Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0174769/13

Suscitante: 6º Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital (em exercício)

Suscitado: Procurador do Trabalho

 

 

Ementa:

1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 6º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital (em exercício). Suscitado: Ministério Público do Trabalho.

2. Inteligência da Súmula 736 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual compete à Justiça do Trabalho a competência para julgar demandas relacionadas a descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.

3. Precedente do STF: CC 7204, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2005, DJ 09-12-2005 PP-00005 EMENT VOL-02217-2 PP-00303 RDECTRAB v. 12, n. 139, 2006, p. 165-188 RB v. 17, n. 502, 2005, p. 19-21 RDDP n. 36, 2006, p. 143-153 RNDJ v. 6, n. 75, 2006, p. 47-58. Precedentes do STJ, no sentido de que é da Justiça do Trabalho a competência para julgamento de demanda promovida pelo Parquet, na qual se encontre em discussão o cumprimento, pelo empregador, de normas atinentes ao meio ambiente do trabalho (AgRg no REsp n.º 509.574/SP, DJe de 01/03/2010; REsp n.º 240.343/SP, DJe de 20/04/2009; e REsp n.º 697.132/SP, DJ de 29/03/2006; AgRg no REsp 1116923/PR;REsp 697.132/SP).

4) Interesse do Ministério Público do Trabalho no desfecho da investigação. Representação conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao E. STF para a apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.

 

Vistos,

 

1) Relatório.

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 6º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital (em exercício) e como suscitado o DD. Procurador do Trabalho.

Segundo consta dos autos, o procedimento foi originariamente instaurado no âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo, pela Promotoria de Justiça de Acidentes do Trabalho da Capital, a fim de se apurar suposta prática de irregularidades contra o meio ambiente do trabalho pelo Centro de Controle de Zoonoses, da Secretaria Municipal de Saúde, bem como pelas empresas Whiteness Consultoria e Serviços LTDA, Faísca Empresa de Saneamento Básico Ambiental LTDA e Vega Engenharia Ambiental S/A (fls. 02/05).

Ocorre que, diante da edição da Súmula 736 do C. Supremo Tribunal Federal, o membro do Ministério Público oficiante determinou o encaminhamento dos autos ao Ministério Público do Trabalho em São Paulo para a adoção das medidas que entendesse cabíveis (fl. 1200). Assim é que o feito foi distribuído por prevenção à Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região – Coordenadoria da Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos – CODIN (fl. 1208), a qual seguiu com a investigação, culminando por firmar termo de ajustamento de conduta.

Com efeito, o suscitado celebrou termo de ajustamento de conduta com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, fixando-se, entre outras cláusulas, a de elaborar e implementar os Serviços Especializados em Engenharia e Medicina do Trabalho (cf. Cláusula Primeira), além de estabelecer que competirá ao Ministério Público do Trabalho acompanhar o fiel cumprimento das obrigações (cf. Cláusula Oitiva).

Contudo, conforme “Despacho de Encaminhamento dos Autos ao MP/SP-Regime Estatutário”, o Procurador do Trabalho que presidia a investigação lançou a seguinte manifestação:

“Considerando-se o TAC firmado e a juntada dos volumes 18 a 26 de documentos novos e, ainda, o regime estatutário, determino o encaminhamento dos autos ao colega do Ministério Público de São Paulo – Promotoria de Meio Ambiente, se for o caso para ciência e continuidade das investigações” (fls. 2604/2605).

Acrescentou o suscitado que, conforme laudo pericial do MPT (fls. 2584/2590), as cláusulas 1ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª do ajuste de conduta ainda não foram cumpridas.

Assevera a suscitante, por sua vez, em síntese, que compete à Justiça do Trabalho a análise do expediente, conforme o que preleciona o art. 114, incisos I e IX da Constituição Federal, bem assim segundo reza o art. 83, III e art. 84, II, da Lei Complementar n. 75/93; conclui, então, o seguinte:

“Destarte, cuidando-se o expediente encaminhado pelo Ministério Público do Trabalho de Investigação instaurada para apurar a adequação do Centro de Controle de Zoonoses às normas referentes ao meio ambiente do trabalho dos empregados que lhe prestam serviços, matéria afeta à competência daquela Justiça Especializada, não se vislumbra a legitimidade desse órgão ministerial para oficiar no presente feito”.

É a síntese do necessário.

2) Fundamentação.

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, é oportuno destacar com precisão qual é o objeto da investigação, para, a partir daí, definir-se o conflito.

O objeto da investigação consiste em saber se competirá ao Ministério Público do Estado de São Paulo ou ao Ministério Público do Trabalho seguir com a investigação, sobretudo no ponto que toca a eventual descumprimento de cláusulas firmadas em termo de ajustamento de conduta.

Reza o art. 3º, inciso I, da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, que meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, sendo que meio ambiente do trabalho consiste exatamente no local em que os trabalhadores exercem suas finalidades laborais.

Deve-se rememorar que a Súmula 736 do Supremo Tribunal Federal assentou competir à Justiça do Trabalho a competência para julgar demandas relacionadas a descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Com efeito, no Conflito de Competência n. 7.204, a Suprema Corte entendeu:

“1. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária -- haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho.
(CC 7204, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2005, DJ 09-12-2005 PP-00005 EMENT VOL-02217-2 PP-00303 RDECTRAB v. 12, n. 139, 2006, p. 165-188 RB v. 17, n. 502, 2005, p. 19-21 RDDP n. 36, 2006, p. 143-153 RNDJ v. 6, n. 75, 2006, p. 47-58)

Não é outro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a saber:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. JUSTIÇA DO TRABALHO. SÚMULA N.º 736/STF.

PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

1. Consoante entendimento sedimentado desta Corte Superior, é da Justiça do Trabalho a competência para julgamento de demanda promovida pelo Parquet, na qual se encontre em discussão o cumprimento, pelo empregador, de normas atinentes ao meio ambiente do trabalho (AgRg no REsp n.º 509.574/SP, DJe de 01/03/2010; REsp n.º 240.343/SP, DJe de 20/04/2009; e REsp n.º 697.132/SP, DJ de 29/03/2006).

2. Inarredável a aplicação à hipótese da inteligência do enunciado sumular n.º 736/STF, litteris: "Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores", sendo irrelevante, para tanto, decorrerem as obrigações daí resultantes de previsão expressa na legislação vigente ou resultarem concomitantemente de termo de ajustamento de conduta firmado entre o empregador e o Ministério Público Estadual.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1116923/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 05/11/2010)”.

(...).

“PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA OBREIRA. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I. Compete à Justiça Obreira o julgamento de ação civil pública onde se discute o cumprimento, pelo empregador, de normas atinentes ao meio ambiente de trabalho. Precedente do C. STF. (RE n. 206.220/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 17.09.1999).

II. Recurso não conhecido.

(REsp 697.132/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2005, DJ 29/03/2006, p. 129)”.

Dessa forma, é possível vislumbrar, pelos motivos expostos, interesse do Ministério Público do Trabalho no desfecho da investigação, sobretudo diante da necessidade de se exigir o cumprimento dos termos fixados no ajuste de conduta.

1) Decisão.

Diante do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. 6º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital (em exercício), determinando-se a remessa dos autos ao E. Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 3 de dezembro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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