Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 185.174/2013

(Ref. Peças de Informação nº 66.0208.0001514/2013-7)

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Bebedouro (atribuições na área do Patrimônio Público)

Suscitado: 6º Promotor de Justiça de Catanduva (atribuições na área do Patrimônio Público)

 

 

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Bebedouro (atribuições na área do Patrimônio Público). Suscitado: 6º Promotor de Justiça de Catanduva (atribuições na área do Patrimônio Público).

2.   Procedimento investigatório. Apuração da notícia de supostas irregularidades em obras realizadas na “Rodovia da Laranja” (SP 351), em trecho situado no Município de Catanduva.

3.   Aplicação da regra, no sistema processual coletivo, que fixa o foro competente (e, por analogia, as atribuições do órgão ministerial) pelo local do dano (art. 2º da Lei nº 7347/85).

4.   Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.

 

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça de Bebedouro (atribuições na área do Patrimônio Público) e como suscitado o DD. 6º Promotor de Justiça de Catanduva (atribuições na área do Patrimônio Público), relativamente ao feito em epígrafe (Peças de Informação nº 66.0208.0001514/2013-7).

O expediente investigatório foi iniciado na Promotoria de Catanduva, a cargo do DD. 6º Promotor de Justiça (com atribuições na área do Patrimônio Público), ora suscitado, tendo este declinado de prosseguir na apuração, considerando que, cf. fl. 07:

 

“(...)

Não há nenhuma licitação ou contratação realizada pela Prefeitura de Catanduva sobre a rodovia Comendador Pedro Monteleone, denominada ‘Rodovia da Laranja’, a SP 351, sendo que as obras realizadas na área do Município de Catanduva foram contratadas pela concessionária da rodovia, a TEBE, cuja sede é em Bebedouro, podendo estar inseridas em projeto maior, fugindo absolutamente, s.m.j., à atribuição do Ministério Público Estadual de Catanduva, retire tal fato da portaria, certificando-se, enviando-se cópia desta manifestação, da portaria, da representação (fls. 7/98) e da informação da Prefeitura de Catanduva (fls. 170/180) e das publicações da TEBE (fls. 186/194) e da certidão da Prefeitura (fls. 196).

(...)”

 

Ao suscitar o conflito negativo, o DD. 2º Promotor de Justiça de Bebedouro (com atribuição na área do Patrimônio Público), acentuou, cf. fls. 133/135, que:

 

“(...)

A competência, portanto, seria do juízo do local onde ocorreu o dano, o que, no caso em tela, corresponderia à localidade de Catanduva, visto que a obra objeto da denúncia anônima foi realizada em trecho da rodovia pertencente àquela comarca (Rodovia SP 351 – km 211 a 218), inserida, praticamente, em seu perímetro urbano.

Ademais, mesmo que a empresa privada TEBE tenha a concessão da referida rodovia, a denúncia anônima narra fatos que apenas envolveriam agentes públicos que pertencem ou pertenciam os quadros do Poder Executivo Municipal de Catanduva, ou seja, nada liga, ainda que minimamente, a referida concessionária ao ato pintado como ímprobo.

E mesmo que assim não fosse, considerando que a obra supostamente questionada deu-se por completo nos limites territoriais do Município de Catanduva, praticamente no seu perímetro urbano, por óbvio a atribuição para investigação seria da Promotoria de Justiça de Catanduva, não apenas por que lá teria sido o local do dano, mas também porque não há dúvidas que lá constituir-se-ia o local mais propícia (sic) para a coleta de provas.

(...)”

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Pois bem.

Da leitura dos autos e das manifestações dos órgãos ministeriais em conflito é possível concluir, ao menos em percepção inicial e com a devida vênia em relação a entendimento distinto, que o conjunto de fatos a ser apurados no presente expediente consiste na possível existência de irregularidades em obra realizada por concessionária de serviços públicos em rodovia localizada territorialmente no Município de Catanduva.

Caso efetivamente tenham ocorrido os fatos acima sumariados, em apuração nestes autos, terão sido eles decorrentes de condutas praticadas na cidade de Catanduva.

Esse é o local do dano, ainda que a empresa concessionária de serviços públicos, responsável pelas obras, tenha sede em local distinto.

Como a legislação relacionada ao processo coletivo deve ser compreendida como um sistema é possível afirmar que o art. 2º da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7347/85), que define a competência pelo foro do local do dano, pode ser aplicado tanto à ação civil pública proposta para fins de reparação de danos ao erário, como ainda, se for o caso, à ação de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, fundada na Lei nº 8.429/92, visto que esta última se insere, também, no contexto do denominado processo coletivo.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitado, DD. 6º Promotor de Justiça de Catanduva (com atribuições na área do Patrimônio Público) oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 10 de dezembro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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