Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado MP nº 152001/16

Suscitante: 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (em exercício)

Suscitado: 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

 

Ementa:

1.      CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. SUSCITANTE: 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (em exercício). SUSCITADO: 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

2.      Representação encaminhada ao suscitante pelo Ministério Público Federal, em declínio de atribuição, postulando a tomada de providências contra Desembargador do Tribunal de Justiça em virtude de decisão concedida em mandado de segurança, em benefício de empresa prestadora de transporte individual de passageiros - UBER. Alegação de prevenção e conexão com inquérito civil instaurado pelo suscitado.

3.      Inquérito civil voltado à apuração da legalidade na edição de decreto pelo Prefeito Municipal, ante a notícia de possível desvio de finalidade e violação a princípios da Administração (impessoalidade e moralidade). Alegado parentesco do Alcaide com funcionário da empresa UBER e possível utilização de informações privilegiados por ex-Secretário Municipal, em benefício desta.

4.       Inexistência de conexão e prevenção pela ausência de identidade de objeto e de investigados. Conflito conhecido e dirimido, determinando-se ao suscitante prosseguir no feito.

 

Vistos,

Trata-se de conflito negativo de atribuições provocado pelo 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (em exercício), em que figura como suscitado o 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

O 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (em exercício) recebeu representação encaminhada pelo Ministério Público Federal, em declínio de atribuição, na qual denunciante solicita a tomada de providências contra Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, que em mandado de segurança teria determinado que a Prefeitura Municipal de São Paulo não mais apreendesse veículos conduzidos por motoristas da empresa Uber. Citando informações obtidas na internet, solicita a revogação da segurança concedida e a a comunicação dos fatos ao CNJ (fls. 09). Observo que as demais notícias acostadas a fls. 04/10 se referem a outras peças de informção que não são objeto da representação.

Na sequencia, o 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (em exercício) determinou o encaminhamento da representação ao 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, para verificação de conexão com o IC nº 359/16 (fls. 25).

O 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, por sua vez, declinou da atribuição por entender não existir conexão entre o objeto da representação e o objeto do IC nº 359/16. Afirmou que o inquérito civil n. 359/16 foi instaurado para apurar a constitucionalidade do Decreto Municipal nº 54.981, de 10 de maio de 2016, que com o fim de regulamentar os arts. 12 e 18, I da Lei federal nº 12.587/12, “dispõe sobre o uso intensivo do viário urbano no Município de São Paulo para exploração de atividade econômica de transporte individual remunerado de passageiros de utilidade pública, o serviço de carona solidária e o compartilhamento de veículos sem condutor”.

Conforme representação que deu início ao inquérito civil, haveria possível desvio de finalidade e violação a princípios da Administração (impessoalidade e moralidade), considerando que o ato normativo editado beneficiaria, em tese, parente do Alcaide, que seria funcionário da empresa diretamente interessada na regulamentação, apontando-se, ainda, possível utilização de informações privilegiadas por parte de ex-Secretário Municipal, que teria passado a prestar assessoria para a empresa beneficiada (fls. 30/42).

Ocorre, porém, que o 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (em exercício) suscitou conflito negativo de atribuições, sob o argumento de que existe conexão e prevenção, na medida em que a representação e o inquérito civil n. 359/16 “tratam exatamente da mesma coisa: questionamento de autorização ou liberação de transporte ilegal, individual remunerado de passgeito, do tipo UBER, em detrimento do transporte de passageiro pelo serviço de táxi. O decreto e as normas legais, com possíveis atuações indevidas da prefeitura e do seu prefeito, são as bases dos dois procedimentos. Há identidade dos dois procedimentos de investigação civil, na regularidade do novel tipo de transporte” (fls. 45/47).

Aduz, ainda, que fora algumas informações diferentes, os fatos estariam no mesmo contexto de ilicitude ou desvio de finalidade na liberação de transporte de passageito pelo sistema Uber, com as mesmas pessoas envolvias no pólo passivo.

É o relatório.

Decisão.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Assim, identificada a identidade de objetos ou causa de pedir, incidiriam as regras da conexão.

Nesse sentido, a reunião de feitos em razão da prevenção, decorrente da conexão (ou continência), tem como razão de ser a economia processual, com o aproveitamento da prova, a maior probabilidade de acerto na solução final, e evitarem-se conflitos lógicos entre decisões.

Guardadas as devidas adaptações, essas ideias são aplicáveis também às hipóteses de reunião de inquéritos civis por prevenção decorrente de conexão ou continência, que tem por objetivo otimizar a investigação e, num segundo momento, evitar soluções logicamente conflitantes nas eventuais ações civis públicas, ou mesmo diante da circunstância de haver o membro do Ministério Público já apreciado questão relativa ao mesmo objeto ou a ele conexo.

No mesmo diapasão o pensamento clássico externado por Giuseppe Chiovenda (Instituições de direito processual civil, 2ºvol., 2ªed., trad. J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p.215 e ss), ressaltando, entretanto, a imposição de limites sistemáticos à união de feitos, como por exemplo, na hipótese em que um dos feitos tramita em segundo grau de jurisdição (op. cit., p.224).

Pode-se mesmo afirmar, sem temor, que a conveniência é critério determinante para aferir se, em determinada hipótese, deverá ou não ocorrer a reunião de feitos conexos em razão da prevenção. Se uma de suas finalidades é a economia processual, e se no caso específico esta não terá lugar, dever-se-á evitar a reunião.

Entretanto, é certo que análise do caso em testilha não enseja a reunião dos procedimentos, porquanto não se verifica conexão entre o objeto do inquérito civil nº 359/16 e o objeto da representação, que deverá ser apreciada pelo suscitante.

De fato, não obstante o Inquérito Civil já instaurado e a representação encaminhada pelo Ministério Público Federal tenham como pano de fundo o transporte individual de passageiros promovido pela empresa Uber, é certo que nem aquele e nem essa tem por fim a apuração da legalidade do serviço prestado pela empresa.

Ao revés, o objeto do inquérito civil se circunscreve a apurar eventual desvio de finalidade e violação a princípios da Administração Pública, especialmente os da impessoalidade e moralidade, considerando que o decreto municipal editado beneficiaria parente do Prefeito Municipal, funcionário da empresa Uber, além de haver notícias de que ex-Secretário Municipal teria se valido de informações privilegiadas ao passar a prestar assessoria para a mencionada empresa.

A representação encaminhada ao suscitante, por outro lado, tem por objetivo a tomada de providências contra Desembargador do Tribunal de Justiça Estadual, em virtude de eventual desacerto de decisão por ele emanada em mandado de segurança, que beneficiaria a empresa citada.

Além disso, ao contrário do afirmado pelo suscitante, os investigados são diferentes.

Inviável, portanto, aplicar as regras de prevenção oriundas da conexão e continência por não não haver identidade de objetos e nem de sujeitos investigados, a justificar a reunião dos procedimentos, cabendo ao suscitante a apreciação da representação.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao suscitante prosseguir nos autos.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 15 de dezembro de 2016.

 

 

Giapaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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