Conflito
de Atribuições – Cível
Protocolado
nº 15.227/19
Inquérito
Civil nº 66.0195.0000289/2019-8
Suscitante:
Promotor de Justiça de Araraquara - MPSP
Suscitado:
Promotor de Justiça de Brasília - MPDFT
Ementa: Conflito negativo de
atribuições. Representação. Objeto delimitado. Danos ao patrimônio de Sociedade
de Economia Mista federal, situada em Brasília, decorrentes de irregularidades
em aditivo de contrato administrativo, envolvendo implantação da Estação
Retificadora de Porto Velho/RO e da Estação Inversora de Araraquara/SP.
Atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de Brasília.
Irrelevância de a execução dos contratos ocorrer em local diverso.
1) Conflito negativo de atribuições.
Promotor de Justiça de Araraquara - MPSP (suscitante) e Promotor de Justiça de
Brasília - MPDFT (suscitado).
2) Procedimento destinado à apuração
de danos ao patrimônio público de sociedade de economia mista federal,
decorrente de aditivo de contrato administrativo, é da atribuição da Promotoria
de Justiça do Patrimônio Público e Social do local onde se situa a sede da
pessoa jurídica de direito público, ainda que a execução contratual tenha
ocorrido em locais diversos (Enunciado n. 73-PGJ).
3) Representação conhecida e
acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao Col. STF para a apreciação do
conflito negativo entre Ministérios Públicos.
Vistos,
1) RELATÓRIO
Tratam estes autos de
representação para fins de instauração de conflito negativo de atribuições, formulada pelo DD. Promotor de Justiça de Araraquara, figurando como suscitado o DD. Promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio
Público e Social do Distrito Federal.
O feito em epígrafe foi
instaurado com o fim de apurar possíveis irregularidades no 2° Termo Aditivo ao
Contrato n° 010/2009, celebrado em 24 de agosto de 2012 entre a ESTAÇÃO
TRANSMISSORA DE ENERGIA S.A. (ETE), pertencente à ELETRONORTE e as empresas
INSTALACIONES INABENSA S.A., ABENTA CONSTRUÇÃO BRASIL LTDA e ABENGOA CONSTRUÇÃO
BRASILA S.A., pertencentes ao Grupo Abengoa, no montante
de R$ 30 milhões de reais, estando atrelado à concessão do Lote C do Leilão n°
07/2008 da ANEEL, que visava a implantação da Estação Retificadora de Porto
Velho (RO) e da Estação Inversora localizada
no Município de Araraquara (SP). A empresa contratante teve suas ações
adquiridas, em sua totalidade, pela ELETRONORTE – CENTRAIS ELÉTRICAS DO NORTE
DO BRASIL S/A, sociedade de economia mista subsidiária da ELETROBRÁS,
concessionária de serviços públicos de energia elétrica, cuja sede está situada
em Brasília.
O procedimento foi
instaurado pelo Ministério Público Federal, que em setembro de 2018 declinou
atribuição em favor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios -
MPDFT, com suporte na Súmula 556 do STF e no fato de que a contratante faz parte
de sociedade de economia mista subsidiária da ELETROBRAS, que tem sede em
Brasília, Distrito Federal, considerando a capital do País como o local do
ilícito onde ocorreram os danos patrimoniais ao erário.
Ao receber os autos, o
Promotor de Justiça do MPDFT, entendendo que as irregularidades apuradas pelo
TCU seriam exclusivamente decorrentes de serviços realizados na Estação
Inversora situada em Araraquara, declinou a atribuição ao Ministério Público do
Estado de São Paulo, entendendo que os fatos que motivaram o aditivo ocorreram
na cidade paulista, local em que o contrato foi efetivamente executado (fls.
92).
O DD. Promotor de Justiça
de Araraquara, por seu turno, entendendo não possuir atribuições para atuar no
feito, representa para que seja suscitado conflito de atribuição com o
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, anotando, em suma: (i)
que a contratante ELETRONORTE tem sede em Brasília, onde foram realizadas as
licitações, bem como firmado o contrato e seus aditivos; (ii)
a obra que é objeto do contrato e aditivos inclui um conjunto extenso de
transmissão de energia, desde a cidade de Porto Velho, em Roraima, até
Araraquara, em São Paulo, voltado a conectar o complexo hidroelétrico do Rio
Madeira ao Sistema Interligado Nacional. Não há qualquer participação do
Governo do Estado de São Paulo ou do Município de Araraquara; (iii) eventuais danos patrimoniais resultantes do contrato
ou de seus aditivos recaem sobre o erário federal e o patrimônio privado dos
acionistas da ELETRONORTE, não se podendo cogitar de dano
ao erário estadual ou municipal. O dano de natureza patrimonial deve ser
apurado onde está localizada a sede da empresa, sendo ali considerado o local
do ilícito; (iv) qualquer medida judicial está fora
do arco de competências da Justiça Estadual Paulista e (v) o contrato e seus
termos aditivos contêm cláusula de foro de eleição, qual seja, Brasília.
