Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado MP nº 170.514/2016

Procedimento MP 43.0355.0000432/2016-6

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Olímpia

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Olímpia

 

 

 

 

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Olímpia (atribuições na área do patrimônio público). Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Olímpia (atribuições na área da Habitação e Urbanismo).

2.      Representação que reclama apuração de eventual omissão ímproba e lesiva ao patrimônio público por parte dos agentes públicos que têm o dever jurídico de agir em face do descumprimento da Lei Municipal 1.351/78, sem qualquer reflexo na área da habitação e urbanismo.

3.      Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição do suscitante: 2º Promotor de Justiça de Olímpia (atribuições na área do patrimônio público).

Vistos,

Trata-se de conflito negativo de atribuições provocado pelo 2º Promotor de Justiça de Olímpia, em que figura como suscitado o 1º Promotor de Justiça de Olímpia, motivado pela seguinte situação:

        Milton Antônio Nascimento representou à Promotoria de Justiça de Olímpia informando que no ano de 1980 e com fundamento na da Lei Municipal 1.351/78 (Programa Olimpiense de Industrialização), recebeu do Município de Olímpia um terreno localizado no Distrito Industrial Álvaro Brito, por doação com encargo. Por descumprir sua contrapartida o imóvel foi retomado pelo Município (prevista no art. 18 da Lei Municipal nº 1351/1978). Não Obstante, informa sobre outros beneficiários que também não teriam cumprindo com os encargos sem que o Município tivesse tomado qualquer providência para retomar os imóveis.

                   O objeto, portanto, é apurar eventual omissão ímproba e lesiva ao patrimônio público por parte dos agentes públicos que têm o dever jurídico de agir.

                   Distribuída ao 1ª Promotoria de Justiça de Olímpia, este afastou sua legitimidade para agir porquanto não tem atribuição para a defesa do patrimônio público e porque os fatos não se referem a interesses relacionados à defesa da ordem urbanística ou do meio ambiente.

                   A representação foi então encaminhada à 2ª Promotoria de Olímpia que possui a atribuição de defesa do patrimônio público e a apuração de eventual ato de improbidade administrativa.

                   O 2º Promotor de Justiça, por sua vez, reconhece que o “cerne da representação se assenta no fato de que a Lei Municipal apontada não está sendo observada. A lei em questão versa sobre normas de ocupação do solo no que se refere a doação e utilização de lotes em imóvel público com vistas a fomentar a industrialização no Município”.

                   Após reproduzir o conteúdo do art. 469 do Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça do Estado de São Paulo[1], argumentou que “a par das irregularidades apontadas na representação, antes mesmo da emenda determinada, não há imputação clara no sentido de que o atual Prefeito de Olímpia ou seus antecessores, estaria ou estivessem, de modo doloso e intencional, com vistas a beneficiar terceiros por motivos particulares, deixando de promover a aplicação da Lei Municipal” e mais, “Conquanto argumente o douto 1º Promotor de Justiça no sentido de que não há fundamento para sua intervenção por que não se vislumbra descumprimento do Plano Diretor ou regramento ambiental, o representante aponta de modo claro, desde a primeira representação, irregularidade no uso do solo urbano e a não observância de Lei Municipal que trata sobre o assunto. A conclusão a que chegou o douto e empenhado Colega, 1º Promotor de Justiça, no sentido de que o representante narra ato de improbidade administrativa, entendo não ser precisa, já que o representante, como dito, não narrou qualquer conduta praticada pelo Prefeito Municipal, de caráter doloso, em exercício ou Administradores que tenha sucedido”.

                   Acrescenta que, instaurar investigação contra o atual Prefeito em razão do descumprimento da Lei Municipal “para beneficiar amigos, apaniguados políticos ou até por motivos financeiros (propina) seria uma verdadeira criação de fato, o que entendo, seja vedado no exercício das atribuições de Promotor de Justiça”; que “a instauração de investigação deve ser pautar em fato certo e determinado e não apenas mera suposição”, e que “o simples descumprimento da Lei Municipal e a ausência de elementos concretos não induzem à conclusão de que o Administrador Público incorre em ato de improbidade administrativa”.

                   Por esses motivos, “suposições que sequer foram objeto da representação”, promoveu arquivamento e a remessa dos autos ao E. Conselho Superior do Ministério Público para reexame.

                   O Conselho Superior do Ministério Público, pelo voto do DD. Conselheiro Relator Paulo Sirvinskas, após relatar o objeto da representação, decidiu o seguinte:

“Supostos ilícitos narrados na representação deixaram de ser investigados pela Promotoria de Justiça de Olímpia. Conselho Superior que não é órgão institucionalmente competente para dirimir conflitos de atribuição. Determina-se, assim, o retorno dos autos ao 2º Promotor de Justiça de Olímpia para que sejam adotadas as diligências necessárias para a efetiva apuração dos fatos narrados na representação ou, alternativamente, suscite o conflito negativo de atribuição perante a Procuradoria-Geral de Justiça”.

                   Com o retornos dos autos à origem o 2º Promotor de Justiça de Olímpia assim manifestou-se:

1.                 Ciente da decisão exarada pelo E. Conselho Superior do Ministério Público a fls. 59;

2.                 Reitero as razões de arquivamento, por não vislumbrar a existência de conduta dolosa capaz de impor a configuração de ato de improbidade administrativa ou prejuízo ao patrimônio público municipal.

