Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 0174799/13

Suscitante: 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital. Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau.

2.    Inquérito civil instaurado para apurar a prática de nepotismo. Competirá ao Procurador-Geral de Justiça, nos casos de sua atribuição originária, e aos Procuradores de Justiça, nas demais hipóteses (concorrentemente com o Procurador-Geral de Justiça), a competência para a promoção da Reclamação, o que de modo algum obstaculiza que o membro do Ministério Público oficiante em primeiro grau proponha as demandas cabíveis, desde que observadas as regras de atribuição (cf. Art. 3º do Ato Normativo n. 574/2009-PGJ-CPJ). Nesse sentido, será possível a expedição de recomendações e a celebração de compromisso de ajustamento de conduta.

3.   Não demonstração de prática de ato de improbidade administrativa por nomeações realizadas por autoridades estaduais.

4.   Conflito conhecido e dirimido, determinando-se ao suscitado, 1º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau, prosseguimento na investigação.

 

Vistos.

 

1.  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital e como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau.

O suscitado instaurou o Inquérito Civil n. 14.0399.0000855/2012-6 para apurar a prática de nepotismo pelo senhor Roberto Medina,
Coordenador das Unidades Prisionais da Região Oeste do Estado de São Paulo, bem como tráfico de benefícios, facilitação ou regalias a integrantes de facções criminosas (fls. 02/03).

Conforme manifestação de fls. 35/48, o então presidente do Inquérito Civil n. 14.0399.0000855/2012-6, 1º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau, requereu seu arquivamento, por não vislumbrar prática de ilicitude pelo representado Roberto Medina. No que se refere a suposta prática de nepotismo, asseverou o membro do Ministério Público presidente do procedimento que a esposa do representado é subordinada ao Departamento de Engenharia da Secretaria da Administração Penitenciária.

O Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, em reunião realizada em 11 de dezembro de 2012, converteu o julgamento em diligência, com parcial homologação do arquivamento (fls. 59/62).

 Nos termos da manifestação da Ilustre Conselheira Dora Bussab, o procedimento deveria prosseguir para investigar a prática de nepotismo, na medida em que a esposa do representado é comissionada há vários anos na Secretaria de Estado da Administração Penitenciária, o que ofenderia a Súmula Vinculante n. 13, do Supremo Tribunal Federal.

Cumpridas as diligências determinadas pelo Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, com a juntada aos autos do histórico dos cargos e funções exercidos pelo Sr. Roberto Medina e sua esposa, o suscitado remeteu os autos à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, na medida em que os atos de nomeação partiram de autoridades estaduais (Secretários de Administração Penitenciária, Secretários de Estado e Governador do Estado), vinculadas à Fazenda Estadual. No entender do suscitado, sua atuação ficaria restrita à averiguação de nepotismo no âmbito municipal (fls. 470/471).

Uma vez na Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, os autos foram distribuídos ao 9º Promotor de Justiça, que suscitou conflito negativo de atribuições; aduziu o suscitante, em síntese, que “muito embora as nomeações/designações dos servidores tenham sido efetuadas por autoridades estaduais (governador do estado e secretários de estado), a prática de nepotismo se configurou efetivamente tão somente quando o representado, Roberto Medina, coordenador das unidades prisionais da região oeste, designou sua própria esposa para cargo em comissão sob sua coordenação, conforme se depreende da análise de fls. 178/179”.

É o relato do essencial.

2.  Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

A questão ventilada nos autos é a de saber a qual membro do Ministério Público caberá a investigação acerca de suposto nepotismo. A propósito, veja-se o teor do verbete n. 13 da Súmula de jurisprudência vinculante do Colendo Supremo Tribunal Federal:

 “(...)

Súmula vinculante nº 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. (DJe nº 162/2008, p. 1, em 29/8/2008. DOU de 29/8/2008, p. 1.).

(...)”

Importante registrar que a suposta violação à Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal autoriza o manejo de Reclamação Constitucional junto ao mesmo Supremo Tribunal Federal, à luz do que preceitua o art. 103-A, § 3º, da Constituição Federal[1], o art. 7º da Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006[2], os arts. 13 a 18 da Lei n. 8.038, de 28 de maio de 1990, e o Ato Normativo n. 574/09 da Procuradoria-Geral de Justiça.

Assim é que a Procuradoria-Geral de Justiça editou o Ato Normativo n. 574/2009-PGJ-CPJ, de 10 de fevereiro de 2009 (Protocolado n. 137.808/08), o qual disciplina, no âmbito do Ministério Público de São Paulo, o procedimento para ajuizamento, perante o Supremo Tribunal Federal, de Reclamação contra ato administrativo ou decisão judicial que contrariar ou que indevidamente aplicar Súmula Vinculante.

Mencionado ato reza, em seu art. 1º, o seguinte:

“O membro do Ministério Público de primeira instância que constatar em processo, inquérito ou procedimento de sua atribuição, ato administrativo ou decisão judicial que contrariar enunciado de súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal ou que indevidamente aplicá-lo, deve representar fundamentadamente ao Procurador-Geral de Justiça para promoção de Reclamação ao Supremo Tribunal Federal”.

Competirá ao Procurador-Geral de Justiça, nos casos de sua atribuição originária, e aos Procuradores de Justiça, nas demais hipóteses (concorrentemente com o Procurador-Geral de Justiça), a competência para a promoção da Reclamação, o que de modo algum obstaculiza a que o membro do Ministério Público oficiante em primeiro grau proponha as demandas cabíveis, desde que observadas as regras de atribuição (cf. Art. 3º do Ato Normativo n. 574/2009-PGJ-CPJ). Nesse sentido, será possível a expedição de recomendações e a celebração de compromisso de ajustamento de conduta.

Veja-se, então, que a utilização da ação de Reclamação Constitucional por violação à Súmula Vinculante n. 13 do STF não compete nem ao suscitante, nem ao suscitado; a análise, portanto, restringir-se-á ao quanto disposto no art. 5º do Ato Normativo n. 574/2009-PGJ-CPJ. E, nesse ponto, a razão está com o suscitante.

Com efeito, insta registrar que as anteriores nomeações não configuravam, à época, prática de nepotismo, o que inclusive afasta a perquirição acerca de suposto ato de improbidade administrativa.

Resta, porém, a análise da designação pelo Coordenador de Unidades Prisionais da Região Oeste do Estado, Sr. Roberto Medina, de sua esposa, Sra. Maísa Bordinassi Medina, para exercer a função de serviço público de Diretor de Serviço, do Núcleo de Infra-Estrutura e Conservação do Centro Administrativo da Penitenciária “Zwinglio Ferreira”, de Presidente Prudente. É fato, também, que referida designação cessou a partir de 16 de abril de 2012, conforme Portaria também da lavra Sr. Roberto Medina (fl. 179), o que prejudica o aforamento de reclamação no Supremo Tribunal Federal por violação da Súmula Vinculante n. 13.

Resta a análise quanto a suposto ato de improbidade administrativa ou mesmo ilícito ao erário.  E nesse ponto, como já mencionado, cumprirá ao suscitado verificar eventual ato ilícito na designação realizada pelo Sr. Roberto Medina, uma vez que não se demonstrou, ainda que perfunctoriamente, a prática de ato de improbidade administrativa, praticado, quer pelo Governador do Estado, quer por seus Secretários.

Do exposto, conclui-se que a atribuição para a presidência do presente protocolado é do suscitado.

3. Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao suscitado, 1º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau, prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 27 de novembro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

ef

 



[1]Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”.

[2]Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação”.