Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0165039/13

Suscitante: 4º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

 

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 4º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital. Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital. Notícia de possível irregularidade consistente na negativa de acesso à prova documentada.

2.   Inexistência de identidade entre o objeto da representação que gerou o presente procedimento e o PJPP-CAP 179/2008, o qual se encontra arquivado desde 29 de outubro de 2009.

3.   Conflito conhecido e dirimido, declarando-se caber ao suscitante oficiar no feito.

 

 

 

Vistos.

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 4º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital e como suscitado o 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

Consta que o Sr. Felício Tetsuo Yamazaki representou ao Ministério Público Federal, com base da Lei de Acesso à Informação, postulando a intervenção do parquet  a fim de obter documento referente ao concurso público que prestou para o cargo de Oficial Administrativo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; objetivava ter acesso a referido documento para compreender a forma de avaliação de sua entrevista.

 Afirmou que por diversos meios buscou o acesso de mencionado documento, sem êxito, porém, na medida em que o representado destacava que a questão já havia sido solucionada no Inquérito Civil n. 179/2008, o qual foi arquivado pela inexistência de discriminação no certame (fls. 07/08).

O Ministério Público Federal, por meio do Ofício PRR/3ª Região GPC-330/2013, encaminhou o expediente à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, para providências (fl. 06).

Os autos foram então remetidos ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (fl. 03), o qual, por sua vez, lançou a seguinte manifestação:

 “(...)

Tendo em vista que este protocolado aparentemente guarda semelhança com o objeto do PJPP/CAP n. 179/2008, encaminhe-se os autos ao 6º Promotor de Justiça para análise.

(...)”

Ocorre que o 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital não vislumbrou semelhança entre o objeto da representação e o do inquérito civil n. 179/2008, pois “naquele procedimento apurou-se eventuais irregularidades no concurso público, ao passo que na representação noticia-se a negativa de acesso à prova (acesso à informação), como deixou claro o representante na parte final da representação” (fl. 02).

Devolvidos os autos à Secretaria, foram estes distribuídos ao 4º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social (fl. 15), o qual suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 17/18).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

E a situação ora sob exame indica que caberá ao suscitante a atribuição para funcionar no feito.

Registre-se, inicialmente, que a Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, regulou o acesso à informação previsto em dispositivos constitucionais. Assim é que o inciso XXXIII do art. 5º da Carta da República reza que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”

Por sua vez, o inciso II do § 3º do art. 37 da Constituição Federal de 1998 (incluído pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998) reza que a lei disciplinará as formas de participação do usuário na Administração Pública Direta e Indireta, regulando especialmente o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; finalmente, o § 2º do art. 216 assenta que compete à Administração Pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

A Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011) é clara quando dispõe que os procedimentos nela previstos objetivam assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública (art. 3º).

Importante mencionar que o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo expressamente mencionou que “os documentos existentes, bem como os esclarecimentos pertinentes, foram analisados pela Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital do Ministério Público do Estado de São Paulo – MPE, nos autos do Inquérito Civil n. 179/2008-6ª PJ, já arquivado, conforme publicação no Diário Oficial do Estado de 06 de fevereiro de 2010, anteriormente encaminhada” (fl. 11).

Embora o suscitante alegue que a reclamação do representante constitui “uma continuação das supostas irregularidades relacionadas ao concurso, cujos documentos encontram-se nos autos do inquérito civil n. 179/2008” (fl. 18), é fato que assiste razão ao suscitado ao afirmar que não se vislumbra identidade de objeto entre a representação que gerou o presente protocolado e o inquérito civil referido.

Registre-se, por relevante, que o PJPP-CAP 179/2008 encontra-se desde 29 de outubro de 2009 arquivado.

Por todo o exposto, caberá ao suscitante prosseguir na investigação.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 4º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 22 de novembro de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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