Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 170.645/2013

Suscitante: 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Patrimônio Público)

Suscitado: 14º Promotor de Justiça de Sorocaba (Infância e Juventude)

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições envolvendo o 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Patrimônio Público), como suscitante, e o 14º Promotor de Justiça de Sorocaba (Infância e Juventude), como suscitada.

2) Procedimento instaurado em face de representação que reclama da qualidade da merenda escolar.

3) Questões afetas à Promotoria com atribuições na área da Infância e da Juventude.

4) Eventualidade de identificação da prática de atos de improbidade administrativa no curso da investigação. Inexistência de exclusividade, nessa hipótese, de atuação do Promotor do Patrimônio Público. Possibilidade, em caso de propositura de ação civil, de cumulação de pretensões relativas ao aprimoramento da atuação, com pedido de aplicação de sanções pela prática de atos de improbidade.

5) Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que os autos sejam encaminhados à 14º Promotor de Justiça de Sorocaba (Infância e Juventude).

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições em que figura como suscitante o 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Patrimônio Público), e como suscitado o 14º Promotor de Justiça de Sorocaba (Infância e Juventude).

O conflito teve origem nos autos do procedimento investigatório instaurado em face de representação que reclama da qualidade da merenda escolar servida nas escolas do Município de Sorocaba.

A representação foi encaminhada ao 14º Promotor de Justiça de Sorocaba (Infância e Juventude) que, por sua vez, encaminhou-a ao 15º Promotor de Justiça da Comarca, com atribuições na defesa do patrimônio público (fl. 06), sob o argumento de que “a questão deduzida a fls. 03, não se relaciona com matéria de competência da Infância”.

Encaminhados os autos, o 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Patrimônio Público) entendeu por bem suscitar o conflito negativo de atribuições, argumentando, em síntese, que não há qualquer menção a questões que sejam afetas às suas atribuições (fls. 18/28), pois a pretensão do autor da representação é a melhoria da qualidade da merenda.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.196).

Portanto, conhecido do conflito, é o caso de se passar à definição do órgão de execução com atribuições para atuar no presente feito.

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Essa idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p.621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em análise, o elemento central da investigação versa sobre típica questão afeta à Promotoria da Infância e da Juventude, pois há evidente questionamento da qualidade da merenda escolar, isto é, da sua inadequação.

Enfim, a questão principal apurada no presente procedimento está afeta às atribuições da Promotoria de Justiça com atribuições na área da infância e da juventude.

Com a devida vênia ao entendimento diverso, externado pela Promotoria de Justiça suscitada, não há qualquer notícia consistente, com suficiente densidade, que justificasse a perquirição, imediatamente, na esfera da suposta prática de atos de improbidade administrativa.

É bem verdade que, muitas vezes, no curso das apurações, são coletadas informações que sugerem a ocorrência de atos de improbidade administrativa, tipificados na Lei nº 8.429/92.

Mas ainda que isso venha a ocorrer, já instaurada a investigação tendo como objeto a apuração de fato determinado na área da Infância e Juventude, nem por isso cessará a atuação do órgão ministerial que vem conduzindo a investigação.

Com o devido respeito a pensamento diverso, não nos parece correto o raciocínio no sentido de que, em todo e qualquer caso, havendo possibilidade de imputação de prática de atos de improbidade administrativa, deva a investigação ser conduzida pelo membro do parquet que atua como Promotor da Defesa do Patrimônio Público e Social, bem como que a ação pertinente, para a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8429/92, seja exclusivamente por ele proposta.

Se a única questão a ser investigada for a prática de ato de improbidade administrativa, não haverá dúvida de que caberá ao Promotor do Patrimônio Público conduzir a apuração.

Entretanto, se há outra questão envolvida nada impedirá que o órgão ministerial que atue em Promotoria especializada investigue o fato, e posteriormente proponha demanda judicial, cumulando pedidos de providências relacionadas à proteção daquele interesse coletivo específico (meio ambiente, consumidor, urbanismo, saúde, infância e juventude) com a pretensão de aplicação de sanções relacionadas aos atos de improbidade administrativa.

Diga-se mais: caso fossem propostas duas ações distintas relacionadas ao mesmo fato, uma com pretensão à tutela de específico interesse coletivo (meio ambiente, consumidor, etc.) e outra colimando apenas a aplicação das sanções decorrentes do ato de improbidade, certamente, em função da conexão de causas, dar-se-ia a reunião de feitos para instrução e julgamento conjunto (art. 105 do CPC).

De outro lado, é oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Posto isso, a atribuição para prosseguir nas investigações é do 14º Promotor de Justiça de Sorocaba (Infância e Juventude).

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, 14º Promotor de Justiça de Sorocaba (Infância e Juventude), a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 25 de novembro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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