Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
0159185/13
Suscitante: 1º
Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital
Suscitado: 5º
Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital
1. Conflito positivo de atribuições. Suscitante: 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital. Suscitado: 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.
2. Investigação acerca de irregularidade na construção de aeródromo comercial em área de proteção ambiental localizada no bairro de Parelheiros.
3.
Inexistência de desvirtuamento no atuar de
membro do Ministério Público. O
Ministério Público passou a ocupar lugar de destaque entre os agentes políticos
brasileiros a partir da edição da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85).
A Constituição Federal de 1988 e toda a legislação infraconstitucional
subsequente realçaram e confirmaram o destaque à Instituição. Prestigiando sua
natureza de agente político, o Novo Ministério Público adquiriu a condição de
agente de transformação social comprometido com a instalação e efetivação do
Estado Democrático de Direito (JATAHY, Carlos Roberto de C. 20 anos de
Constituição: O Novo Ministério Público e suas perspectivas no Estado
Democrático de Direito. In: Temas atuais do Ministério Público: a atuação do parquet nos 20 anos da Constituição
Federal. CHAVES, Cristiano; ALVES, Leonardo Barreto Moreira; ROSENVALD, Nelson.
(Org.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 16).
4.
A
legitimidade da atuação do Ministério Público no tema concernente a políticas
públicas decorre da imanente relevância social que apresenta tal matéria, o que
fundamenta e exige sua atuação, porquanto se coaduna com o comando normativo
previsto no caput do artigo 127 da Constituição Federal. Muito embora a
louvável preocupação do suscitante, o fato é que o suscitado, ao lado de também
enfrentar a questão ambiental, investiga outros pontos que merecem a atenção do
Ministério Público; nesse aspecto, não se pode afirmar ter havido
desvirtuamento por parte da atuação do suscitado, mesmo porque, no âmbito das políticas públicas, o
Ministério Público intervém em diversos segmentos, cobrando dos órgãos
governamentais a implantação de direitos garantidos pela Carta Constitucional de 1988 (Cássio
Casagrande. Ministério Público e a Judicialização da Política – Estudo de Casos.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008).
5. Prevenção. Em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção, por ser a que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial.
6. Conflito conhecido e dirimido, declarando-se a atribuição do órgão ministerial suscitado para prosseguir na investigação.
Vistos,
1. Relatório.
Tratam estes autos de conflito positivo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, e como suscitado o DD. 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.
O DD. 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital (suscitante) instaurou o Inquérito Civil n. 302/2013 a fim de apurar eventual irregularidade na construção de aeródromo comercial em área de proteção ambiental localizada no bairro de Parelheiros. Contudo, diante da existência de procedimento investigatório em trâmite pela Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital a respeito do mesmo fato, suscitou o presente conflito positivo de atribuições.
Inicialmente, oficiou-se ao suscitado, DD. 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, para que se manifestasse no presente conflito positivo de atribuições, o qual, por intermédio do Ofício 3171/13, asseverou que a solução que melhor atenderia aos interesses sociais seria a atuação conjunta da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital e da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital (fls. 351/357).
É o relatório.
2) Fundamentação
É possível afirmar que o conflito positivo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.
Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de
determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no
direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe
Chiovenda (Princípios de derecho procesal
civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto
Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.
O presente conflito positivo de atribuições foi suscitado porque, segundo o 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, a atribuição para presidir a investigação acerca da construção de aeródromo comercial em área de proteção ambiental é exclusivamente sua. Pontificou, em síntese, a justificar a atribuição da Promotoria de Justiça da Capital o seguinte:
1.
“O
suscitado instaurou inquérito civil para analisar a inadequação das
características urbanísticas de área denominada “Fazenda da Ilha”, no distrito
de Parelheiros, com a finalidade de definir projetos de desenvolvimento
econômico para a região, o que extrapolaria as atribuições do Ministério
Público, na medida em que a questão circunscreve-se à criação de política
pública, reservada exclusivamente ao Executivo e ao Legislativo Municipal;
2.
A
atribuição da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital,
consoante o previsto na Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São
Paulo, restringir-se-ia às relações jurídicas atinentes ao desmembramento, ao
loteamento e ao uso do solo para fins urbanos;
3.
O
estudo técnico realizado no curso da investigação demonstrou a dimensão dos
impactos ambientais que o empreendimento provocará na região, caso venha a ser
implantado;
4.
