Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 184.185/14

Suscitante: 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social

Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Inquérito Civil. Fraude em hastas públicas com recebimento de vantagem ilícita. Conflito entre membros da mesma Promotoria de Justiça Especializada. Prevenção. Atribuição do suscitado. 1. Havendo identidade de fatos e de qualificação jurídica, a prevenção é critério racional determinante da atribuição. 2. Se a investigação para sua eficiência merece ser ou não desmembrada para o alcance de outras situações conexas envolvendo as pessoas físicas e jurídicas investigadas ou para a subsunção a outras figuras de enriquecimento ilícito ou a outras espécies de atos de improbidade administrativa em concurso ou não, não consulta ao interesse público que o desmembramento desafie a prevenção nem a eficiência que a visão macroscópica, concentrada e uniforme produz tanto no aspecto da instrução quanto no atinente à formação da convicção. 3. Conflito dirimido, declarando-se a atribuição do suscitado.

 

 

 

 

 

                Põem-se em conflito os doutos 1º e 6º Promotores de Justiça do Patrimônio Público e Social sobre investigação de fraude em hastas públicas com recepção de vantagem ilícita pelos leiloeiros.

                Segundo consta dos autos (Inquérito Civil n. 14.0695.0000543/2013-4), em 18 de março de 2013 o ilustre 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público instaurou inquérito civil (Inquérito Civil n. 14.0695.0000134/2013-2) à vista de notícia transmitida pelo douto Juízo de Direito da 9ª Vara Cível de Santo André que os representados estariam fraudando hastas públicas mediante a condução do leilão por Mauro Zukerman e a arrematação do bem por Trento Leming Santo André Imóveis Ltda., pessoa jurídica em que figuram como sócios seu cônjuge Helena Plat Zukerman e seu irmão André Gregório Zukerman.

                Conforme a portaria, “há fundadas suspeitas de fraudes nas hastas públicas em razão da existência de parentesco e ligação íntima entre o leiloeiro oficial e os sócios da empresa que se sagrou vencedora do certame”, o que “implica ato de improbidade administrativa com enriquecimento ilícito e dano ao erário, além de violação aos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade” (fls. 02-F/02-I).

                Durante a instrução, o douto 6º Promotor de Justiça emitiu em respeitável despacho que, dentre outras diligências, determinou o seguinte:

“4. Analisando as declarações de rendas dos leiloeiros representados, há fortes suspeitas de enriquecimento ilícito. A prova colhida nestes autos deixa evidente que podem ter ocorrido outros leilões em que houve participação de empresa em que os representados eram sócios. Assim, a fim de não tumultuar este procedimento, que já é complexo e possui outro objeto, extraiam-se cópias em sua integralidade, inclusive das mídias digitais, e encaminhem-se para livre distribuição, objetivando a apuração de enriquecimento ilícito (...)” (fls. 408/409).

                O douto 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social editou portaria em 30 de julho de 2013 (fls. 02/02-D) valendo-se de idêntica fundamentação relativamente aos fatos e concluindo que:

“há fundadas suspeitas de fraudes em hastas públicas em razão da existência de parentesco e ligações íntimas entre os leiloeiros oficiais ora representados e sócios de empresas que se sagraram vencedoras em certames públicos, o que pode implicar também ato de improbidade administrativa com enriquecimento ilícito decorrente de recebimento de vantagem indevida (enriquecimento ilícito)” (fl. 02-B).

                Registro que o investigado Mauro Zukerman em sua manifestação promovida neste inquérito civil aponta continência desta apuração com a anterior acima referida por ser mais amplo (fls. 443/445), embora pretenda o arquivamento da primígena investigação (fl. 462).

                O ilustre 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social assinala a prevenção do 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social considerando o objeto de sua investigação (enriquecimento ilícito) e discorda da continência entendendo que mais amplo é o inquérito civil anterior, invocando em abono a Súmula 49 do egrégio Conselho Superior e o § 3º do art. 114 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (fls. 540/552).

                É o relatório.

                Concessa venia, assiste razão ao suscitante.

                Apura-se o enriquecimento ilícito de leiloeiros, inclusive por interpostas pessoas, em razão de expediente fraudulento adotado em hastas públicas.

                Os fatos descritos em ambas as portarias são idênticos assim como há unidade de sua qualificação jurídica (enriquecimento ilícito).

                Se a investigação para sua eficiência merece ser ou não desmembrada para o alcance de outras situações conexas envolvendo as pessoas físicas e jurídicas investigadas ou para a subsunção a outras figuras de enriquecimento ilícito relacionadas no art. 9º da Lei n. 8.429/92 ou a outras espécies de atos de improbidade administrativa em concurso ou não (arts. 10 e 11, Lei n. 8.429/92), não consulta ao interesse público que o desmembramento desafie a prevenção – que, de certo modo, decorre do princípio do promotor natural – nem a eficiência que a visão macroscópica, concentrada e uniforme produz tanto no aspecto da instrução quanto no atinente à formação da convicção.

