Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
167.257/2015
Suscitante: 27°Promotor
de Justiça de Guarulhos
Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Família da Capital
Ementa:
1) Conflito negativo de atribuições. 27°Promotor de Justiça de Guarulhos (suscitante) e 1º Promotor de Justiça de Família da Capital (suscitado).
2) Peças de informação. Análise para eventual propositura de ação anulatória de partilha.
3) Atribuição definida a partir do juízo competente para a provável ação. Competência funcional do juízo que processou o inventário.
4) Conflito negativo de atribuições conhecido e dirimido. Remessa dos autos à 1ª Promotoria de Família da Capital.
Vistos.
1) Relatório
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça de Família da Capital, e como suscitante o DD. 27° Promotor de Justiça De Guarulhos, nos autos do procedimento em epígrafe, cuja finalidade providência relacionada à analise e eventual propositura de ação anulatória de partilha em processo de inventário que tramitou na 1ª Vara de família e Sucessões da Capital sob o nº 1247/97.
Ao receber o ofício que lhe foi endereçado, a DD. Secretária da Promotoria de Justiça de Família da Capital determinou o seu encaminhamento à Promotoria de Justiça da Família da Capital que atua junto à 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central, para eventuais providências (fls. 06).
Recebida a representação, a DD. 1º Promotora de Justiça de Família da Capital peticionou o desarquivamento do inventário (fls. 05) e, depois, decidiu por restituir os autos à Promotoria de Justiça Cível de Guarulhos, sob o argumento de que eventual ação anulatória deveria ser proposta na comarca de Guarulhos, domicilio da incapaz prejudicada pela exclusão indevida da partilha (fls. 03).
Em seguida, a DD. 27ª Promotoria de Justiça de Guarulhos Suscitou o conflito (fls. 149/156).
É o relato do essencial.
2) Fundamentação
Verifica-se
que está, no caso, configurado o conflito negativo de atribuições que deve ser
dirimido.
De
antemão, destaco que foge do âmbito desse incidente a análise do cabimento e
tempestividade de eventual ação de anulação, todavia é em torno dessa possível
ação que as atribuições serão analisadas e o conflito solucionado.
Os
conflitos de atribuições configuram-se in
concreto quando, considerado o posicionamento de órgãos de execução
do Ministério Público “(a) dois ou mais
deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias
atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos
um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que
já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público,
6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).
Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
A
questão da necessidade de respeito à independência funcional encontra bom
exemplo nos casos em que há negativa do membro do Ministério Público para oficiar
em determinado feito, de natureza cível.
O
fundamento que tem sido adotado para solução de casos desta natureza é a
analogia com o art. 28 do Código de Processo Penal (Nesse sentido: Hugo Nigro
Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ª
ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, cit., p. 73).
Mas
nem seria necessário chegar a tanto: embora os membros do Ministério Público
tenham a garantia da independência funcional, o que lhes isenta de qualquer
injunção de órgãos da administração superior quanto ao conteúdo de suas
manifestações, são administrativamente vinculados aos órgãos superiores. E
estes, no plano estritamente administrativo, possuem, com relação àqueles,
poderes que caracterizam a administração pública: poder hierárquico,
disciplinar, regulamentar, etc.
Como
anota Hely Lopes Meirelles, o poder hierárquico é aquele de que dispõe a
autoridade administrativa superior para “distribuir
e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus
agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu
quadro de pessoal (...) tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e
corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração
Pública” (Direito Administrativo
Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 121). Confira-se ainda,
a respeito desse tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p. 421/423;
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito
Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 106/109.
O
reconhecimento do vínculo entre órgão subordinado e órgão superior, no plano
estritamente administrativo, é assente inclusive no direito comparado,
anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em conhecida enciclopédia estrangeira,
que esta é a nota característica da hierarquia administrativa, na medida em que
“questo vincolo, fondandosi su
un’autentica supremazia della volontà superiore, ordina l’agire amministrativo
e contribuisce a costituire la prima e basilare unità operativa che
l’ordinamento riveste della dignità e della forza di strumento espressivo
dell’autorità pubblica” (Verbete “Gerarchia amministrativa”, Enciclopedia del diritto, vol. XVIII,
Milano, Giuffrê, 1969, p. 626).
Do
mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a
existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos,
de um “potere di risoluzione di conflitti
tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività
degli stessi” (Diritto Amministrativo,
v. I, 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1993, p. 312).
O
reconhecimento da hierarquia na organização administrativa ministerial de modo
algum conflita com o princípio da independência funcional: os Promotores e
Procuradores de Justiça são independentes no que tange ao conteúdo de
suas manifestações processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a
administração de qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns
aspectos dessa atuação.
Em outras palavras, o Procurador-Geral de Justiça não pode dizer como deve o membro do Ministério Público atuar, mas pode e deve dizer se deve ou não atuar, e qual o membro ou órgão de execução que o fará, diante de discrepância concretamente configurada.
Por outro lado, como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.
Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de
determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no
direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe
Chiovenda (Princípios de derecho procesal
civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto
Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
No
caso em exame, os autos foram remetidos inicialmente à Promotoria de Justiça de
Família da Capital, onde, recebendo manifestação da Secretária da Promotoria de
Justiça, foram encaminhados à 1º Promotora de Família da Capital, que
determinou a restituição do expediente à DD Promotoria de Guarulhos, que
suscitou o conflito negativo.
Pois
bem. Nesse enfoque, é importante observar que o presente procedimento noticia
questão relacionada às manifestações lançadas pelos D. Promotores em peças de
informações, que dão conta de que pessoa incapaz – domiciliada e interditada
por meio de processo que tramitou na Comarca de Guarulhos - teria sido prejudicada porque não participou
do processo de inventário e restou excluída da partilha dos bens deixados por
seu genitor, o qual foi processado perante a 1ª Vara da Família e Sucessões da
Capital.
Logo
a atribuição que aqui se controverte diz respeito à análise do cabimento e
eventual propositura de ação anulatória da partilha que prejudicou a incapaz.
Nesse
contexto, é forçoso reconhecer que a competência para a ação de anulação de
partilha ventilada é funcional, do juízo
que julgou a partilha, qual seja, a 1ª Vara da Família e Sucessões da Capital.
Portanto,
a matéria diz com as atribuições da Promotoria de Justiça de Família da
Capital, que, nos termos do ATO Nº 147/2008 – PGJ, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2008, atua em feitos
da Vara de Família e Sucessões, nas respectivas audiências e no atendimento ao
público.
Assim,
impõe-se à Procuradoria-Geral de Justiça que determine o encaminhamento dos
autos ao órgão de execução em cuja esfera de atuação se encontre o caso em
exame.
3) Decisão
Diante
do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e
dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério
Público, declarando caber ao suscitado,
DD. 1º Promotor de Justiça de Família da Capital, a atribuição para oficiar
no presente expediente.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 18 de dezembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça