Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 162.184/2013

(Ref. Peças de Informação nº 43.0695.0000775/2013-9)

Suscitante: 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Americana (com atribuições na defesa do Patrimônio Público e Social)

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital. Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Americana (com atribuições na defesa do Patrimônio Público e Social).

2.   Procedimento investigatório. Apuração: (a) da ausência de repasse de recursos recebidos, pelo Município de Americana (por força de convênio com a Secretaria de Estado de Segurança Pública) à empresa contratada para a construção de prédios destinados a abrigar as Equipes de Perícias Criminais e Médico-Legais da Superintendência da Polícia Técnico-Científica em Americana; e (b) da omissão, por parte da Secretaria de Estado da Segurança Pública, no que diz respeito à fiscalização e exigência de cumprimento do convênio pelo Município.

3.   Hipótese de omissões ilícitas e possíveis danos que se verificam tanto na cidade de Americana como na Capital. Aplicação da regra, no sistema processual coletivo, que fixa o foro competente (e, por analogia, as atribuições do órgão ministerial) pelo local do dano, ou, na concorrência de foros, pela prevenção (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7347/85). Inocorrência de situação de dano regional ou nacional, afastando-se a incidência do art. 93, II, da Lei nº 8078/90 à solução do conflito.

4.   Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital e como suscitado o DD. 3º Promotor de Justiça de Americana (com atribuições na defesa do Patrimônio Público e Social), relativamente ao feito em epígrafe (Peças de Informação nº 43.0695.0000775/2013-9).

O presente expediente foi instaurado por força de representação endereçada ao suscitado, DD. 3º Promotor de Justiça de Americana (com atribuições na área da defesa do Patrimônio Público e Social), consubstanciada no ofício nº 709/2013-EMB, subscrito pelo Perito Criminal Chefe do Instituto de Criminalística de Americana, Engenheiro Edvaldo Messias Barros (fls. 06/07).

Este ofício relatou, em suma, que por meio de convênio entre a Secretaria de Estado da Segurança Pública e o Município de Americana, assinado na cidade de São Paulo, foi repassado pelo Estado ao Município o montante de R$ 1.100.000,00 (um milhão e cem mil reais), para a realização de obras e serviços de construção dos prédios das Equipes de Perícias Criminais e Médico-Legais daquela cidade.

Foi consignado, ainda, na provação endereçada ao Ministério Público que, por falta de repasse de recursos, pelo Município, à empresa contratada, as obras não foram concluídas.

Diante desse quadro, e noticiando ter comunicado o fato à Secretaria de Segurança Pública, sem que tenham sido por esta adotadas providências para o cumprimento do convênio, providenciou o suscitado o encaminhamento do feito ao suscitante, “a fim de que providências no âmbito dessa Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital sejam adotadas, mormente no sentido de restabelecer a continuidade e a conclusão do objeto do convênio” (fl. 03).

O suscitante, DD. 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, provocou a instauração do conflito negativo de atribuições, salientando que: (a) não há razão para que a investigação prossiga na comarca da Capital; (b) é necessária apuração da responsabilidade do Prefeito de Americana, sendo prematura a instauração de Inquérito Civil voltado, exclusivamente, à apuração de omissão de agente público da Secretaria de Estado da Segurança Pública, por omissão quanto à fiscalização do convênio (fls. 67/71).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Pois bem.

Da leitura dos autos e das manifestações dos órgãos ministeriais em conflito é possível concluir, com a devida vênia em relação a entendimento distinto, que o conjunto de fatos a ser apurados no presente expediente consiste na ausência de repasse de recursos recebidos pelo Município, por força de convênio com a Secretaria de Estado de Segurança Pública, à empresa contratada para a construção de prédios destinados a abrigar as Equipes de Perícias Criminais e Médico Legais da Superintendência da Polícia Técnico-Científica em Americana, e, ainda, a omissão, por parte da Secretaria de Segurança Pública, no que diz respeito à fiscalização e exigência de cumprimento do convênio pelo Município.

Sem formular qualquer juízo de valor a respeito dos fatos, visto que seu exame vai além da cognição possível em sede de conflito de atribuições entre órgãos ministeriais de execução, é necessário analisar, por hipótese, as condutas ou omissões relacionadas ao caso sob investigação, exclusivamente com a finalidade de dirimir o conflito.

Caso efetivamente tenham ocorrido os fatos acima sumariados, em apuração nestes autos, terão sido eles decorrentes de condutas praticadas na cidade de Americana no que diz respeito ao não cumprimento do convênio pela Municipalidade, bem como pela ausência de fiscalização e exigência de cumprimento por parte da Secretaria de Estado de Segurança Pública.

Por outro lado, o resultado danoso dessas condutas poderão produzir efeitos, tanto em relação ao próprio Município de Americana (dada a ausência da instalação do serviço de perícia destinado à cidade de Americana, em prédio apropriado), como ainda em detrimento da Fazenda Pública do Estado.

Como a legislação relacionada ao processo coletivo deve ser compreendida como um sistema, é possível afirmar que o art. 2º da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7347/85), que define a competência pelo foro do local do dano, pode ser aplicado tanto à ação civil pública proposta para fins de reparação de danos ao erário, como ainda, se for o caso, à ação de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, fundada na Lei nº 8.429/92, visto que esta última se insere, também, no contexto do denominado processo coletivo.

Por analogia, deve-se reconhecer a atribuição dos órgãos ministeriais de execução para exercerem suas atribuições no contexto do local do dano. Caso este se verifique em mais de um local, define-se a competência jurisdicional, bem como a atribuição do órgão ministerial, pela regra da prevenção, prevista no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85.

Ressalte-se, por último e não menos importante, que não é o caso de aplicar-se à hipótese em exame o art. 93, II, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que também se integra ao sistema de ações coletivas, pois a definição da competência (e consequentemente das atribuições do órgão ministerial de execução) do foro da Capital do Estado só se dá quando o dano for regional ou nacional, o que não ocorre nestes autos.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitado, DD. 3º Promotor de Justiça de Americana (com atribuições na área do Patrimônio Público) oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 07 de novembro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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