                Há outros fatores que militam em prol desse raciocínio.

                O princípio do promotor natural incide tanto o membro do Ministério Público quer atuar, quanto não o pretende fazê-lo. Trata-se de garantia imediata do Promotor de Justiça, e mediata da sociedade conjuntamente considerada, assegurando-se que a investigação será levada a efeito por aquele previamente determinado, segundo critérios fixados e aprovados pela Administração Superior da instituição. Tem, portanto, estreita afinidade com a garantia constitucional da inamovibilidade, a envolver também a ideia da impossibilidade do afastamento do membro do Parquet das funções de seu cargo salvo as exceções normativamente admitidas.

                Para além, é certo que situações há em que no curso de uma investigação com objeto determinado emergem novos fatos, que, configurando hipóteses concretas diversas, ensejam nova apuração. Nesses casos, o princípio do promotor natural impede que o investigante instaure procedimento reservando a si – com exclusividade e a priori – a tarefa de conduzir as investigações nos casos não compreendidos nos limites da apuração inicial, sendo razoável que, em tais circunstâncias, dada a necessidade de instauração de novo procedimento de investigação, ocorra livre distribuição das novas peças informativas.

                O Ato Normativo n. 484, de 2006, assim dispõe:

“Art. 22. As representações ou comunicações que se refiram a fatos conexos previnem a atribuição do membro do Ministério Público, devendo este promover, se for o caso, o aditamento da portaria.

(...)

Art. 34. Se no curso da instrução surgirem novos fatos que comportem investigação, poderá o órgão do Ministério Público aditar a portaria ou, ainda, investigá-los em separado”.

                E também o quanto preceitua a Resolução n. 23, de 2007, do egrégio Conselho Nacional do Ministério Público:

“Art. 4º. O inquérito civil será instaurado por portaria, numerada em ordem crescente, renovada anualmente, devidamente registrada em livro próprio e autuada, contendo:

(...)

Parágrafo único. Se, no curso do inquérito civil, novos fatos indicarem necessidade de investigação de objeto diverso do que estiver sendo investigado, o membro do Ministério Público poderá aditar a portaria inicial ou determinar a extração de peças para instauração de outro inquérito civil, respeitadas as normas incidentes quanto à divisão de atribuições”.

                No caso de conflito entre Promotores de Justiça dotados de idêntica atribuição, integrantes da mesma unidade especializada, a análise conjugada dessas regras abona a reunião da investigação, desmembrada ou não, no mesmo membro do Ministério Público, sendo recomendável a difusão quando inconveniente ou se cuidar de fatos desconexos ou diversos.

                Há outro dado fundamental, de caráter mais singular e que se liga às técnicas de apuração de enriquecimento ilícito no exercício de funções públicas.

                Investigações de enriquecimento ilícito têm complexidade sensível, recomendando, por isso mesmo, a reunião de fatos para não se perder a dimensão da amplitude de mecanismos de percepção de vantagem indevida no exercício de função pública que podem depender da prática ou abstenção de ato de ofício lícito ou ilícito e da geração ou não de dano ao patrimônio público e que abarcam, residualmente, a evolução desproporcional do patrimônio ou renda no exercício de função pública a prescindir aqueles requisitos.

                Registro, por derradeiro, que este entendimento guarda sintonia com precedente cuja ementa é a seguinte:

“1) Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitante) e 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado).

2) Inquérito civil com objeto amplo. Desmembramento, para apuração de parte do objeto já investigado.

3) Adequada exegese da garantia da inamovibilidade e do princípio do promotor natural. Regra procedimental que prevê a distribuição, como mecanismo de preservação da garantia e do princípio acima referidos.

4) Relatividade da diretriz de reunião de feitos em decorrência da conexão.  Possibilidade de desmembramento, por conveniência da investigação, prosseguindo em cada inquérito civil a apuração de fatos diversos.

5) Prevenção, nos termos do art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93, do órgão de execução que já vinha investigando os fatos objeto do inquérito civil desmembrado.

6) Conflito conhecido e dirimido, determinando-se ao suscitado prosseguir na apuração” (Protocolado n. 133.825/09). 

                Esta orientação, inclusive, foi reafirmada (Protocolado n. 174.798/13).

                Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, a atribuição para oficiar nos autos.

                Publique-se a ementa. Comuniquem-se os ilustres Promotores de Justiça suscitante e suscitado. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional.

                São Paulo, 04 de dezembro de 2014.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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