Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 184.188/14

Suscitante: 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Direitos Humanos

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuição. Patrimônio Público, legalidade e moralidade administrativa. Terceirização de médicos em UTI pediátricas da rede pública municipal de saúde para suprimento da carência de profissionais. Questão subjacente à política pública. Diversidade de bens jurídicos tutelados. Atribuição do suscitante. 1. Não é CSMP competente para solução de conflito de atribuição, mas o PGJ exclusivamente (LONMP, art. 10, X; LOEMP, art. 115), desmerecendo a Súmula 49 do colegiado interpretação como meio de solução antecipada de conflitos desse jaez ou de ordenamento de reunião de investigações, pois, ao estimular atuação conjunta não admite isolada. 2. Investigando a falta de médicos nas UTI pediátricas da rede pública municipal de saúde a PJ de Direitos Humanos captou que a deficiência na prestação do serviço foi suprida com recurso à terceirização sem licitação, provocando a atuação da PJ do Patrimônio Público e Social que instaurou inquérito civil para apuração de eventual ilegalidade e lesividade ao patrimônio público ou à moralidade administrativa. 3. Homologação da promoção de arquivamento do inquérito civil da PJ de Direitos Humanos com recomendação do CSMP de acompanhamento do inquérito civil em trâmite na PJ do Patrimônio Público, para tomada de providências em face de eventual retorno ao status quo ante. 4. A atribuição da PJ de Justiça de Direitos Humanos no que toca à saúde pública é relacionada à prestação desse serviço público relevante em si mesma considerada, sem prejuízo da atribuição da PJ do Patrimônio Público e Social para apreciação de questões referentes à legalidade e moralidade nos assuntos subjacentes à execução daquele serviço público (art. 295, IX e XIV, LOEMP), porque decisões administrativas podem ser lícitas sob o prisma do atendimento ao direito subjetivo público de saúde pública, e ilícitas sob o enfoque da legalidade e da moralidade administrativas, e vice-versa. 5. Justificativa do trato especializado e separado entre duas Promotorias de Justiça cujas missões são distintamente específicas, à vista da diversidade de bens jurídicos tutelados. 6. Conflito conhecido e dirimindo, declarando a atribuição do suscitante.

 

                  

 

                Põem-se em conflito os doutos 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social e 1º Promotor de Justiça de Direitos Humanos a respeito da atribuição em inquérito civil cujo objeto é a apuração de irregularidades no contrato firmado entre Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina e a Secretaria de Saúde do Município de São Paulo de terceirização da prestação do serviço médico de terapia intensiva pediátrica (Inquérito Civil n. 14.0695.0000744/2013-5).

                Instaurado na douta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social por portaria de 27 de setembro de 2013 após o recebimento de cópia integral do Inquérito Civil n. 14.0725.0000245/2012-1 da digna Promotoria de Justiça de Direitos Humanos e respectiva instrução, o ilustre 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social promoveu sua remessa à douta Promotoria de Justiça de Direitos Humanos assinalando que a “questão fulcral da representação é a qualidade e regularidade do serviço de saúde”, invocando em seu abono a Súmula 49 do egrégio Conselho Superior (fls. 1027/1037).

                O ilustre 1º Promotor de Justiça de Direitos Humanos em exercício determinou sua restituição porque, em suma, à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos competia a apuração da falta de médicos nas unidades de terapia intensiva pediátricas, pertencendo à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social a investigação da legitimidade da opção da autarquia municipal de “contratação de pessoa jurídica para completude do quadro de recursos humanos”, lembrando que o inquérito civil sob sua direção cujo arquivamento foi promovido recebeu recomendação do egrégio Conselho Superior para acompanhamento desta investigação, “considerando que, caso o contrato fosse tido como ilegal e rescindido, a falta de médicos voltaria a ser uma realidade”, inspirando sua atuação (fls. 1040/1041).

                O 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social suscitou conflito negativo estribado na Súmula 49 e pregando a reunião de procedimentos para torná-los inquérito civil único (fls. 1068/1071).

                Os autos foram remetidos ao egrégio Conselho Superior, como determinara o suscitante (fl. 1067), ordenando seu eminente Conselheiro Secretário o envio à Procuradoria-Geral de Justiça para solução do conflito (fl. 1073).

                É o relatório.

                Não é o egrégio Conselho Superior competente para solução de conflito de atribuição à vista do disposto na Lei Orgânica Nacional (art. 10, X) e na Lei Orgânica Estadual (art. 115) que cometem essa função ao Procurador-Geral de Justiça.

                Como acima historiado, a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos investigou a carência de médicos nas unidades de terapia intensiva pediátricas do serviço público municipal de saúde da Capital, cuja solução tomada pela Administração Pública foi a terceirização. Por essa razão, e antes de promover o arquivamento do inquérito civil, remeteu peças à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social em face da ilegalidade e lesividade da opção administrativa que, posteriormente mesmo censurada, inspirou a respectiva promoção de arquivamento (Inquérito Civil n. 14.0725.0000245/2012-1 – fls. 1042/1059), até porque tramitava a presente investigação (Inquérito Civil n. 14.0695.0000744/2013-5) na Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social.

                Esse arquivamento foi homologado com recomendação expedida pelo egrégio Conselho Superior para acompanhamento do desfecho deste inquérito civil, “uma vez que tal decisão refletirá diretamente no objeto destes autos, caso ocorra o cancelamento das contratações, os problemas apontados permanecerão, necessitando, assim, de adoção de medidas pertinentes” (fls. 1060/1061).

                Assim exposta a questão, razão não assiste ao ilustre suscitante.

                A atribuição da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos no que toca à saúde pública é relacionada à prestação desse serviço público relevante em si mesma considerada, sem prejuízo da atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social para apreciação de questões referentes à legalidade e moralidade nos assuntos subjacentes à execução daquele serviço público.

                É o que preceitua a Lei Complementar Estadual n. 734/93:

“Artigo 295 — Aos cargos especializados de Promotor de Justiça, respeitadas as disposições especiais desta lei complementar, são atribuídas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, nas seguintes áreas de atuação:

(...)

IX — Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social: defesa da probidade e legalidade administrativas e da proteção do patrimônio público e social;

(...)

XIV — Promotor de Justiça de Direitos Humanos: garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos e serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, e, notadamente, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos dos idosos, das pessoas com deficiência, e da saúde pública”.

                Conquanto determinada decisão administrativa possa ser conveniente e lícita sob o prisma do atendimento ao direito subjetivo público de saúde pública, pode ser ilícita sob o enfoque da legalidade e da moralidade administrativas, e vice-versa. Essa é uma das razões que justificam o trato especializado e separado entre duas Promotorias de Justiça cujas missões são distintamente específicas, à vista da diversidade de bens jurídicos tutelados.

                Assim sendo, respeitada a independência funcional de cada um dos membros do Ministério Público portadores de singulares e reservadas atribuições sobre um mesmo fato, compete, no caso, ao suscitante concluir sua investigação a respeito da legalidade e da moralidade administrativas na mencionada terceirização. É o que se capta, aliás, da portaria que instaurou o presente inquérito civil centralizando seu objeto na contratação sem licitação e sua finalidade para instrução de eventual demanda destinada à anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa.

                A invocação da Súmula 49 do egrégio Conselho Superior não altera esta convicção. O entendimento sumulado exprime que:

“O Ministério Público investiga fatos, sendo aconselhável que todas as suas vertentes sejam apuradas em inquérito civil único, instaurado, se o caso, em conjunto pelos Promotores de Justiça que detenham, de ordinário, parcelas das atribuições Institucionais.

Existentes investigações diversas acerca do mesmo fato, a hipótese enseja conflito positivo de atribuições, somente se justificando o arquivamento do inquérito civil quando, do fato, não remanescer lesão ou ameaça de dano a qualquer tipo de interesse passível de atuação Institucional”.

                Segundo expressa sua fundamentação, “vislumbrando, v. g., o Promotor do Patrimônio Público que dos fatos sob investigação há também temas de outra natureza que devam ser apurados pelo Ministério Público, não lhe é dado, a final, determinar o arquivamento do inquérito civil antes de certificar-se acerca do desate dos respectivos desdobramentos, pena de não ser conhecida por este Colegiado a sua decisão, pois calcada em parcela dos fatos – e não em sua inteireza, como de mister”.

                Portanto, a súmula não provoca reunião de investigações, conquanto até estimule atuação conjunta. Ora, se prega a conjunção, não se admite atuação isolada. Ademais, não pode ser interpretado o entendimento sumular para solução antecipada de conflitos (positivos ou negativos) de atribuição porque, como acima exposto, a competência para sua solução é da alçada monocrática exclusiva do Procurador-Geral de Justiça à vista do disposto na Lei n. 8.625/93 (art. 10, X) e na Lei Complementar Estadual n. 734/93 (art. 115).

                Face ao exposto, conheço do conflito negativo de atribuição e o resolvo declarando a atribuição do ilustre Promotor de Justiça suscitante (1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social).

                Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional.

                São Paulo, 21 de janeiro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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