Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
0177240/2015 (SISMP nº 43.0430.0001554/2015-2)
Suscitante: 2º
Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área da Habitação
e Urbanismo)
Suscitado: 4º
Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área do Patrimônio
Público)
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área da Habitação e Urbanismo). Suscitado: 4º Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área do Patrimônio Público).
2. Representação para apuração de eventual ato de improbidade administrativa decorrente de permuta de imóvel público que, em razão de avaliação prejudicial, teria provocado dano ao erário público, além de destinação diversa ao fim para o qual foi concebida.
3. Tutela coletiva. Sobreposição de atribuições de órgãos ministeriais de execução em relação às multifárias possíveis repercussões, em mais de uma área especializada de atuação, do mesmo fato. Solução do conflito com lastro na prevalência e dos aspectos relacionados à atuação da Promotoria de Justiça com atribuição na área do Patrimônio Público.
4. Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição da suscitante: 4º Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área do Patrimônio Público).
1)
Relatório.
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área da Habitação e Urbanismo), e como o suscitado o DD. 4º Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área do Patrimônio Público), em face de representação de vereador municipal que noticiou dano ao erário público decorrente de permuta de imóvel autorizada e realizada pelo Município.
Verifica-se que a representação sustenta que o dano ao erário público decorre de avaliações prejudiciais ao patrimônio do Município, pois o imóvel dado em permuta teria valor maior e o imóvel recebido teria sido supervalorizado. Apontou ainda que o terreno permutado teria sido utilizado para a construção de conjunto de lojas para aluguel, não caracterizando assim interesse público local (fls. 02/06).
Ao receber a representação, o DD. 4º Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área do Patrimônio Público), após análise dos documentos que acompanharam a representação, entendeu que o tema deveria ser enfrentado de modo mais amplo e na seara da proteção urbanística da urbe, pois teria ocorrido prévia, ilegal e inconstitucional desafetação de bem de uso comum do povo que fazia parte do plano do loteamento denominado Vila Tenente Vasconcelos (fls. 160/161).
Remetidos os auto ao DD. 2º Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área da Habitação e Urbanismo), pelo mesmo foi suscitado o presente conflito negativo entendendo que a representação dá conhecimento de desvio de finalidade e prejuízo ao erário, que demanda investigação especializada a cargo da Promotoria de Justiça com atribuição na área do patrimônio público (fls. 163/168).
É o relato do essencial.
2) Fundamentação.
É possível afirmar que o
conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.
Como anota a doutrina
especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do
Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de
determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo
aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
Como se sabe, no
processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída
dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador
estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos
de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão
Carneiro, Jurisdição e competência,
11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia
Miranda Pizzol, A competência no processo
civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São
Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás,
estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo,
funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e
sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose
Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a
identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada
demanda a lei processual estabelece, a
priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há
razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão
ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese
concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se, deste modo,
afirmar que a definição do membro do parquet
a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera
cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil
pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
No caso em exame, a
representação foi dirigida ao Promotor de Justiça com atribuição na área do
patrimônio público para apuração de eventual dano ao erário público decorrente
da disparidade entre as avaliações consideradas para fins de permuta do bem
público e a destinação do bem permutado.
A questão preponderante
na hipótese dos autos refere-se a eventual prática de ato de improbidade
administrativa decorrente do dano ao patrimônio público provocado em face das
avaliações discrepantes dos imóveis envolvidos na permuta.
Em que pese a alegação de que haveria ilegalidade na desafetação, o que
determinaria a atuação do Promotor de Justiça Suscitante, importante ressaltar
que esta não se verifica de plano, haja vista que não abrangida pela vedação do
art. 180, VII da Constituição Federal, pois a área desafetata e objeto da
permuta não se tratava de área verde ou institucional, mas de travessa, via
pública que não estaria sendo utilizada há vários anos e sem interesse para o
sistema viário local.
Evidencia-se assim em primeiro plano irregularidades na permuta decorrente da
alegada disparidade das avaliações dos imóveis envolvidos.
Dentro deste panorama
não se tem nas peças de informações encaminhadas com a representação qualquer
indício no sentido de que houve interesse que determinasse a atuação da
Promotoria de Justiça com atribuição na área da habitação e urbanismo.
De outro lado, até mesmo
eventual destinação diversa dada ao bem permutado, que na verdade não ficou
devidamente esclarecido na representação se se trata do bem recebido ou dado em
permuta, seria matéria a ser investigada pela Promotoria de Justiça com
atribuição na área do patrimônio público.
Assim, com o registro de que o feito está em estágio inicial e que eventuais diligências possam provocar nova reflexão sobre o objeto da investigação e sobre a atribuição para sua condução, os elementos até aqui coligidos apontam para a prevalência das questões relacionadas à tutela do patrimônio público.
É comum e frequente que no exercício da atividade ministerial na seara dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, fatos que são objeto de investigação apresentem repercussão em mais de uma área de atuação. Nesta hipótese, há de se identificar a prevalência da especialização e da questão preponderante, que no caso em análise, como anteriormente ressaltado é da Promotoria de Justiça com atribuição na área do patrimônio público, embora possa emergir questão subjacente ou paralela relativa a área da habitação e urbanismo.
Assim exposto, deve prosseguir na investigação o suscitado 4º Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área do Patrimônio Público), por força da especialização.
3) Decisão
Diante do exposto,
conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento
no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao
órgão ministerial suscitado, DD. 4º
Promotor de Justiça de São João da Boa Vista (atribuições na área do
Patrimônio Público), a atribuição para apuração do fato.
Publique-se a ementa.
Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa
de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela
Coletiva.
São
Paulo, 15 de janeiro de 2016.
Márcio Fernando
Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
aca