Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 181.109/2013

(Ref. Ação civil pública nº 0008011-81.1995.8.26.0361, da 4ª Vara Cível de Mogi das Cruzes)

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuições na Área do Consumidor)

Suscitado: 5º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuições na área de Habitação e Urbanismo)

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuições na Área do Consumidor). Suscitado: 5º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuições na área de Habitação e Urbanismo).

2.   Ação civil pública. Regularização de situação de conjunto habitacional para população de baixa renda. Alegações de irregularidades relacionadas ao empreendimento e aos contratos de financiamento.

3.   Fundamentos para a atuação do MP relacionados, concomitantemente, à área de Habitação e Urbanismo e à área do Consumidor. Adoção do critério da prevenção para a solução do conflito.

4.   Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado oficiar no feito.

 

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuições na Área do Consumidor), e como suscitado o DD. 5º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuições na área de Habitação e Urbanismo), relativamente ao feito em epígrafe (Ação civil pública nº 0008011-81.1995.8.26.0361, da 4ª Vara Cível de Mogi das Cruzes).

Cuida o feito de ação civil pública proposta pela “Associação dos Mutuários do Sistema Financeiro da Habitação de Mogi das Cruzes” em face da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU).

Na ação coletiva, a requerente sustenta, em suma, que mais de três centenas de pessoas adquiriram unidades residenciais no conjunto habitacional destinado à população de baixa renda, mencionado nos autos, havendo notícia de inúmeras irregularidades tanto nos contratos como na execução da obra.

O feito tramita há vários anos, sendo certo que o suscitado, DD. 5º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuições na área de Habitação e Urbanismo) findou, recentemente, por lançar manifestação (fls. 305/307), sustentando que:

“(...)

Como se vê, a causa tem fundamento em possíveis violações ao direito do consumidor, uma vez que se trata de revisão de índice de reajuste da (sic) contratos norteados pelo sistema de habitação e defeitos ocultos e aparentes nos imóveis negociados.

(...)”

O suscitante, DD. 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuições na área do Consumidor) pontuou, cf. fls. 310/312, que:

“(...)

Portanto, verifica-se que a demanda versa sobre questão afeta tanto à área do consumidor quanto à de habitação e urbanismo.

Entrementes, ao longo dos anos o Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo de Mogi das Cruzes sempre oficiou nos autos.

(...)”

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Pois bem.

Da leitura dos autos detecta-se, claramente, que estão em jogo, concomitantemente, interesses relacionados tanto à defesa do consumidor como à busca da regularidade urbanística.

Isso decorre do fato de que, além de haver questionamentos relacionados à regularidade do contrato e à existência de cláusula abusiva, há também notícia de problemas relativos à legalidade da obra, inclusive no que diz respeito à falta do “habite-se”.

Tal quadro resta evidenciado não só na fundamentação da demanda coletiva, mas também nos pedidos que foram nela formulados:

“(...)

1º) Obrigação de fazer. O cumprimento da equação inicial prestação/salário (PES/CP), previsto no contrato à época da celebração, desvinculando das prestações pagas – a partir de maio de 1991 – as variações da TR (Taxa Referencial).

(...)

2º) Condenação em dinheiro. A condenação, em dinheiro, dos (sic) danos verificados nos apartamentos em virtude dos vazamentos, infiltrações, rompimentos de canalização e, também, dos danos verificados na instalação elétrica, ou, alternativamente, o abatimento dos valores nas mensalidades futuras e ou, se for o caso, nas mensalidades em atraso.

(...)

3º) Obrigação de fazer. O acabamento da construção (revestimento e pintura) nos apartamentos que o necessitarem, e, quanto aos demais – cujas obras foram realizadas pelos próprios mutuários - a devolução dos valores efetivamente gastos, ou, também, alternativamente, o seu abatimento nas prestações futuras e ou, se foro caso, nas prestações em atraso.

(...)

4º) Obrigação de fazer. O cumprimento das determinações da Autoridade Sanitária do SUDS – 13, como condição imposta – consoante o parecer – para expedição do habite-se.

(...)”

Somando-se à concomitância de interesses afetos às duas áreas de atuação envolvidas (Habitação e Urbanismo, de um lado, e Consumidor, de outro) o fato de que o feito há vários anos vem recebendo o acompanhamento da Promotoria com atribuições na área de Habitação e Urbanismo, chega-se à conclusão de que a prevenção, por analogia do que dispõe o art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7347/85, é o critério adequado para a solução do presente conflito.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitado, DD. 5º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuições na área de Habitação e Urbanismo) oficiar na ação civil pública em exame.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 11 de dezembro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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