Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº 161.891/15
Suscitante:
5º Promotor de Justiça de Sertãozinho (Infância e Juventude)
Suscitado: 2º Promotor
de Justiça de Sertãozinho (Patrimônio Público)
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 5º Promotor de Justiça de Sertãozinho (Infância e Juventude). Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Sertãozinho (Patrimônio Público e Social).
2.
Fatos distintos
reunidos numa única representação, ocorridos dentro de um mesmo contexto (Festa
do Peão de Barrinha). Potencial afetação de bens jurídicos diversos: patrimônio
público e dignidade de crianças e adolescentes participantes de um concurso de
beleza, que reclama a atuação, conjunta ou separada, de órgãos de execução
diversos na defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais
implicados.
3. Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o desmembramento do feito, mediante extração de cópia de inteiro teor, e restituição do original ao Suscitante e remessa das cópias ao Suscitado, para o prosseguimento das investigações civis, no âmbito de suas respectivas atribuições.
1) Relatório.
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 5º Promotor de Justiça de Sertãozinho, com atribuição para atuar na defesa dos interesses difusos e coletivos da Infância e Juventude, e como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça de Sertãozinho, do Patrimônio Público e Social.
O protocolado foi inicialmente distribuído ao Suscitado, em face de representação de munícipes de Barrinha dando conta de irregularidades "no evento da escolha de princesa e rainha da festa do peão de 2015 de Barrinha".
Segundo consta da representação inaugural (fls. 01/02): i) a inscrição no valor de R$ 150,00 era na paga na Prefeitura Municipal de Barrinha diretamente à funcionária Ime (ou Aline), que não emitia qualquer recibo; ii) o aluguel das roupas que as candidatas usariam no desfile também era pago em dinheiro, no valor de R$ 230,00 a R$ 280,00, a um servidor municipal da Prefeitura Municipal de Barrinhas, sem recibo; iii) faltou lisura, lealdade, transparência e honestidade no concurso de beleza realizado durante o evento, tudo a indicar que a eleição da rainha e da princesa foi fraudulenta, assim como a aclamação da vencedora, neta do Prefeito Municipal, Manuela Possebon Takahashi. Ao final, os autores alegam que houve fraude na escolha da princesa e rainha da Festa do Peão, e que a eleição foi manipulada, razão pela qual pleiteiam a apuração de responsabilidades e de eventuais prejuízos "à fé pública e ao erário público".
Por entender que certames envolvendo crianças e adolescentes, com destaque no âmbito artístico e da beleza, devem ser fiscalizados pela Vara da Infância e Juventude, nos termos do art. 149, II, "b" da Lei nº 8.069/90, e que compete à Justiça da Infância e da Juventude conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, nos termos do art. 148, IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ilustre Suscitado declinou de sua atribuição, e ordenou a remessa dos autos ao Suscitante (fls. 42/44).
O Suscitante, ao seu turno, aduziu que não houve relato de ameaças ou lesões a direitos individuais, difusos ou coletivos de crianças ou adolescentes, mas sim que "O inconformismo se dirigiu à forma como o dinheiro foi arrecadado e à falta de transparência em certame promovido pela Administração Pública Municipal de Barrinha. São claramente hipóteses de improbidade administrativa." (fl. 47/48).
É o relato do
essencial.
2) Fundamentação.
O conflito
negativo de atribuições está configurado e, pois, comporta conhecimento.
Pelo que se observa,
a representação inaugural reúne um plexo de fatos ocorridos durante a
"Festa do Peão de Barrinhas", aptos a configurar, de um lado, atos de
improbidade administrativa e, de outro, ofensa à dignidade de crianças e
adolescentes participantes do concurso de beleza ocorrido durante o evento, e a
interesses difusos e coletivos em decorrência da falta de obtenção de alvará
para a sua realização.
Uma análise
perfunctória já se mostra suficiente a concluir que a investigação civil deve
ser cindida, de molde a prosseguir perante os dois órgãos ministeriais em
conflito, cabendo ao Suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Sertãozinho (Patrimônio
Público), a apuração do aventado desvio de dinheiro público, consistente nos
valores pagos a servidores municipais a título de inscrições e aluguéis das
roupas do desfile, sem correspondente emissão de recibos, cabendo a Sua
Excelência apreciar a existência de lastro na representação inaugural e, em
seguida, tomar as providências que julgar necessárias; e cabendo ao Suscitante,
DD. 5º Promotor de Justiça de Sertãozinho (Infância e Juventude), a
apuração da violação de interesses difusos e coletivos, em decorrência da falta
de obtenção de alvará pela Prefeitura Municipal para a realização do certame, e
também, da fraude no concurso de beleza (identificando e ouvindo as juradas, as
participantes etc), assim como a identidade dos envolvidos, bem como a
responsabilidade civil por condutas violadoras da dignidade das crianças e
adolescentes participantes do certame.
Tal conclusão é
alcançada pela análise das atribuições da Promotoria de Justiça do Patrimônio
Público e Social, na repressão ao enriquecimento ilícito, o ressarcimento ao
erário e a exigência aos princípios norteadores da Administração Pública (art.
386, parágrafo único, do Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça
do Estado de São Paulo - Ato Normativo nº 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de
2010), em contraste com a competência da Justiça da Infância e Juventude para
autorizar a participação de criança e adolescente em certames de beleza (Lei nº
8.069/90, art. 149, II, "b") e para o processo de julgamento das
ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à
criança e ao adolescente (art. 148, IV), inclusive, evidentemente, aquelas
ações ajuizadas em defesa da dignidade de crianças e adolescentes (art. 3º),
obviamente atingida se restar comprovado que o concurso de beleza foi
fraudulento.
Desse modo impõe-se o desmembramento da
presente investigação civil, para afetar ao DD. 2º Promotor de Justiça de
Sertãozinho, ora suscitado, a atribuição para prosseguir na defesa do
patrimônio público e, pois, apurar a notícia de desvio de dinheiro público,
produto da arrecadação de inscrições e aluguéis pagos por particulares na Festa
do Peão de Barrinha e, por outro lado, para afetar ao DD. 5º Promotor de
Justiça de Sertãozinho, ora suscitante, a atribuição para prosseguir na defesa
do direito à dignidade das crianças e adolescentes preteridas no concurso de
beleza, caso seja apurada a fraude, assim como na apuração de lesão a interesses
difusos e coletivos em decorrência da falta de obtenção de alvará pela
Prefeitura Municipal para a realização do evento.
Até porque cada uma das investigações civis
seguirá, salvo melhor juízo, caminhos diversos, na medida em que terão por objeto
a apuração de fatos distintos e, por isso, adotarão meios de obtenção de prova
diferentes, nada impedindo, porém, o empréstimo de elementos de informação (como,
por exemplo, termos de oitiva), assim como a atuação conjunta dos Promotores de
Justiça envolvidos nas duas investigações.
3) Decisão
Ante o exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber tanto ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Sertãozinho, quanto ao suscitante, DD. 5º Promotor de Justiça de Sertãozinho, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório, no âmbito de suas respectivas atribuições.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a remessa dos autos originais ao Suscitante, e de cópia de inteiro teor, inclusive da presente decisão, ao Suscitado.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 23 de novembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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