Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 153.977/15

Inquérito Civil nº 14.0701.0000249/2014-4

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Ubatuba

Suscitado: GAEMA – Núcleo Litoral Norte

 

 

 

Ementa:

Conflito negativo de atribuições. Denúncia de dano ambiental. Desmatamento de vegetação em obejto de especial preservação. Atribuição do Promotor de Justiça da comarca. 1. Em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito a sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a, do Ato Normativo nº 552/2008). Interpretação sistemática dos dispositivos que delimitam as atribuições do GAEMA (art. 3º, § 3º, art. 5º, e art. 14). 2. Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado realizar a investigação.

 

 

 

 

 

Vistos,

1)  RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Ubatuba, e como suscitado o DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Litoral Norte.

O expediente foi iniciado por força de cópia de auto de infração encaminhado pela polícia ambiental à Promotoria de Justiça de São Sebastião, noticiando dano em área de 0,018 ha de vegetação nativa, em estágio inicial de regeneração (fls. 15/17).

Ao receber o expediente, o suscitado, DD. Promotor de Justiça que oficia no GAEMA – Núcleo Litoral Norte, determinou o encaminhamento dos autos à Promotoria de Justiça de Ubatuba, sob o fundamento de que questões que evocam atuação do GAEMA demandam fatos que envolvam danos ao meio ambiente de forma transcendental e regionalizada (fls. 35).

O suscitante, DD. 1º Promotor de Justiça de Ubatuba (com atribuições na área do Meio Ambiente), ao suscitar o conflito anotou cf. fls. 43/45, que a meta de proteção à restinga, prevista no Ato Normativo n. 811/14-PGJ, é aquela comtemplada na Resolução Conama 303/02, hipótese na qual a atribuição será do GAEMA.

2)  FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, o objeto de apuração está centrado na notícia de degradação ambiental em vegetação típica de escrube de Restinga, em objeto de especial preservação (fls. 15).

Não há dúvida de que, em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito à sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a do Ato Normativo nº 552/2008).

Não há, nos dispositivos do referido ato regulamentar, disposições que fixem, de antemão, parâmetros para a definição inflexível das hipóteses que deverão ser indicadas como preferenciais quanto à sua atuação.

Essa permeabilidade tem em vista, como destaca a motivação contida no preâmbulo do referido ato normativo, “o caráter transcendental das questões ambientais, a identidade de hipóteses de atuação e a necessidade de atuação integrada, coordenada e concentrada”, bem como “a necessidade de eleição de prioridades e metas que respeitem as peculiaridades locais e regionais, bem como o referido caráter transcendental da tutela ambiental”.

Dessa forma, essa eleição de questões prioritárias que invoca a atuação do GAEMA naturalmente envolve, ao menos de modo implícito, situações em que a questão ambiental se apresente de modo regionalizado, recomendando a atuação uniforme do Ministério Público, desconsiderando os limites tradicionais de divisão de atribuições em sentido territorial (comarcas e foros).

Essa nova modalidade de atuação ministerial, de outro lado, deve privilegiar, na fixação de atribuições, aspectos geográficos relacionados ao próprio meio ambiente a ser protegido, como ocorre, precisamente, nas questões que envolvem determinada bacia hidrográfica.

Tanto assim que o Ato Normativo 552/2008 também adota como justificativa, em seu preâmbulo, a afirmação de que “nos termos do artigo 1º, inciso V, da Lei 9.433, de 08/01/1997, a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, podendo ser empregada como caráter definidor das atuações regionalizadas”.

Considerando tais premissas é que foram estruturados os Núcleos Regionais do GAEMA a partir de grandes bacias hidrográficas, tendo em vista a necessidade de definição de política ministerial de atuação regionalizada e uniforme em matéria ambiental.

Por outro lado, o Ato Normativo nº 811/2011-PGJ, de 17 de fevereiro de 2014, que dispôs sobre “as metas gerais e regionais para a atuação do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) e da Rede de Atuação Protetiva do Meio Ambiente, para o ano de 2014”, estabeleceu, em seu art. 1º, as metas gerais e regionais para o GAEMA no ano de 2014, sendo certo que o inciso VI, n.6, desse artigo prevê, entre outros temas, a “Complexos vegetacionais objeto de especial proteção, notadamente a restinga (contemplada na Resolução CONAMA 303/02), o mangue e o Costão Rochoso da Cidade de Ilhabela, além de outras áreas em estado de criticidade apontado por estudos técnicos”.

Os fatos até então apurados indicam para hipótese de dano pontual ao meio ambiente, em área exígua, (0,018 Ha) sem caráter macroscópico, transcendental ou regional.

Esse quadro sinaliza para o reconhecimento da atribuição da Promotoria de Justiça, e não do GAEMA – Núcleo Litoral Norte.

3)  DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 1º Promotor de Justiça de Ubatuba, a atribuição para dar seguimento à investigação.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos e a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 6 de novembro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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