Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 157.245/2013

(Ref. Peças de Informação nº 66.0308.0001291/2013-5)

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Jaboticabal (atribuições na área da Saúde Pública)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Jaboticabal (atribuições na área do Patrimônio Público)

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Jaboticabal (atribuições na área da Saúde Pública). Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Jaboticabal (atribuições na área do Patrimônio Público).

2.   Inquérito civil instaurado para apurar notícia de irregularidades relacionadas à esfera da defesa do patrimônio público e das políticas na área da saúde pública. Apuração, em outro feito, da questão afeta à saúde pública, remanescendo, nestes autos, aquelas atinentes ao patrimônio público, que já vinham, em outros inquéritos civis, sendo analisadas pelo órgão suscitado.

3.   Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.

 

 

 

 

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Jaboticabal (atribuições na área da Saúde Pública) e como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça de Jaboticabal (atribuições na área do Patrimônio Público), relativamente ao feito em epígrafe (Peças de Informação nº 66.0308.0001291/2013-5).

O Procedimento Investigatório foi inicialmente instaurado junto à Procuradoria da República em Ribeirão Preto/SP, com a finalidade de apurar notícia de “eventual irregularidade na aplicação de verbas oriundas do Ministério da Saúde para os Programas Saúde da Família e Vigilância Epidemiológica, bem como o não recolhimento de INSS pela Associação de Assistência Médica de Taiaçu/SP”, cf. consta do despacho do Ministério Público Federal de fl. 14, bem como contratação de profissionais de saúde sem a realização de concurso público, cf. consignado à fl. 48.

Posteriormente o MPF encaminhou os autos à Promotoria de Justiça de Jaboticabal, com manifestação na qual foi consignado o declínio de atribuições para oficiar no feito (fls. 285/288 e 293).

Ao receber os autos, o órgão ministerial suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Jaboticabal (com atribuições na área do Patrimônio Público), lançou manifestação determinando o encaminhamento do feito ao órgão suscitante, consignado, em suma, que: (a) a respeito dos mesmos fatos, há na Promotoria de Justiça de Jaboticabal três procedimentos investigatórios instaurados; (b) no Inquérito Civil 14.0308.0000028/2010 apura-se a acumulação do cargo de Secretário Municipal da Saúde e de membro da ASSEME – Associação de Assistência Médica de Taiaçu; no Inquérito Civil 14.0308.0000663/2013 apura-se a contratação de assistentes comunitários da saúde através da ASSEME; no Inquérito Civil nº 14.0308.0000032/2011-4 busca-se fomentar o controle social a ser exercido pelo Conselho Municipal de Saúde de Taiaçu sobre o Plano Municipal de Saúde da referida localidade para os anos de 2010 a 2013; (c) os dois primeiros inquéritos acima mencionados, já arquivados, são de atribuição do suscitado, enquanto o último é de atribuição do 1º Promotor de Justiça de Jaboticabal (fl. 304).

O suscitante, DD. 1º Promotor de Justiça de Jaboticabal (com atribuições na área da Saúde Pública), por sua vez, consignou ao suscitar o conflito negativo que: (a) o objeto do presente procedimento investigatório é, em suma, a defesa do patrimônio público; (b) há notícia de pagamento, pela Municipalidade de Taiaçu, por força de contrato, à Associação de Assistência Médica (ASSEME), sendo necessária a adoção de providências para ressarcimento dos gastos indevidamente realizados; (c) há notícia de contratação de equipes para o Programa de Saúde da Família sem a realização de concurso; (d) há notícias de irregularidades no cumprimento de carga horária por médicos; (d) há notícia de “dupla atuação” da Secretaria Municipal de Saúde; (e) há notícia de irregularidade na instalação e funcionamento do Conselho Municipal de Saúde bem como quanto à efetivação do Programa de Saúde da Família.

Acrescenta ainda o órgão ministerial suscitante que quanto às irregularidades no que toca ao funcionamento do Conselho Municipal de Saúde e ao Programa Saúde da Família, providenciou a extração de cópias e instaurou inquérito civil específico, mas que “o patrimônio público é o interesse mais abrangente no presente caso, conforme já demonstrado acima, sendo, portanto, da atribuição da 2ª Promotora de Justiça de Jaboticabal a apreciação do presente inquérito civil” (fls. 318/321).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Da leitura dos autos e das manifestações dos órgãos ministeriais em conflito é possível extrair duas ordens de conclusões, com a devida vênia em relação a entendimento distinto: (a) por um lado, no presente procedimento investigatório são apuradas questões relacionadas à defesa do patrimônio público bem como outras específicas, atinentes às  políticas na área da saúde no Município; (b) o órgão de execução suscitado (2º Promotor de Justiça de Jaboticabal – com atribuições na área do Patrimônio Público) instaurou dois inquéritos para apurar as questões associadas ao objeto desta investigação, com repercussão na defesa do patrimônio público; (c) o órgão de execução suscitante (1º Promotor de Justiça de Jaboticabal – com atribuições na área da Saúde Pública) instaurou inquérito para apurar o problema atinente à implementação da política de saúde pública no Município, extraindo cópias do presente feito para instruí-lo; (d) remanesce, nestes autos, a necessidade de apuração das questões atinentes ao patrimônio público.

Reitere-se e ressalte-se que, como o próprio suscitado informou, as irregularidades cuja investigação está relacionada à defesa do patrimônio público já vinham sendo apuradas em outros procedimentos sob sua responsabilidade, e a questão das políticas de saúde pública estão sendo averiguadas em procedimento próprio junto ao órgão suscitante.

Assim sendo, considerando, de todo o exposto, que remanesce a necessidade de apuração, nestes autos, das questões afetas à defesa do patrimônio público, deverá o órgão ministerial suscitado prosseguir na investigação.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Jaboticabal (com atribuições na área do Patrimônio Público) oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 22 de outubro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

rbl