Conflito de Atribuições

– Cível –

 

 

Protocolado nº 176.006/14

(Processo nº 0006920-42.2014.8.26.0505 – 3ª Vara Cível de Ribeirão Pires)

Suscitante: 2ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires

Suscitada: 3ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires

 

 

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. 2ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires (suscitante) e 3ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires (suscitada).

2.   Pedido de internação compulsória de dependente químico fundado na Lei nº 10.216/2001.

3.   Iniciativa que tem natureza jurisdicional, no contexto da denominada jurisdição voluntária. Iniciativa jurisdicional que deve ser qualificada como feito cível, para fins de divisão de serviço.

4.   Conflito conhecido e dirimido, declarando-se caber à suscitada oficiar no feito.

 

 

 

Vistos.

1) Relatório

 

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 2ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires e como suscitada a DD. 3ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires.

O feito resolve-se em pedido de internação compulsória de dependente químico, fundado na Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que “Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”.

Ao receber os autos com vista, a DD. 3ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires postulou a sua remessa à DD. 2ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires, com atribuições para atuar em feitos atinentes à Saúde Pública.

Ao receber os autos, a DD. 2ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires suscitou o conflito afirmando, em síntese, que o 3º Promotor de Justiça tem atribuição para oficiar nos feitos cíveis que tramitam perante a 3ª Vara local.

Houve remessa de cópias à Procuradoria-Geral de Justiça para resolução do conflito negativo de atribuições.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

No caso em exame, cuida-se, como dito, de pedido de internação compulsória de dependente químico, fundado na Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que “Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”.

Essa lei, a pretexto de cuidar da proteção e dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e do aperfeiçoamento do modelo de assistência em saúde mental, acabou sinalizando para a possibilidade de adoção de providência jurisdicional destinada à internação compulsória de pessoas com problemas de saúde mental, que pode ser qualificada como procedimento especial e extravagante de jurisdição voluntária.

Caracterizam os procedimentos de jurisdição voluntária, tal como tradicionalmente apontado pela doutrina, notadamente: (a) inexistência de lide (conflito de interesses qualificado pela existência de uma pretensão e pela oposição de resistência a ela); (b) ausência de partes, mas presença de requerente e eventualmente requerido; (c) não formação de coisa julgada; e (d) mera administração jurisdicional de um interesse de natureza privada.

Nesse sentido: Antônio Carlos Marcato, Procedimentos Especiais, 10. Ed., São Paulo, Atlas, 2004, p. 23; Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, t. I, 6. Ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 325 e ss; Leonardo Grecco, Jurisdição voluntária moderna, São Paulo, Dialética, 2003, p. 23; entre outros.

Assim, a atribuição para intervir no feito é do órgão ministerial que ostenta atribuições para oficiar em feitos cíveis na Vara Judicial em que o procedimento tramita.

O ATO nº 08/2013 – PGJ, de 07 de fevereiro de 2013, que cuidou da divisão de serviços na Promotoria de Justiça de Ribeirão Pires, estabelece caber ao 3º Promotor de Justiça oficiar nos feitos cíveis e criminais judiciais da 3ª Vara.

Assim, deverá oficiar no presente feito a 3ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires, tendo em vista sua atribuição para os feitos cíveis da 3ª Vara Judicial da respectiva Comarca.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, 3ª Promotora de Justiça de Ribeirão Pires, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 1º de dezembro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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