Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado
nº 0175772/13
Suscitante:
1º Promotor de Justiça de Jacupiranga
Suscitado:
Procurador da República de Santos
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Jacupiranga (suscitante). Procurador da República de Santos (suscitado).
2. Investigação envolvendo entidade autárquica federal. Incidência da art. 109, I, da CR.
3. Representação conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao Col. STF para a apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.
1)
Relatório.
Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Jacupiranga e como suscitado o DD. Procurador da República de Santos.
Iniciou-se o presente
procedimento por conta de representação oferecida por Amigos da Terra – Amazônia Brasileira (Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público) ao Ministério Público Federal de Santos, em que se
postulava a intervenção do parquet na
fiscalização dos processos de produção de carne bovina em abatedouros.
Ocorre que o DD.
Procurador da República, presidente da investigação, declinou de sua
atribuição, aduzindo, em síntese, não existirem nos autos notícia de infração
praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas
entidades autárquicas e empresas públicas (fls. 184/185).
Encaminhados os autos à
Promotoria de Justiça de Jacupiranga, o DD. 1º Promotor de Justiça suscitou
conflito negativo de atribuições, pois, no seu entender, as providências solicitadas
em relação ao Conselho Regional de Medicina Veterinária são da esfera do
Ministério Público Federal, uma vez que referida entidade tem natureza jurídica
de autarquia federal, incidindo, no caso, o art. 109, I, da CF. Registrou o
suscitante, ainda, que, no tocante ao desrespeito às normas ambientais,
sanitárias e de defesa do consumidor, instaurou inquérito civil.
É o relato do essencial.
2)
Fundamentação.
Está configurado, no
caso, o conflito de atribuições.
Isso decorre do
posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam,
simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em
exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue
a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha
recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público,
6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia,
Ministério Público, 2ª ed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.
Como se sabe, no
processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída
dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador
estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio
Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São
Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56;
Patrícia Miranda Pizzol, A competência no
processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves,
Competência no processo civil, São
Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás,
estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo,
funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e
sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose
Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em
suas Instituições de direito processual
civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva,
1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago
Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos
doutrinadores.
Ora, se para a
identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada
demanda a lei processual estabelece, a
priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há
razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão
ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de
elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.
Pode-se, deste modo,
afirmar que a definição do membro do parquet
a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera
cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil
pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
No caso em exame, é
oportuno destacar com precisão qual é o objeto da investigação, para, a partir
daí, definir-se o conflito.
O objeto da investigação
consiste em saber qual órgão tem atribuição para fiscalizar a atuação do
Conselho Regional de Medicina Veterinária.
Reza o art. 109, I, da Constituição Federal que aos juízes federais compete processar e julgar “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”.
Assim é que o Superior Tribunal de Justiça, no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 72.703 - SP (2006/0225911-0), pacificou o entendimento no sentido de que a “A Lei n.º 9.649, de 27 de maio de 1998, em seu art. 58, conferiu aos Conselhos de Fiscalização Profissional personalidade jurídica de direito privado, de modo a deslocar a competência das ações em que fossem parte para a Justiça Comum Estadual. Contudo, a Suprema Corte, em 07 de novembro de 2002, ao analisar o mérito da ADIn 1.717/DF, declarou a inconstitucionalidade do artigo 58, e seus parágrafos, da Lei n.º 9.649/98, de modo que os Conselhos de Fiscalização Profissional continuaram equiparados às autarquias federais, mantendo-se a competência da Justiça Federal para processar e julgar os feitos em que fossem parte”.
Veja-se, ainda, que no CONFLITO DE COMPETÊNCIA n. 54.850-SP
(2005/0153088-1) reconheceu-se a competência da Justiça Federal para dirimir a
contenda; in verbis:
CONFLITO DE
COMPETÊNCIA. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. AUTARQUIAS FEDERAIS. ADIN
N.º 1.717/DF. SÚMULA N.º 66/STJ.
1. A Suprema
Corte, em 07 de novembro de 2002, ao analisar o mérito da ADIn n.º 1.717/DF,
declarou a inconstitucionalidade do art. 58 e seus parágrafos da Lei n.º
9.649/98, mantendo a natureza de autarquias federais dos Conselhos de
Fiscalização Profissional.
2. O art. 114
da Constituição Federal, com a nova redação conferida pela EC 45/04, ampliou o
campo de atuação da Justiça Laboral, que passou a ser competente para apreciar
os feitos concernentes à relação de trabalho.
3. O termo
"relação de trabalho" não abarca a relação jurídica existente entre
os conselhos profissionais e as pessoas físicas ou jurídicas cujas atividades a
ele se vinculam.
4. Na hipótese,
cuida-se de mandado de segurança impetrado contra o Presidente do Conselho
Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo objetivando o não enquadramento
do impetrante como estabelecimento veterinário e a suspensão de exigibilidade
de autos de infração e de ação fiscal.
5. Conflito de competência conhecido para declarar competente o MM. Juízo Federal, suscitante”.
A
investigação quanto a eventual omissão de autarquia federal é do Ministério
Público Federal.
Nesse
quadro, é razoável supor, ao menos com as informações coligidas ao feito até o
momento, que provavelmente figurará no polo passivo da ação civil pública, caso
esta venha a ser proposta, o Conselho Regional de Medicina Veterinária, cuja natureza jurídica é
de entidade autárquica federal.
Assim,
embora não se trate, ao menos em princípio, de lesão ao patrimônio público
federal, como a entidade autárquica federal figura no procedimento como investigada,
e provavelmente figurará na ação coletiva, mostra-se correto o entendimento do
suscitante quanto à virtual aplicação do art. 109, I, da CR, determinando que a
competência seja da Justiça Federal.
Nesse quadro, é natural que a investigação seja conduzida pelo Ministério Público Federal.
Cumpre recordar que a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93), prevê: (a) como função institucional do Ministério Público da União a defesa do patrimônio nacional e do patrimônio público e social (art. 5º, III, a e b); (b) confere-lhe atribuição para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social (art. 6º, VII, b); (c) incumbe-lhe de propor ações cabíveis para declaração de nulidade de atos ou contratos geradores do endividamento externo da União, de suas autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público Federal, ou com repercussão direta ou indireta em suas finanças (art. 6º, XVII, b); (d) que o Ministério Público Federal exercerá suas funções nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para, entre outras coisas, a defesa de direitos e interesses integrantes do patrimônio nacional (art. 37, II); (e) que o Ministério Público Federal exercerá a defesa dos direitos constitucionais do cidadão sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito pelos Poderes Públicos Federais, bem como por órgãos da administração pública federal direta ou indireta (art. 39, I e II).
Dessa forma, é possível
vislumbrar, pelos motivos expostos, interesse do Ministério Público Federal no
desfecho da investigação.
1)
Decisão.
Diante do exposto,
acolhe-se a representação formulada pelo DD. 1º Promotor de Justiça de Jacupiranga
(em exercício), determinando-se a remessa dos autos ao E. Supremo Tribunal
Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido
na hipótese em exame.
Publique-se a ementa.
Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa
de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela
Coletiva.
São Paulo, 29 de novembro de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
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