3.                 Considerando que o Conselho Superior do Ministério Público não apreciou a promoção de arquivamento, entendo ser caso de conflito de atribuições (que pressuporia a existência de fato a ser apurado, o que não é entendimento dessa Promotora de Justiça, ao menos na sua área de atuação, passo a motivar a falta de atribuições para atuar concernente ao 2º Promotor de Justiça a seguir. Com efeito, ainda que se entenda que o fato é suscetível de apuração, houve prevenção do 1º Promotor de Justiça que primeiro tomou conhecimento do fato. A Secretária Executiva, conforme se observa do despacho de fls. 02, determinou a remessa de pronto ao 1º Promotor de Justiça. O Promotor em exercício das atribuições do 1º cargo exarou despacho a fls. 20/21, tornando certa a prevenção. Não bastasse, a 2ª Promotora entendeu que não há fato a ser apurado no âmbito de suas atribuições e promoveu o arquivamento que se encontra pendente de apreciação pelo E. Conselho Superior do Ministério Público.

4.                 À vista das razões supra enunciadas, determino a remessa dos autos à e. Procuradoria Geral de Justiça para análise do suposto conflito de atribuições, arguido na presente oportunidade, fazendo parte integrante das razões lançadas a fls. 52/55.

                   É o relatório.

Decisão.

                   É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, porquanto os dois integrantes da Promotoria de Justiça de Olímpia entendem que não têm atribuição (leia-se: o dever legal) para investigar e tomar as providências que a representação exige por parte do Ministério Público.

         De acordo com o Ato nº 122/2013-PGJ, as atribuições dos cargos de Promotor de Justiça da PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE OLÍMPIA, aprovada pelo Órgão Especial do Egrégio Colégio de Procuradores de Justiça, são as seguintes:

1º PROMOTOR DE JUSTIÇA: Habitação e Urbanismo, inclusive as ações civis públicas distribuídas e os feitos criminais respectivos;

2º PROMOTOR DE JUSTIÇA: Patrimônio Público, incluindo a repressão aos atos de improbidade, inclusive as ações civis públicas distribuídas e os feitos criminais respectivos;

                   O caso em análise não oferece dúvida. É manifesto que o objeto da representação consiste na apuração de eventual omissão ímproba e lesiva ao patrimônio público por parte dos agentes públicos que têm o dever jurídico de agir.

                   Não versa sobre a “defesa de interesses difusos ou coletivos nas relações jurídicas relativas a desmembramento, loteamento e uso do solo para fins urbanos”, como delimita a lei complementar 734/92 (art5. 295, inc. X).

                   Não se exige “imputação clara no sentido de que o atual Prefeito de Olímpia ou seus antecessores”, pois o descumprimento da lei, a lesão à moralidade e à impessoalidade protrai-se no tempo, como a omissão juridicamente relevante dos agentes públicos responsáveis pelas medidas impostas pela lei. O ordenamento jurídico não admite o usucapião de bem público.

                   A Lei Municipal 1.351/78 e todas suas alterações cria o Distrito Industrial de Olímpia e institui o Programa Olimpiense de Industrialização – PROIND. Concede dos incentivos e dos benefícios àqueles que vierem a se instalar no Distrito Industrial.

                   Mas a doação de que trata a alínea está condicionada aos encargos previstos na Lei e com a cláusula de reversão, com aplicação expressa do preceito contido no parágrafo único do art. 1.1881 do Código Civil vigente à época, de acordo com o qual “A doação onerosa poder-se-á revogar por inexecução do encargo, desde que o donatário incorrer em mora” (lei 1.351/78, art. 16, parágrafo único). Os motivos para a perda dos benefícios estão arrolados na lei, como também os prazos a serem cumpridos pelos beneficiários. As escrituras de doação reproduzem os encargos.

                   Os fatos são certos e facilmente determináveis, assim como as respectivas responsabilidades.

                   Há que reconhecer, portanto, a atribuição do suscitante (2º Promotor de Justiça de Olímpia), que deverá conduzir-se nos termos da decisão do E. Conselho Superior do Ministério Público, que não obstante se recusar a dirimir o conflito por falta de competência legal, deixou claro que “Supostos ilícitos narrados na representação deixaram de ser investigados pela Promotoria de Justiça de Olímpia” e determinou “o retorno dos autos ao 2º Promotor de Justiça de Olímpia para que sejam adotadas as diligências necessárias para a efetiva apuração dos fatos narrados na representação”. Ou seja, apreciou a promoção de arquivamento e a recusou.

         Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 2º Promotor de Justiça de Olímpia, a atribuição para a análise da representação.

         Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados. Cumpra-se, providenciando-se a remessa dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

                   São Paulo, 15 de dezembro de 2016.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

nssf



[1] Art. 469. Zelar pela efetiva aplicação das normas de uso e ocupação do solo urbano, cuidando para que as edificações, obras, atividades e serviços observem as posturas urbanísticas, especialmente aquelas concernentes ao zoneamento, ao meio ambiente, à estética, à paisagem, à segurança, ao licenciamento sanitário e à salubridade e funcionalidade urbanas.