Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 17.268/2015

(Procedimento n. MP 42.0161.0000597/2013-8)

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital. Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital.

2)   Procedimento Preparatório ao Inquérito Civil. Irregularidades na prestação de serviço de transporte coletivo.

3)   Matéria afeta às atribuições da Promotoria de Justiça do Consumidor.

4)   Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do suscitado na investigação.

 

Vistos,

 

1) RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, e como suscitado o DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital.

O Procedimento Preparatório ao Inquérito Civil foi instaurado com a finalidade de apurar possíveis atrasos na linha de ônibus no terminal da Rua José Francisco Brandão, situado no Bairro Cidade Tiradentes, sob a fiscalização da São Paulo Transportes S/A (SPTRANS).

Após diligências iniciais o suscitado, DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, determinou a remessa dos autos à Promotoria de Habitação e Urbanismo, destacando que “a operação das linhas de ônibus está umbilicalmente ligada à função urbanística de circulação de pessoas pelas vias da cidade”, bem como que, em conformidade com o art. 472 do Manual de Atuação Funcional, é atribuição da Promotoria de Habitação e Urbanismo “zelar pela circulação urbana e (...) adotar as medidas administrativas ou judiciais cabíveis ao tomar conhecimento, por qualquer meio, de atividades públicas ou privadas que impeçam ou dificultem o direito de locomoção” (fls. 19/21).

Ao suscitar o conflito negativo destacou o DD. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital que: (a) as atribuições da aludida Promotoria, em conformidade com o Manual de Atuação Funcional, guardam relação com a defesa da circulação como função social da cidade; (b) a representação que rendeu ensejo ao presente expediente menciona atrasos de uma determinada linha de ônibus, o que significa problema no atendimento a consumidor do serviço de transporte público; (c) é função da Promotoria do Consumidor, inclusive em conformidade com o art. 435 do Manual de Atuação Funcional, zelar pela qualidade dos serviços prestados ao consumidor, inclusive no caso de “serviços públicos, ainda que prestados por empresas concessionárias ou permissionárias”.

É o relato do essencial.

2) FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Como já relatado, o presente expediente foi instaurado com a finalidade de apurar a ocorrência de atrasos em determinada linha de ônibus, ou seja, em transporte coletivo, em funcionamento na região da Cidade Tiradentes, na comarca da Capital.

O art. 435 do Manual de Atuação Funcional (Ato n. 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010), tratando dos cuidados a serem adotados pelos Promotores de Justiça do Consumidor, tem a seguinte dicção:

“(...)

Art. 435. Observar que os princípios do Código de Defesa do Consumidor estendem-se também aos serviços públicos, ainda que prestados por empresas concessionárias ou permissionárias.

(...)”

O mesmo Ato Normativo, ao cuidar dos deveres do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, prevê o que segue:

“(...)

Art. 472. Zelar pela circulação urbana e, respeitada a legislação respectiva, adotar as medidas administrativas ou judiciais cabíveis ao tomar conhecimento, por qualquer meio, de atividades públicas ou privadas que impeçam ou dificultem o direito de locomoção.

(...)”

Tais dispositivos não fixam atribuições dos cargos especializados de Promotor de Justiça do Consumidor e de Habitação e Urbanismo, pois estas são fixadas por lei (art. 295, VII e X da Lei Complementar n. 734/93), complementadas pelos respectivos atos de divisão de serviço. Servem, entretanto, como baliza para esclarecer questões relativas à atuação funcional, especialmente por enfatizarem cuidados a serem adotados pelos órgãos de execução nas respectivas áreas de atuação.

Dessa forma, é possível concluir, com a devida vênia ao entendimento em sentido contrário, que embora seja atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo cuidar das questões afetas à circulação nas vias urbanas, visto que esta interfere na função social da cidade, cabe ao Promotor de Justiça do Consumidor zelar pela qualidade dos serviços prestados ao consumidor final, inclusive os serviços públicos, como é o caso do transporte coletivo.

É por essa razão que a atribuição para presidir a presente investigação é do Promotor com atribuição na área do Consumidor.

3) DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 12 de fevereiro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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