Não
se poderia utilizar o critério da prevenção, diante da ausência de
fundamentação legal para a intervenção da Promotoria de Justiça da Habitação e
Urbanismo.”
Por sua vez, o suscitado, 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, prestou os seguintes esclarecimento (cf. fls. 351/357):
1.
“Por
conta de ofício encaminhado pela Procuradoria-Geral
de Justiça à Promotoria de Justiça
da Habitação e Urbanismo da Capital (fl. 360), instaurou-se inquérito civil
para apurar a ausência de infraestrutura urbana adequada em Engenheiro Marsilac
– Subprefeitura de Parelheiros, bem como as medidas adotadas pelo Poder Público
Municipal a respeito; referida investigação deu-se anteriormente ao Inquérito
Civil instaurado pela Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo que ora se
discute;
2.
Ao
lado da proteção ambiental da região onde se pretende implantar o aeródromo, há
expressivo contingente de pessoas em situação precária que merece atenção do
Ministério Público sob a perspectiva do desenvolvimento humano e urbano para
garantia das condições de moradia, de acesso à saúde, da educação para todos,
bem como todos os demais serviços básicos que devem ser prestados pelo Poder
Público Estadual e Municipal;
3.
Sobretudo
após a vinda de informações técnicas, o suscitado posicionou-se contrariamente
à aprovação do empreendimento e a qualquer alteração na Lei de Zoneamento da
Cidade que viesse a permitir sua implantação.
4. A investigação ora em curso na Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo objetiva, entre outras medidas, expedir recomendação às Secretarias Municipais de Desenvolvimento Urbano (SMDU) e de Licenciamento (SEL) “no sentido de preservar o zoneamento atual da área, a interpretação dada pela SMDU vetando a instalação do aeródromo e a negativa de análise pela SEL em vista da negativa de expedição de certidão sobre o zoneamento pela SMDU” (fl. 356).
Registre-se, de plano, que o ATO NORMATIVO Nº
754/2013-PGJ, de 30 de janeiro de 2013 (Protocolado nº 10.340/2013),
responsável por estabelecer o Plano Geral de Atuação do Ministério Público de
São Paulo para o ano de 2013, no Capítulo 8, que trata das Promotorias de
Justiça da Habitação e Urbanismo,
tem como seu primeiro objetivo garantir a existência de Planos Diretores
consistentes e sua aplicabilidade, e como meta “Assegurar a aprovação ou a
revisão de Planos Diretores, em todos os municípios paulistas (Const. Estadual,
art. 181, § 1º), que prevejam, no mínimo, o conteúdo estabelecido no Estatuto
da Cidade (art. 42) e versem sobre a realidade local”.
Importante
observar que inúmeras foram as metas traçadas pelo referido Ato Normativo,
como, exemplificativamente: (a) garantir a aplicabilidade do
Plano Diretor e fiscalizar a criação de leis especiais que conflitem ou
flexibilizem o Plano Diretor (Meta 2); (b) acompanhar a implementação das
Políticas Públicas de Mobilidade Urbana, com ênfase no transporte público (Meta
3); (c) desenvolver atividades fiscalizatórias para garantir a mobilidade
urbana (Meta 4); (d) desenvolver atividade de acompanhamento e fiscalização de
Grandes Projetos (Meta 5); (e) assegurar aplicação dos instrumentos
urbanísticos (Meta 6).
Para alcançar
referidas metas, inúmeras ações poderão ser adotadas, desde a identificação de
municípios que não elaboraram ou revisaram os Planos Diretores, os que dispõem
de Planos sem conteúdo mínimo e/ou com irregularidades, até mesmo exigir que,
nos Planos Diretores e de Habitação, haja destinação de áreas subutilizadas e
"vazios urbanos" para programas de habitação de interesse social, estimulando
o uso misto como forma de aproximar habitação, emprego e desenvolvimento
econômico.
É do ATO NORMATIVO Nº
754/2013-PGJ, de 30 de janeiro de 2013, que “no caso de impossibilidade de solução político-administrativa nos
prazos marcados, tomar medidas judiciais”; assim também “incentivar
regulamentação municipal de audiências públicas e outros instrumentos de
participação popular”.
