Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0017928/2017 (SISMP nº 66.0426.0000559/2017-3)

Suscitante: 13º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área da Habitação e Urbanismo)

Suscitado: 14º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área do Patrimônio Público)

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 13º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área da Habitação e Urbanismo). Suscitado: 14º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área do Patrimônio Público).

2.      Desmembramento de inquérito civil para apuração de questão relacionada à situação atual da conservação e limpeza dos banheiros públicos da Cidade de Santos.

3.      Tutela coletiva. Sobreposição de atribuições de órgãos ministeriais de execução em relação às multifárias possíveis repercussões, em mais de uma área especializada de atuação, do mesmo fato. Solução do conflito com lastro na prevalência e dos aspectos relacionados à atuação da Promotoria de Justiça com atribuição na área do Patrimônio Público.

4.      Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição do suscitado: 14º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área do Patrimônio Público).

 

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 13º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área da Habitação e Urbanismo), e como o suscitado o DD. 14º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área do Patrimônio Público), em face do desmembramento do Inquérito Civil nº 14.0426.0001466/2015-2 da apuração de questões relacionadas à situação atual da conservação e limpeza dos banheiros públicos da cidade de Santos.

Verifica-se que o DD. 14º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área do Patrimônio Público), instaurou inquérito civil para a apuração da não prestação adequada dos serviços de limpeza de banheiros públicos pela empresa contratada e da necessidade de conservação adequada dos referidos banheiros (fls. 06/08). Na portaria do inquérito civil ficou consignado como objeto: Apurar a falta de conservação dos banheiros da Praça Mauá em Santos. Posteriormente a portaria foi aditada para a investigação da lisura do processo de licitação para a manutenção dos banheiros.

 Após realizações de diligências o DD. 14º Promotor de Justiça de Santos, entendendo que a questão que vinha sendo investigada estaria focada na situação atual da limpeza dos banheiros públicos e sua conservação, determinou a extração de cópias do inquérito civil e remessa a Promotoria de Justiça com atribuição na área da Habitação e Urbanismo para apuração da questão relativa à situação física dos banheiros, prosseguindo o inquérito civil na apuração da regularidade da licitação e execução do contrato em andamento (fls. 199/200).

Ao receber as cópias do inquérito civil, o DD. 13º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área da Habitação e Urbanismo), suscitou o presente conflito negativo entendendo que não seria caso de desmembramento porque não se tem notícia da existência na cidade de Santos de problema crônico na manutenção de banheiros públicos, e, que tal fato não se trata de problema urbanístico, mas de situação pontual decorrente do descumprimento do contrato pela empresa contratada para o serviço de limpeza e manutenção. Afirma que a solução do problema reside unicamente na decisão de manter ou não a empresa contratada de forma emergencial e que não há maneira de atuar de forma separada (fls.  207/213).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, a investigação foi iniciada pelo Promotor de Justiça com atribuição na área do patrimônio público para apuração da falta de conservação dos banheiros da Praça Mauá em Santos em decorrência do descumprimento das obrigações pela empresa contratada, que levou a rescisão do contrato. Havia ainda alusão a problemas relativos à necessidade de manutenção dos banheiros. (fls. 04/05 e 12/13).

A questão preponderante na hipótese dos autos refere-se à adequada prestação de serviços públicos, que abrange as condições de manutenção e funcionamento dos banheiros públicos. Ora se o objeto da investigação foi ampliado para a apuração da regularidade da licitação e da execução do contrato, isto abrange a questão da limpeza e conservação que estão ligados a qualidade do serviço.

Banheiros públicos (com manutenção constante) são essenciais para uma cidade limpa e saudável. Trata-se de serviço público prestado de forma direta ao munícipe, pois a falta de banheiros públicos afeta diariamente a população que precisa se locomover pela cidade, especialmente aquela que faz os seus deslocamentos no todo ou em parte a pé.

As constantes transformações urbanas na cidade fazem crescer a demanda por serviços e equipamentos de qualidade, como é o caso de banheiros públicos.

A instalação de banheiros públicos gera ao Município a obrigação de sua manutenção, como requisito indissociável da qualidade dos serviços públicos.

De outro lado, a necessidade da disponibilização de banheiros públicos está estritamente ligado a limpeza urbana.

Desta forma a questão a ser apurada, referente às condições do serviço público prestado ao munícipe, à atuação da própria Administração Pública, como decorrência do respeito aos princípios norteadores da Administração Pública, que abrange as condições físicas dos banheiros públicos, embora possa ter alguma repercussão na área da Habitação e Urbanismo, tem seu vínculo preponderante com a área do Patrimônio Público.  

Dentro deste panorama não se tem na matéria desmembrada qualquer indício no sentido de que houve interesse que determinasse a atuação da Promotoria de Justiça com atribuição na área da habitação e urbanismo.

Não se identifica questão relacionada a defesa da ordem urbanística com repercussão em questões de habitação, trabalho, circulação e recreação. A propósito não se apura a suficiência dos banheiros públicos colocados a disposição da comunidade mas de sua manutenção, serviço ordinário da administração, mais voltado a área do patrimônio público.

É comum e frequente que no exercício da atividade ministerial na seara dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, fatos que são objeto de investigação apresentem repercussão em mais de uma área de atuação. Nesta hipótese, há de se identificar a prevalência da especialização e da questão preponderante, que no caso em análise, como anteriormente ressaltado é da Promotoria de Justiça com atribuição na área do patrimônio público, embora possa emergir questão subjacente ou paralela relativa a área da habitação e urbanismo.

Assim exposto, deve prosseguir na investigação o suscitado 14º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área do Patrimônio Público), por força da preponderância da questão.

 

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitado, DD.  14º Promotor de Justiça de Santos (atribuições na área do Patrimônio Público), a atribuição para apuração do fato.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 16 de janeiro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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