É o relato do essencial.
2) PRELIMINAR:
COMPETÊNCIA DO STF PARA DIRIMIR O CONFLITO
É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições
está configurado, devendo ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada, configura-se o
conflito negativo de atribuições quando “dois
ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir
atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente,
um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação
do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é
a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do
serviço.
Cabe ressaltar que o Ministério Público é instituição
nacional, mas deriva da Constituição da República a coexistência de duas ordens
de Ministério Público (incisos I e II do art. 128: o Ministério Público da
União e o Ministério Público dos Estados). E a ambos conferiu autonomia
funcional e administrativa (art. 127, § 2º), explicitando ademais seus
princípios de unidade, indivisibilidade e independência funcional (art. 127, §
1º). Segundo communis opinio doctorum, a unidade significa que os membros do
Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só chefe, não
havendo unidade entre os membros de Ministérios Públicos diversos, pois, só
existe unidade dentro de cada Ministério Público (Hugo Nigro Mazzilli. Regime Jurídico do Ministério Público,
São Paulo: Saraiva, 1993, p. 66; Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2000, 7ª ed., p. 475).
Em outras palavras, o Ministério Público é uma
instituição unitária ainda que haja
repartição de competências entre o Ministério Público da União e os dos
Estados, mas, a unidade expressa a ideia de que “a apenas uma instituição, e
não a várias, cabe o exercício das funções institucionais” (Pedro
Roberto Decoiman. Comentários
à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público: Lei nº 8.625, de 12.02.1993,
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011, 2ª ed., p. 35). Não há falar, assim, em sujeição, vinculação administrativa ou
funcional de um ramo do Ministério Público a outro, exceto para aquelas
carreiras que a Constituição quis organizar de forma anômala, como as que
integram as carreiras do Ministério Público da União.
Neste
sentido, em declaração de voto o Ministro Carlos Ayres
Britto sintetizou a diferença entre unidade e indivisibilidade, denotando a
natureza administrativa daquele princípio:
“enquanto o
princípio da unidade do Ministério Público é de caráter administrativo, a
partir da ideia força de que o Ministério Público tem um só chefe, a
indivisibilidade diz com a atuação do Ministério Público em juízo” (STF, ADI
932-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-12-2010, m.v., DJe 09-05-2011).
A cada uma das esferas de Ministério Público foi assegurada
autonomia - poder que a instituição goza para dar direção própria aos assuntos
de sua própria competência ou, mais simplesmente, para administrar a si mesma,
impedindo que receba ordens ou injunções de outros órgãos estatais – o que
garante a efetiva independência funcional do Ministério Público e compreende,
entre outros, a capacidade para decidir mediante critérios ou juízos de sua
própria escolha sem observar ordens ou injunções de autoridades estranhas ao
quadro institucional.
Tal modo organizacional guarda direta relação com o
modelo federativo acolhido desde sempre pelo Estado Brasileiro. Com efeito, aos
Estados são consignadas competências próprias que, ademais, são plenas no
âmbito administrativo. Aos Estados é conferida autonomia, definida como o “governo próprio dentro do círculo de
competências traçadas pela Constituição Federal” (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional, São
Paulo: Malheiros, 2010, 33ª ed., p. 100), e que se consubstancia nas
capacidades de auto-organização, autolegislação,
autogoverno e autoadministração, e que estão contidas nos arts.
18 e 25 a 28 da Constituição Federal (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição,
São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 283).
O princípio federativo é diretriz estruturante da
organização política e administrativa brasileira (arts.
1º e 18, Constituição Federal), com valor de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I,
Constituição), estando assentado na autonomia estadual e na repartição de
competências que, respectivamente, se arquitetam na existência de órgãos
governamentais próprios (que não dependam dos órgãos federais quanto à forma de
seleção e investidura) e na posse de competências exclusivas, como explica José
Afonso da Silva (Curso de Direito
Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2010, 33ª ed., p. 100).
A autoadministração é a capacidade de gestão dos
próprios órgãos e serviços públicos sem interferência da ordem central (Luiz
Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1998, pp.
187-189), sendo exercitável “sem
subordinação hierárquica dos Poderes estaduais aos Poderes da União”
(Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências
na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2000, 2ª ed., p. 25).
Não há dúvida que a solução de conflitos de atribuições
se encarta entre as prerrogativas decorrentes da hierarquia, como acentua a
literatura (Mario Masagão. Curso de
Direito Administrativo, São Paulo: Max Limonad,
1959, tomo I, p. 75, n. 150; Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo:
Atlas, 2003, pp. 74, 92-94; Celso Antonio Bandeira de
Mello. Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Malheiros, 2000, p. 125, n. 25; Odete Medauar.
