Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 153.672/16

Peça de Informação nº 66.0399.0000679/2016-1

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau

Suscitado: Promotor de Justiça do GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema

 

 

Ementa:

Conflito negativo de atribuições. Representação. Agravo à trafegabilidade e à mobilidade urbanas. Omissão do poder público na conservação e recuperação de estradas municipais rurais. Atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo. 1. Representações relatando omissão do poder público na manutenção, conservação e recuperação de estrada municipal, em virtude do tráfego de maquinário pesado. 2. Matéria relacionada à alçada da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, uma vez que diz respeito às condições de mobilidade e trafegabilidade de vias públicas, sem prejuízo da apuração de eventuais danos ao meio ambiente se diagnosticada sua ocorrência durante a instrução. 3. Conflito dirimido, reconhecendo a atribuição do 2º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau (suscitante).

 

Vistos,

1)  RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau e como suscitado o DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema.

O expediente foi inicialmente recebido pelo Promotor de Justiça suscitante, por meio de representação que narrava danos a estrada municipal rural de Mirante do Paranapanema em virtude do tráfego de veículos pesados e maquinário pertencente a uma usina sucroalcooleira. Segundo o relato, o tráfego intenso e a ausência de manutenção na estrada municipal vêm causando transtornos aos moradores da região, que enfrentam dificuldades para realizar o escoamento de produções rurais, bem como o deslocamento para escolas e outros locais (fls. 02/03). Outras representações foram juntadas ao expediente, de idêntico conteúdo (fls. 10/26 e 49/51).

O DD. Promotor de Justiça suscitante solicitou a realização de fiscalização pela polícia militar ambiental, a fim de verificar a prática de dano ambiental. Em resposta foi informado não ter sido constatada intervenção em área de preservação permanente e nem assoreamento de nascentes (fls. 32).

Oficiado ainda à Prefeitura Municipal de Marabá Paulista, foi informado que o processo erosivo nas estradas rurais foi ocasionado pelo volume de águas pluviais, destacando-se que o município não dispõe de verbas para executar obras de conservação no presente momento (fls. 40/41).

Na sequencia, o DD. Promotor suscitante encaminhou as peças de informação ao GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema, em virtude da “provável ocorrência de processos erosivos nas propriedades que margeiam as estradas rurais mencionadas”, inclusive fora dos limites da Comarca, bem como em razão da extensão dos danos apurados.

Ao receber o expediente, o DD. Promotor de Justiça que oficia no GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema, apontou que a presente representação relata processos erosivos em estradas rurais do município de Marabá Paulista e adjacências, não se justificando sua tramitação em referido núcleo diante do disposto no Ato Normativo nº 552/08 (fls. 55), razão pela qual devolveu o expediente à origem.

O DD. Promotor de Justiça de Presidente Venceslau, ao suscitar o conflito, anotou que os problemas noticiados extrapolam os limites da Comarca de Presidente Venceslau, afetando outras duas Comarcas, circunstância que enseja a atuação do GAEMA. Além disso, segundo disposto no Ato Normativo nº 958/2016-PGJ, dentre as questões eleitas como prioritárias para o referido núcleo de atuação, se encontra o “diagnóstico, estudo e atuação em relação ao uso, manejo e conservação do solo” (fls. 58/91).

2)  FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, a representação relata que algumas estradas rurais municipais vem sendo danificadas pela utilização de máquinas e veículos pesados, em decorrência da instalação de complexo sucroalcooleiro, havendo omissão do poder público em sua manutenção e conservação, o que vem gerando embaraços ao usufruto da via e, inclusive, prejuízos à população local.

Cingido o objeto da representação nestes termos denota-se a atribuição do suscitante, pois a matéria não se relacionada ao meio ambiente, sendo da alçada da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, atribuição que também lhe pertence, nos termos do Ato nº 066/2011 – PGJ, de 19 de setembro de 2011, uma vez que tem pertinência com a manutenção e conservação de vias públicas cujo estado assegure as condições de mobilidade e trafegabilidade.

Ao contrário do afirmado, a questão não está relacionada ao diagnóstico, estudo e atuação em relação ao uso, manejo e conservação do solo, matéria que se insere dentro da apuração de fenômenos que podem degradá-lo e torná-lo inaptos a seu potencial produtivo ou ao fim a que se destinam, decorrentes de desmatamento, desertificação, utilização de tecnologias inadequadas, ausência de práticas conservativas de água no solo, etc.

E se dano ao meio ambiente se visualizar na instrução do procedimento, decerto o suscitante provocará a atuação do suscitado para tomada das respectivas medidas da esfera de suas atribuições, porquanto não é possível afirmar-se, a priori e à vista dos pedidos constantes da representação, que a atribuição pertenceria à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente por conta do prejuízo ao tráfego decorrente do uso da estrada pelos veículos e maquinários citados.

Nesse sentido já se decidiu nos autos do Protocolado nº Protocolado n. 4.853/16:

“Ementa: Conflito negativo de atribuições. Representação. Agravo à trafegabilidade e à mobilidade urbanas. Omissão do poder público na conservação e recuperação de via pública. Atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo.  1. Representação relatando omissão do poder público na manutenção, conservação e recuperação de estrada municipal. 2. Matéria relacionada à alçada da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, uma vez que tem pertinência com as condições de mobilidade e trafegabilidade de vias públicas, sem prejuízo da apuração de eventuais danos ao erário pela Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social se diagnosticada sua ocorrência durante a instrução. 3. Conflito dirimido, reconhecendo a atribuição do 2º Promotor de Justiça de Votuporanga (suscitante)”.

Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao ilustre suscitante, 2º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau, a atribuição para oficiar nos autos.

São Paulo, 09 de dezembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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