Conflito de Atribuições

– Cível –

 

Protocolado nº 148.347/15

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Sorocaba (Direitos Humanos com abrangência na defesa da Pessoa com Deficiência)

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Sorocaba (Direitos Humanos com abrangência na defesa da Saúde Pública)

 

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Sorocaba (Direitos Humanos com abrangência na defesa da Pessoa com Deficiência). Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Sorocaba (Direitos Humanos com abrangência na defesa da Saúde Pública).

2.      Questão central noticiada nos autos afeta às atribuições da Promotoria de Justiça na área de Saúde Pública.  Aspectos da deficiência estrutural que, possivelmente, não se limitam às pessoas com deficiência.

3.      Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.

 

 

 

 

 

Vistos.

1) Relatório

O DD. 4º Promotor de Justiça de Sorocaba, com atribuições na área da Pessoa com Deficiência, encaminha procedimento à Procuradoria-Geral de Justiça, suscitando conflito de atribuições, sob a alegação de que a investigação deverá prosseguir sob a presidência do Promotor de Justiça com atribuições na área da Saúde Pública.

Alega o suscitante que, “no caso em tela, reponta o interesse difuso de um número indeterminado de pacientes com transtorno mental ou dependência química expostos a más condições e maus-tratos num hospital psiquiátrico, sendo certo que apenas uma parcela desses pacientes podem ser considerados como pessoas com deficiência. Não há dúvida, destarte, de que o interesse mais abrangente é o da área da saúde pública” (fls. 76/77).

O procedimento originou-se das peças de informação encaminhadas pelo R. Juízo de Direito da 3ª Vara de Família e Sucessões de Sorocaba, noticiando más condições e maus-tratos infligidos a pacientes do Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, em Sorocaba.

Encaminhadas os autos, o 1º Promotor de Justiça de Sorocaba, ora suscitado, com atribuições para a defesa da Pessoa com Deficiência, declinou da sua atuação, por entender ser a matéria alheia às suas atribuições (fls. 55/56).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em tela, os fatos narrados, ao menos inicialmente, dizem respeito à questão do atendimento na esfera do serviço de saúde pública.

Afinal, foram apontados, até aqui, aspectos de deficiência estrutural que, possivelmente, não se limitam a determinados pacientes do Hospital Psiquiátrico.

Tratando-se de instituição hospitalar, há necessidade da verificação das condições gerais de atendimento.

Como destacou o suscitante, “trata-se de uma instituição hospitalar que não abriga apenas pacientes com deficiência mental, mas também pessoas com transtornos mentais variados, permanentes ou temporários, bem como dependentes químicos” (fl. 75).

Por isso, a questão central noticiada nos autos está afeta às atribuições da Promotoria de Justiça na área de Saúde Pública. 

Destarte, conclui-se que o suscitado, Promotor de Justiça com atribuição na área, deverá prosseguir na investigação.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça de Sorocaba (Direitos Humanos com abrangência na defesa da Saúde Pública), a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 3 de novembro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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