Direito Administrativo Moderno, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pp. 58-59).
Hierarquia - anota Augustín Gordillo - é uma relação
jurídica administrativa interna vinculando entre si os órgãos da Administração
mediante subordinação para assegurar a unidade de ação, e sua primeira
característica “é que se trata de uma
relação entre órgãos internos de um mesmo ente administrativo e não entre
distintos sujeitos administrativos”, de tal sorte que seu espaço não é o da
descentralização administrativa institucional, mas, o da centralização, da
desconcentração e da delegação (Augustín Gordillo. Tratado de Derecho Administrativo, Buenos
Aires: Fundación de Derecho
Administrativo, 2013, 11ª ed., tomo I, Capítulo XII, pp. 24-25).
A interioridade é traço elementar da hierarquia e, além
disso, antiga e precisa lição assinala que onde há hierarquia não há conflito
porque o “conflito de atribuições supõe
necessariamente que nenhum dos órgãos conflitantes seja hierarquicamente
subordinado ao outro, pois, nessa hipótese, a decisão do órgão superior resolve
o caso” (Mário Masagão, Curso de
Direito Administrativo, São Paulo: Max Limonad,
1960, tomo II, p. 333, n. 513).
As Leis Orgânicas do Ministério Público são indicativas das competências
administrativas do Procurador-Geral.
A Lei n. 8.625/93 prescreve quanto ao Ministério
Públicos dos Estados:
“Art. 10.
Compete ao Procurador-Geral de Justiça:
I - exercer a chefia do Ministério Público, representando-o
judicial e extrajudicialmente;
(...)
X - dirimir conflitos de atribuições entre membros do Ministério
Público, designando quem deva oficiar no feito”.
A Lei Complementar n. 75/93 prevê a competência da
Câmara de Coordenação e Revisão em face de conflito
entre órgãos do Ministério Público Federal, reservada ao Procurador-Geral
da República decisão em grau de recurso (arts. 49,
VIII, e 62, VII),
Se
competir a cada Procurador-Geral a solução conflitos de atribuição entre
membros de seus respectivos Ministérios Públicos, os conflitos entre membros de
Ministérios Públicos diversos encontram sede competente no Supremo Tribunal Federal.
Diante do conflito de atribuições (positivo ou
negativo) entre órgãos de Ministérios Públicos diversos (entre Ministérios
Públicos Estaduais ou entre Ministério Público Federal e Ministério Público
Estadual), sua solução não é da alçada da Procuradoria-Geral da República. O
Procurador-Geral da República exerce tão somente a Chefia do Ministério Público
da União, não podendo estendê-la aos Estados, sob pena de violação do princípio
federativo e do princípio da autonomia conferida aos Ministérios Públicos
Estaduais – possuidores de chefia própria - e de afirmar-se hierarquia onde não
existe.
O Superior Tribunal de Justiça dispensou orientação
negativa ao conhecimento desse conflito de atribuições (STJ, CAt 169-RJ, 3ª Seção, Rel. Min. Hélio Quaglia
Barbosa, 23-11-2005, m.v., DJ 13-03-2006, p. 177) e o
Supremo Tribunal Federal, revendo seu entendimento anterior, concluiu
competir-lhe a solução do conflito:
“COMPETÊNCIA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL. Compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a
envolver o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual. (...)”
(STF, Pet 3.528-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 28-09-2005, v.u., DJ 03-03-2006, p. 71).
Nesse julgamento foi assentado descaber à
Procuradoria-Geral da República dirimir conflito de atribuições entre órgãos
dos Ministérios Públicos Federal e Estadual porque:
“de acordo com a
norma do § 1° do artigo 128 do Diploma Maior chefia ele o Ministério Público da
União, não tendo ingerência, considerados os princípios federativos, nos
Ministérios Públicos dos Estados. (...) A solução há de decorrer não de
pronunciamento deste ou daquele Ministério Público, sob pena de se assentar
hierarquização incompatível com a Lei Fundamental. Uma coisa é atividade do
Procurador-Geral da República no âmbito do Ministério Público da União, como
também o é atividade do Procurador-Geral de Justiça no Ministério Público do
Estado. Algo diverso, e que não se coaduna com a organicidade do Direito
Constitucional, é dar-se à chefia de um Ministério Público, por mais relevante
que seja, em se tratando da abrangência de atuação, o poder de interferir no
Ministério Público da unidade federada, agindo no campo administrativo de forma
incompatível com o princípio da autonomia estadual. Esta apenas é excepcionada
pela Constituição Federal e não se tem na Carta em vigor qualquer dispositivo
que revele a ascendência do Procurador-Geral da República relativamente aos
Ministérios Públicos dos Estados”.