E, ao que se
colhe do presente conflito positivo de atribuições, outro não é o objetivo do
suscitado; in verbis:
“Sem desatentar
e desatender às necessidades de preservação ambiental da região, não se pode
olvidar que há contingente de pessoas em situação de vida extremamente precária
na região e que merece atenção do Ministério Público sob ambas as perspectivas:
a de preservação ambiental e a de desenvolvimento humano e urbano para garantia
não só das condições de moradia, mas de acesso à saúde, educação e todos os
demais serviços básicos que devem ser prestados pelo Poder Público Estadual e
Municipal.
Esse Inquérito Civil aguarda respostas faltantes de documentos solicitados para ser agendada em início do próximo ano audiência pública prévia mesma à elaboração do Plano Regional Estratégico após a aprovação do Plano Diretor da Cidade”(fls.351/357).
Aliás, a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital já realizou, em outra oportunidade, audiência pública a respeito da participação popular e gestão democrática da cidade (cf. AVISO nº 042/2013 – PGJ), o que não significa desvio da atividade do parquet.
Com efeito, não se pode negar que o Ministério Público passou a ocupar lugar de destaque entre os agentes
políticos brasileiros a partir da edição da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85).
A Constituição Federal de 1988 e toda a legislação infraconstitucional
subsequente realçaram e confirmaram o destaque à Instituição.
Afirma-se
que, prestigiando sua natureza de agente político, o Novo Ministério Público
adquiriu a condição de agente de transformação social comprometido com a
instalação e efetivação do Estado Democrático de Direito (JATAHY, Carlos
Roberto de C. 20 anos de Constituição: O Novo Ministério Público e suas
perspectivas no Estado Democrático de Direito. In: Temas atuais do Ministério
Público: a atuação do parquet nos 20 anos da Constituição Federal. CHAVES,
Cristiano; ALVES, Leonardo Barreto Moreira; ROSENVALD, Nelson. (Org.). Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 16). Assim é que a legitimidade da atuação do
Ministério Público no tema concernente a políticas públicas decorre da imanente
relevância social que apresenta tal matéria, o que fundamenta e exige sua atuação,
porquanto se coaduna com o comando normativo previsto no caput do artigo 127 da Constituição Federal.
Denota-se, pois, que, muito embora a louvável preocupação
do suscitante, o fato é que o suscitado, ao lado de também enfrentar a questão
ambiental, investiga outros pontos que merecem a atenção do Ministério Público;
nesse aspecto, não se pode afirmar ter havido desvirtuamento por parte da
atuação do suscitado, mesmo porque, no
âmbito das políticas públicas, o Ministério Público intervém em diversos
segmentos, cobrando dos órgãos governamentais a implantação de direitos garantidos pela Carta
Constitucional de 1988 (Cássio Casagrande. Ministério Público e a
Judicialização da Política – Estudo de Casos. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 2008).
E, respeitado o
entendimento do suscitante, não se pode negar que o suscitado está prevento
para a presidência da investigação.
De fato, como visto nas
linhas acima, a complexidade dos interesses transindividuais faz com que nem
sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente
estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.
Em outras palavras, é corriqueiro
que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas
de atuação.
Em conflitos entre
Promotorias especializadas na tutela de interesses supraindividuais, estando
presentes fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta
com a regra da prevenção.
Até mesmo por analogia é
possível chegar ao critério da prevenção.
Note-se que no processo
coletivo a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de
direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º, da Lei nº 7.347/85.
Mas quando o dano
coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do art. 2º da Lei da
Ação Civil Pública indica a prevenção como critério de solução de dúvidas a
respeito da competência.
Nesse sentido, anotam
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada
e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art.
2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando
o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma
comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP,
resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.
Esse raciocínio é
aplicável, analogicamente, para a solução de conflitos de atribuição entre
órgãos administrativos.
Ademais, o critério da
prevenção é aquele que melhor atende ao interesse geral relacionado à
continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial, ao determinar
o prosseguimento na investigação por parte do órgão que já diligenciou para a
apuração dos fatos.
Por tais motivos, deverá
prosseguir na investigação o órgão ministerial suscitado, que já vinha
diligenciando para a apuração dos fatos e suas repercussões.
3) Decisão.
Diante do exposto, conheço do presente conflito positivo de
atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do
Ministério Público, declarando caber ao suscitado,
5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, a atribuição para
oficiar no feito.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 27 de novembro de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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