Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
152.826/2013
(Ref. Procedimento nº 37.0674.0001025/2013-8)
Suscitante:
8º Promotor de Justiça de São Caetano do
Sul (atribuições na área do Idoso)
Suscitado: 4º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (atribuições na área da Saúde Pública)
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 8º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (atribuições na área do Idoso). Suscitado: 4º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (atribuições na área da Saúde Pública).
2. Representação encaminhada ao Ministério Público para providências relacionadas à saúde de determinada pessoa, em decorrência de transtorno psiquiátrico causado, possivelmente, pelo uso excessivo de álcool e outras drogas. Discussão a respeito da eventual necessidade de internação compulsória. Situação de risco para familiares, entre eles pessoa idosa (genitor).
3. Questão nitidamente afeta à área da Saúde Pública. Prevenção, ademais, do órgão de execução que preside a investigação, diante de fato ou situação de fato da qual se extraem consequências relacionadas a mais de uma área de atuação do MP (áreas da Saúde Pública e do Idoso).
4. Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.
1) Relatório.
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 8º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (atribuições na área do Idoso) e como suscitado o 2º Promotor de Justiça de Bauru (Pessoas Portadoras de Deficiência), relativamente ao feito em epígrafe (Procedimento nº 37.0674.0001025/2013-8).
O suscitado, DD. 4º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (atribuições na área da Saúde Pública) instaurou Procedimento Administrativo de Natureza Individual - Procedimento nº 37.0674.0001025/2013-8; controle 1081/2013), tendo em vista a notícia de que Francisco Gilson de Brito seria dependente de álcool e outras drogas, negando-se a aderir a programas voluntários de tratamento, tendo comportamento, por vezes, violento, bem como criando situação de risco para seu genitor Joaquim Nicolau de Brito, que é pessoa idosa, e para outros familiares.
Após diligências iniciais o suscitado, DD. 4º Promotor de Justiça de São Caetano do sul (atribuições na área da Saúde Pública), proferiu despacho determinando o arquivamento dos autos e o encaminhamento de cópias para o suscitante, salientando, em suma, que: (a) é inaplicável ao caso a internação voluntária prevista na Lei nº 10.216/01, pois não restou caracterizado o transtorno mental de Francisco Gilson de Brito; (b) é necessária a adoção de providências, nos termos do art. 44 c.c. o art. 45, IV, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), a fim de que o investigado seja incluído em “programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento”, por estar causando situação de risco ao idoso (fls. 32/34).
O DD. 8º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (atribuições na área do Idoso) suscitou então o conflito, destacando, em suma, a gravidade da situação em que se encontram o idoso e demais familiares, dada a conduta agressiva e ameaças proferidas pelo investigado.
Anotou, ademais, ser caso de: (a) inclusão do investigado em tratamento e eventualmente sua internação compulsória; (b) não ter sido esclarecido, por parecer médico, a real condição mental do investigado; (c) estar o suscitado prevento para a atuação no caso (fls. 2/6).
É o relato do essencial.
2) Fundamentação.
É possível
afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser
conhecido.
Como anota a
doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando
“dois ou mais órgãos de execução do
Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de
determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo
aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.
196).
Como se sabe, no
processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída
dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador
estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio
Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São
Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56;
Patrícia Miranda Pizzol, A competência no
processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves,
Competência no processo civil, São
Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia,
aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência
(objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e
sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose
Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a
identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada
demanda a lei processual estabelece, a
priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há
razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão
ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese
concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se, deste
modo, afirmar que a definição do membro do parquet
a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera
cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública,
deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
O Procedimento
investigatório em epígrafe foi instaurado por força de Portaria editada pelo órgão
suscitado, da qual se extrai a informação de que o investigado, Francisco
Gilson de Brito, é dependente químico, e coloca a si próprio, bem como aos seus
familiares, em situação de risco.
Tal notícia foi
confirmada pela documentação juntada aos autos, consistente em informações
encaminhadas pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social
(CREAS) de São Caetano do Sul (fls. 23-24, 27), inclusive com sugestão de
internação compulsória (fls. 27), bem como boletim de ocorrência policial
noticiando ameaças proferidas pelo investigado em relação aos familiares (fls.
28/31).
Com a devida
vênia ao posicionamento manifestado pelo suscitado, extrai-se da hipótese em
exame situação concreta a exigir, claramente, intervenção relacionada à esfera
da saúde pública. A possibilidade de aplicação ao dependente químico da medida
de proteção prevista no art. 45, IV, do Estatuto do Idoso (Lei nº 10741/2003)
não exclui sua atribuição.
Ademais, note-se
que, por tratar-se de um único fato ou situação de fato (conduta violenta do
dependente químico, que cria situação de risco para familiares, entre eles a
pessoa idosa), da qual se extrai repercussão que alcança mais de uma área de
atuação do Ministério Público, torna-se objetivamente aplicável a unidade da
intervenção ministerial, observada a prevenção do órgão de execução que já
vinha presidindo a investigação.
Considerando,
entretanto, que o órgão suscitado manifestou-se quanto ao próprio mérito do
caso, externando taxativamente seu posicionamento contrário à medida de
internação compulsória, será designado o substituto automático para oficiar no
feito, observando-se, na forma regulamentar, a possibilidade de ulterior
compensação.
3) Decisão
Diante do
exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com
fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando
caber ao suscitante, DD. 4º Promotor de
Justiça de São Caetano do Sul (com atribuições na área da Saúde Pública) oficiar
no procedimento investigatório.
Em virtude da
peculiaridade do caso, tendo o suscitado se manifestado quanto ao próprio
mérito da hipótese investigada, e observada sua independência funcional,
designe-se o substituto automático para oficiar nestes autos, observada, na
forma regulamentar, ulterior compensação.
Publique-se a
ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a
remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva.
São Paulo, 14 de
outubro de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
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