Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 174.183/2013

(Nº MP 43.0739.0000803/2013-5)

Suscitante: 15º Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Capital

Suscitado: Promotor de Justiça do GEDUC – Grupo de Atuação Especial de Educação

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 15º Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Capital. Suscitado: Promotor de Justiça integrante do GEDUC. Representação. Notícia do fechamento de creche.

2.   Inteligência do Ato Normativo n. 672/2010, que tem, entre as suas atribuições, a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses difusos e coletivos relacionados a todos os níveis e modalidades da educação básica.

3.   Atribuição do GEDUC.

4.   Conflito conhecido e dirimido, determinando-se a remessa do procedimento ao suscitado.

 

 

 

Vistos.

1.  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 15º Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Capital e como suscitado o DD. Promotor de Justiça integrante do GEDUC.

A Ouvidoria do Ministério Público recebeu correspondência eletrônica solicitando providências em face da notícia do “fechamento de creche”, mais especificamente, do Centro de Convivência Infantil – CCI, vinculado à Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude.

A Ouvidora Suplente determinou o encaminhamento da mencionada representação ao GEDUC – Grupo de Atuação Especial de Educação que, após algumas diligências, declinou de suas atribuições, determinando a remessa do expediente à Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e Juventude da Capital, por entender que ele “não versa sobre o tema educação” (fl. 03).

A DD. Promotora de Justiça designada para exercer as funções do 15º Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Capital, após algumas diligências, suscitou o conflito de atribuições (fls. 136/141).

Em síntese, concluiu que, “conforme se depreende da redação do art. 2º, I, do Ato Normativo em debate (nº 672/2010, alterado pelo Ato Normativo nº 700/2011), não se restringe a atuação do GEDUC ao relacionamento com as questões afeitas à Secretaria da Educação, mas à proteção dos interesses difusos e coletivos relacionados à “todos os níveis e modalidades da educação básica’” (fl. 137).

Acrescentou que o CCI Baby Barioni, que está na iminência de ser fechado, tem natureza de creche, com forte viés pedagógico, e presta serviço de “Ensino Infantil”.

É o relato do essencial.

2.  Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Na hipótese em exame, rememore-se que o procedimento teve início com a notícia da interdição da creche e em face do inconformismo das mães diante da mencionada informação.

Assim, convém observar que o Ato Normativo n. 672/2010 – PGJ-CPJ, de 21 de dezembro de 2010 (Protocolado n. 124.640/10), que criou o Grupo de Atuação Especial de Educação (GEDUC) no âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo, elenca, em seu art. 2º, as seguintes atribuições:

“I – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses difusos e coletivos relacionados a todos os níveis e modalidades da educação básica e, no que couber, da educação superior, com todas as prerrogativas funcionais inerentes; (Redação dada pelo Ato (N) 700/2011 – PGJ/CPJ,31/05/2011);

II – expedir recomendações, especialmente para explicitar comandos normativos, objetivando garantir o efetivo respeito dos Poderes Públicos ao direito fundamental à educação;

III – firmar compromissos de ajustamento de conduta às exigências contidas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas demais leis e atos normativos federais, estaduais e municipais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial;

IV – exercer a fiscalização dos sistemas estadual e municipal de ensino quanto ao cumprimento dos princípios de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais da educação, garantidos mediante planos de carreira para e piso salarial nacional; gestão democrática do ensino público e garantia do padrão de qualidade, inclusive mediante instituição de sistemas municipal e estadual de avaliação da educação básica;

V – exercer a fiscalização dos sistemas estadual e municipal quanto ao cumprimento das garantias de ensino fundamental obrigatório e gratuito; da progressiva universalização do ensino médio regular; do atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; do atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade; de acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um, e da oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VI – exercer a fiscalização, no que couber, dos programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;

VII – exercer a fiscalização da aplicação do percentual mínimo constitucional das despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, dando notícia, quando necessário, ao Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social para as providências cabíveis no âmbito da defesa da probidade e legalidade administrativas e da proteção do patrimônio público e social;

VIII – exercer a fiscalização, no que couber, da aplicação dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e a fiscalização da receita e do correspondente repasse dos recursos do salário-educação, comunicando, quando o caso, o Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social para as providências cabíveis no âmbito de suas atribuições;

IX – exercer a fiscalização junto ao Poder Público quanto aos programas de combate à evasão escolar, notadamente do recenseamento no ensino fundamental, da chamada e da frequência à escola e da inclusão do adolescente em conflito com a lei no sistema escolar;

X – acompanhar a elaboração e fiscalizar o cumprimento e a avaliação dos Planos Estadual e Municipal de Educação;

XI – fiscalizar e contribuir para os programas de erradicação do analfabetismo;

XII – fiscalizar a oferta, a qualidade e a segurança dos serviços de transporte escolar, de merenda escolar e de material didático;

XIII – fiscalizar a criação, a implementação e o efetivo funcionamento dos Conselhos de Controle e Acompanhamento Social do Fundeb;

XIV – fiscalizar o cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pelos respectivos sistemas estadual e municipal de ensino e quaisquer outros assuntos pertinentes ao direito fundamental à educação no plano difuso e coletivo. (Redação dada pelo Ato (N) 700/2011 – PGJ/CPJ, de 31/05/2011)”.

Importante destacar, também, que o fato a ser investigado está relacionado à tutela de direitos difusos, tendo em vista a possível ofensa a direitos da comunidade à oferta de serviço público de extrema relevância. A questão não se limita aos interesses dos pais cujos filhos estão frequentando a entidade.

        Ou seja, está presente a nota característica dos interesses transindividuais próprios (difusos e coletivos).

Por fim, imperioso acrescentar que o fato a ser investigado diz respeito ao atendimento de crianças em creche, o que se inclui nas atribuições do GEDUC (art. 2º, inciso V, do Ato Normativo n. 672/2010 – PGJ-CPJ, de 21 de dezembro de 2010).

Destarte, encaminhe-se o procedimento ao GEDUC.

3. Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, determinando a remessa do procedimento ao suscitado.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 27 de novembro de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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