divisão de atribuições em sentido territorial (comarcas e foros).

Essa nova modalidade de atuação ministerial, de outro lado, deve privilegiar, na fixação de atribuições, aspectos geográficos relacionados ao próprio meio ambiente a ser protegido, como ocorre, precisamente, nas questões que envolvem determinada bacia hidrográfica.

Tanto assim que o Ato Normativo 552/2008 também adota como justificativa, em seu preâmbulo, a afirmação de que “nos termos do artigo 1º, inciso V, da Lei 9.433, de 08/01/1997, a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, podendo ser empregada como caráter definidor das atuações regionalizadas”.

Considerando tais premissas é que foram estruturados os Núcleos Regionais do GAEMA a partir de grandes bacias hidrográficas, tendo em vista a necessidade de definição de política ministerial de atuação regionalizada e uniforme em matéria ambiental.

Por outro lado, o Ato Normativo nº 811/2011-PGJ, de 17 de fevereiro de 2014, que dispôs sobre “as metas gerais e regionais para a atuação do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) e da Rede de Atuação Protetiva do Meio Ambiente, para o ano de 2014”, estabeleceu, em seu art. 1º, inciso I, as metas gerais e regionais para o GAEMA no ano de 2014, especificando, relativamente ao Núcleo Paraíba do Sul, esse campo de atuação, como se infere da passagem do referido Ato Normativo transcrita a seguir:

“(...)

Art. 1º. Ficam estabelecidas como metas gerais e regionais, para o ano de 2014, para os núcleos de atuação do GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE, as iniciativas e medidas concernentes às matérias a seguir descritas:

I – NÚCLEO I – PARAÍBA DO SUL

1. Coleta e destinação final de resíduos sólidos.

2. Saneamento ambiental (implementação de políticas públicas referentes à coleta, ao afastamento e ao tratamento de esgoto doméstico; destinação dos resíduos sólidos domésticos e industriais e qualidade da água).

3. Empreendimentos, obras ou atividades que necessitem de EIA/RIMA por determinação de Resolução do CONAMA.

4. Espaços territoriais especialmente protegidos e seus atributos naturais - APP e Reserva Legal, nas seguintes hipóteses:

4.1. APP do grande imóvel rural, assim definido nos termos do art. 4º, da Lei nº 8.629/93;

4.2. APP dos cursos d’água considerados em estado de criticidade pelo respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica ou pelo próprio GAEMA, a seguir descritos:

4.2.1. Rio Paraíba do Sul (vegetação e extração de areia com reflexo nas margens do curso d´água);

4.2.2. Córregos urbanos tributários do Rio Paraíba do Sul, considerados em estado de criticidade, nas cidades abrangidas pelo GAEMA;

4.2.3. Ribeirão Turi (Jacareí); Rio Paranangaba (São José dos Campos); Rio Vermelho (São José dos Campos); Córrego do Judeu (Taubaté); Ribeirão Pinhão ou Zé Geraldo (Taubaté); Ribeirão do Uma (Taubaté); Ribeirão Guaratinguetá (Guaratinguetá); Rio Jaguari (compreendendo os municípios de São José dos Campos, Jacareí, Santa Izabel e Igaratá) e Rio Piquete (Piquete);

4.3. Reserva Legal do grande imóvel rural, assim definido nos termos do art. 4º, da Lei 8.629/93.

4.4. Silvicultura (eucalíptos e pinhos).

5. Unidades de Conservação de Proteção Integral.

6. Complexos vegetacionais objeto de especial proteção, levando-se em consideração as metas identificadas nos respectivos núcleos regionais do GAEMA:

6.1. Vegetação de Mata Atlântica, prioritariamente as fisionomias a ela pertencentes, a saber: Floresta Ombrófila Densa (típica da serra do mar), Floresta Estacional Semidecidual, as formações de altitude como campos naturais (estepes), florestas nebulares altomontana, floresta mista de araucária e podocarpos;

6.2. Cerrado;

6.3. Várzea.

7. Políticas Públicas voltadas à avaliação das condições de assoreamento do Rio Paraíba do Sul que tenham impacto regional significativo.

8. Diagnóstico e combate ao uso inadequado e abusivo de agrotóxicos.

9. Diagnóstico, estudo e atuação em relação ao uso, manejo e conservação do solo.

(...)”

Essas metas, entretanto, devem ser compreendidas em conformidade com a finalidade que inspirou a criação do GAEMA, acima consignada, ou seja, a necessidade de enfrentamento coordenado de casos que tenham dimensão que supere explícita ou implicitamente os limites territoriais da comarca.

O Inquérito civil ora analisado, como já averbado, tem objeto específico e pontual, qual seja apurar a existência de imóveis situados em Área de Preservação Permanente na cidade de São Luiz do Paraitinga.

Não é possível afirmar, com a devida vênia quanto ao posicionamento adotado pela suscitada, que esse objeto apresente transcendência tal que justifique a condução da investigação pelo GAEMA.

Ademais, como igualmente anotado, a investigação global das causas da enchente noticiada nos autos, e providências pertinentes relativamente à prevenção quanto à eventual reprodução, no futuro, de evento de tais dimensões, já são objeto de perquirição própria, em Inquérito específico, a cargo do GAEMA.

3) DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, DD. Promotora de Justiça de São Luiz do Paraitinga, a atribuição para dar seguimento à investigação.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 09 de outubro de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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