Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 149.885/2013

(Ref. SIS/MP nº 43.0482.0000308/2013-1)

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital

 

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. 6º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital e 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.

2)   Notícia de eventual poluição sonora ocasionada por veículos que trafegam em via pública e passam sobre tampas de bueiros.

3)   Sobreposição de atribuições dos dois órgãos em conflito, dada a existência de interesse ambiental (poluição sonora) e urbanístico (uso do solo urbano). Solução se apresenta com a regra da prevenção, por ser a que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial.

4)   Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do suscitado na investigação.

 

 

 

 

Vistos.

 

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitado o DD. 6º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, e como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, nos autos do SIS/MP nº 43.0482.0000308/2013-1, cujo objeto é a apuração de “poluição sonora ocasionada por veículos quando passam nos bueiros localizados na Av. Nove de Julho, altura da rua Major Quedinho”.

O DD. 6º Promotor de Justiça do Meio Ambiente, ora suscitado, determinou o encaminhamento do feito à Promotoria de Habitação e Urbanismo da Capital sob o argumento de que, “tratando-se de fatos que versam sobre possíveis problemas no asfalto de via pública”, a atribuição é da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo (fl. 06).

O suscitante, DD. 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, por sua vez, ponderou que “o objeto da averiguação a ser instaurada relaciona-se exclusivamente com o barulho excessivo que o tráfego de veículos pelo local gera à vizinhança da Av. 9 de Julho” (fl. 11).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em análise, está assentado no feito que o objeto da investigação é a eventual poluição sonora ocasionada por veículos que trafegam em via pública e passam sobre tampas de bueiros.

Constata-se, então, uma sobreposição de atribuições dos dois órgãos em conflito, dada a existência de interesse ambiental (poluição sonora) e urbanístico (uso do solo urbano).

Assim, não há dúvida de que, na hipótese, a investigação apresenta consequências tanto do ponto de vista da preservação do meio ambiente, como ainda do uso do solo, o que permite afirmar que há sobreposição de atribuições dos dois órgãos de execução especializados.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Não há negar que a realidade oferece situações limítrofes em que é manifesta a dificuldade de identificar de modo claro o órgão revestido de atribuição para investigar determinados fatos, por estarem estes naquela zona de transição entre uma e outra área especializada, ou mesmo por afetarem, concomitantemente, mais de um segmento de especialização.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supraindividual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, pondere-se, como esclarecimento, que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção.

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial.

Deste modo, ainda que se conclua que no caso concreto há interesses relacionados a mais de uma área de atuação em defesa de interesses supraindividuais, ostentando abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso (que já vinha conduzindo a apuração) deve prosseguir na investigação, adotando eventualmente as providências judiciais cabíveis.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 6º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 14 de outubro de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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