Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 152.091/15

(Nº MP 36.0533.0001267/2013-9)

Suscitante: 5º Promotor de Justiça Cível de Santana

Suscitado: 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos (idoso)

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 5º Promotor de Justiça Cível de Santana. Suscitado: 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos (idoso).

2.      Procedimento Administrativo de Natureza Individual. Providências a favor de idosa, em situação de risco. Informações contidas no expediente que sinalizam para a preponderância da tutela do idoso, sobretudo em face da incerteza quanto à real localização da idosa.

3.      Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.

 

1)  Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 5º Promotor de Justiça Cível de Santana e, como suscitado, o 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos, com atribuições para a defesa do idoso, relativamente ao feito em epígrafe (PANI Nº MP 36.0533.0001267/2013-9).

O presente expediente foi instaurado pela Promotoria de Justiça Cível de Santana, para adoção de providências a favor da idosa M. L. C. C. G., em situação de risco, mas tramitava perante a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos. Por força da informação contida na certidão de fl. 286, segundo a qual a idosa estaria vivendo nas proximidades de um viaduto próximo ao metrô Santana, o DD. 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos determinou o retorno dos autos à Promotoria de Justiça de Santana.

Ocorre que, aportados os autos na referida Promotoria de Justiça, houve declínio de atribuições, sob o argumento de que a idosa está sendo atendida pelo SEAS Santana e pelo SEAS Bela Vista/Consolação e, por isso, havendo dois serviços sociais cuidando conjuntamente da situação da idosa, deve prevalecer o mais abrangente, que é da promotoria de justiça suscitada.

Acrescentou a DD. Promotora de Justiça de Santana, ainda, que “não é cabível que sem maiores investigações se decline de competência com base em informação de terceira pessoa não identificada de que possivelmente a idosa tenha sido vista em determinada localizada, uma vez que esta há sete anos transita pela cidade de São Paulo, sendo que o atendimento inicial da idosa foi pelo serviço social da região central, a cargo do promotor de justiça suscitado”.

É a síntese do necessário.

2) Fundamentação

O conflito negativo de atribuições está configurado e, pois, comporta admissibilidade.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Em outros termos, conflitos de atribuições configuram-se in concreto, jamais in abstracto, quando, considerado o posicionamento de órgãos de execução do Ministério Público “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).

Embora os membros do Ministério Público tenham a garantia da independência funcional, o que lhes isenta de qualquer injunção de órgãos da administração superior quanto ao conteúdo de suas manifestações, são administrativamente vinculados aos órgãos superiores. E estes, no plano estritamente administrativo, possuem, com relação àqueles, poderes imanentes ao regime jurídico peculiar da Administração Pública, que por ser híbrido admite a injunção de normas de direito público e de direito privado. Ponto essencial desse regime jurídico, no entanto, é o deferimento para a Administração de prerrogativas próprias, ditas “poderes” ou funções, como a função hierarquizante, a correção disciplinar e, sobretudo, a função regulatória da normativa.

Como anota Hely Lopes Meirelles, o poder hierárquico é aquele de que dispõe a autoridade administrativa superior para “distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal (...) tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública” (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 121). Confira-se ainda, a respeito desse tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p. 421/423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 106/109.

O reconhecimento do vínculo entre órgão subordinado e órgão superior, no plano estritamente administrativo, é assente, inclusive, no direito comparado, anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em conhecida enciclopédia estrangeira, que esta é a nota característica da hierarquia administrativa, na medida em que “questo vincolo, fondandosi su un’autentica supremazia della volontà superiore, ordina l’agire amministrativo e contribuisce a costituire la prima e basilare unità operativa che l’ordinamento riveste della dignità e della forza di strumento espressivo dell’autorità pubblica” (Verbete “Gerarchia amministrativa”, Enciclopedia del diritto, vol. XVIII, Milano, Giuffre, 1969, p. 626).

Do mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos, de um “potere di risoluzione di conflitti tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività degli stessi” (Diritto Amministrativo, v. I, 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1993, p. 312).

O reconhecimento da hierarquia na organização administrativa ministerial de modo algum conflita com o princípio da independência funcional: os Promotores de Justiça são independentes no que tange ao conteúdo de suas manifestações processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a administração de qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns aspectos dessa atuação.

Em outras palavras, o Procurador-Geral de Justiça não pode dizer como deve o membro do Ministério Público atuar, mas pode e deve dizer se deve ou não atuar, e qual o membro ou órgão de execução que o fará, diante de discrepância concretamente configurada.

Portanto, conhecido do conflito, é o caso de se passar à definição do órgão de execução com atribuições para atuar no presente feito.

No caso em exame, está configurada a situação de risco, nos termos do art. 43, inciso III, do Estatuto do Idoso:

Art. 43. As medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

        I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

        II – por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento;

        III – em razão de sua condição pessoal.

Assim, analisados os documentos encaminhados à Procuradoria-Geral de Justiça, verifica-se que está em discussão o direito do idoso em situação de risco, sobretudo em função de sua condição pessoal.

Acrescente-se que, nos termos do art. 438 do Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça do Estado de São Paulo, compete ao Promotor de Justiça com atribuição para a Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa aplicar medidas de proteção e oficiar em prol de direitos individuais indisponíveis do idoso, nos seguintes termos:

“Art. 438. Exercer a defesa dos direitos e garantias constitucionais da pessoa idosa, por meio de medidas administrativas e judiciais, competindo-lhe, em especial e sem prejuízo do disposto em Ato próprio:

(...)”.

Portanto, considerando que, no caso em tela, estão em jogo os direitos fundamentais indicados no próprio Estatuto do Idoso, a atribuição é do suscitado.

Cabe consignar que as duas Promotorias de Justiça em conflito têm atribuição para oficiar nos autos.

Todavia, o conflito deve ser solucionado no sentido de direcionar a atribuição àquela cuja esfera de atuação é mais abrangente, mais especializada, sobretudo pelo fato de existir incerteza quanto à exata localização da idosa em situação de risco.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 5 de novembro de 2015.

 

 

        Márcio Fernando Elias Rosa

        Procurador-Geral de Justiça

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