Esse posicionamento, ademais, esclareceu que competia
ao próprio Supremo Tribunal Federal superar o impasse, de maneira a evitar um
“buraco negro”, trazendo à colação precedentes longevos (STF, CJ 5.133, Rel.
Min. Aliomar Baleeiro, DJ 22-05-1970; STF, CJ 5.257,
Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 04-05-1970) para
concluir que “diante da inexistência de
disposição específica na Lei Fundamental relativa à competência, o impasse não
pode continuar. Esta Corte tem precedente segundo o qual, diante da conclusão sobre
o silêncio do ordenamento jurídico a respeito do órgão competente para julgar
certa matéria, a ela própria cabe a atuação (...) Esse entendimento é
fortalecido pelo fato de órgãos da União e de Estado membro estarem envolvidos
no conflito, e aí há de se emprestar à alínea ‘f’ do inciso I do artigo 102 da
Constituição Federal alcance suficiente ao afastamento do descompasso,
solucionando-o o Supremo, como órgão maior da pirâmide jurisdicional”.
Neste sentido firmou-se a competência do Supremo
Tribunal Federal para conhecimento e julgamento de conflito de atribuições “entre o Ministério Público Federal e os
Ministérios Públicos Estaduais, ante a ausência de dispositivo constitucional
expresso, mas com a efetiva possibilidade de conflito federativo (art. 102, I,
f, da Constituição)” (STF, ACO-ED 1.239-DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
18-09-2008, DJe 20-10-2008), até porque concepção
diversa é agressiva à autonomia de cada esfera de Ministério Público e
estabeleceria hierarquia inexistente.
3) MÉRITO
A
solução para o conflito de atribuição, baseada no objeto da investigação, não
pode ser outra senão aquela que prestigie a orientação consagrada no Enunciado
n. 73 da Procuradoria-Geral de Justiça, aplicável à hipótese mutatis mutandis:
“Conflito de atribuição. Licitação e contrato administrativo. Órgão da Administração Pública Estadual Centralizada. Atribuição da Promotoria de Justiça da sede da pessoa jurídica de direito público. É atribuição do órgão de execução da sede da pessoa jurídica de direito público eventualmente lesada a investigação e o processamento de irregularidades em licitação e contratos de órgão público estadual, nos termos do art. 2º da Lei n. 7.347/85 e do art. 55, § 2º, da Lei n. 8.666/93”.
Idêntica conclusão há de ser tomada em relação à sociedade de economia mista sediada em Brasília, cujos contratos e aditivos são tidos como celebrados nessa localidade e a adotam como foro contratual, fazendo incidir o § 2º do art. 55 da Lei n. 8.666/93, verbis:
“Nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, salvo o disposto no § 6o do art. 32 desta Lei”.
Esse entendimento também se harmoniza com a Lei n. 7.347/85 – que se aplica por não existir regra específica na Lei n. 8.429/92 – cujo art. 2º prescreve:
“As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.
Ora, havendo resultado patrimonial negativo ao erário, ele deve ser perscrutado no sítio de sua ocorrência que é a sede da pessoa jurídica de direito público, de onde são distribuídos os recursos inclusive para unidades desconcentradas. Neste sentido explica a literatura que:
“Em se tratando de órgão ou entidade estadual que tem sede na capital da unidade federativa, tais como as secretarias, as universidades, as autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, prevalece a competência dos magistrados que atuam em tal comarca, e não na do interior onde o fato ocorreu. Isso porque a lei considera o local do dano, e não o local do fato” (Silvio Antonio Marques. Improbidade administrativa, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208).
É assaz relevante reverberar o quanto exposto nessa lúcida admoestação: “a lei considera o local do dano, e não o local do fato”. Converge a tanto o sumulado por Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves que apontam a sede da pessoa jurídica de direito público lesada pela improbidade, explicitando que:
“(...) realizada a contratação irregular de pessoal sem a observância dos ditames constitucionais ou realizada a contratação de obra pública em procedimento licitatório irregular, por exemplo, a ação, quando proposta em face do Estado federado (art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/92), isto é, ajuizada pelo Parquet ou por associação, figurando o Estado como pessoa jurídica lesada, encontrará na comarca da capital o seu foro (local de sua sede – art. 2º da Lei nº 7.347/85 c.c. art. 100, IV, a, do CPC), sendo competente o respectivo Juízo de fazenda pública” (Improbidade administrativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, 3ª ed., p. 702).
Nesse sentido é o entendimento dessa Procuradoria-Geral de Justiça, conforme se extrai dos Protocolados nº 66.462/16, 176.514/15, 85.508/14 e 193.733/2014.
Acolhe-se, portanto, a representação.
4) DECISÃO
Diante do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. Promotor de Justiça do Distrito Federal, determinando-se a remessa dos autos ao E. Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 13 de março de 2019.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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