Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0189426/13

Suscitante: 11º Promotor de Justiça de São Vicente (Pessoa Portadora de Deficiência)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de São Vicente, em exercício (Saúde Pública)

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 11º Promotor de Justiça de São Vicente (Pessoa Portadora de Deficiência). Suscitado: 2º Promotor de Justiça de São Vicente (Saúde Pública).

2.   Representação encaminhada ao Ministério Público para providências relacionadas a acompanhamento médico e psicológico de determinada pessoa, em virtude de problemas com bebidas alcoólicas.

3.   Investigação afeta à área da Saúde Pública.

4.   A intervenção da Promotoria de Justiça na área de Proteção à Pessoa com Deficiência dar-se-á em casos de funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: (a) comunicação; (b) cuidado pessoal; (c)  habilidades sociais; (d)  utilização da comunidade; (d)  utilização dos recursos da comunidade; (e) saúde e segurança; (f) habilidades acadêmicas; (g) lazer; e (h) trabalho. Inteligência do inciso IV do IV do art. 4º do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, responsável por regulamentar a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Nas hipóteses de doença mental, a atribuição fica reservada à seara da Saúde Pública.

5.   Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.

 

 

 

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 11º Promotor de Justiça de São Vicente (Pessoa Portadora de Deficiência) e como suscitado o 2º Promotor de Justiça de São Vicente (Saúde Pública), relativamente ao feito em epígrafe (Representação Civil n. 43.0444.0002970/2013-8).

Consta do expediente que a Secretaria do Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, por intermédio do Ofício GS n. 137/2013, encaminhou denúncia registrada sob o n. 294420 (Departamento de Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos), em que se narra a situação de Joaquim Miguel, apontado como pessoa que necessitaria de acompanhamento médico e psicológico, em virtude de problemas com bebidas alcoólicas (fls. 03/05).

Distribuídos os autos ao 2º Promotor de Justiça de São Vicente (em exercício), determinou-se sua redistribuição ao membro do Ministério Público com atribuição na área de proteção à pessoa com deficiência (fl. 06), o qual, por seu turno, suscitou conflito negativo de atribuições, pontuando, em síntese, que a questão circunscreve-se à seara da Saúde Pública, por não se tratar de situação de pessoa portadora de necessidades especiais; em suas razões (fls. 09/20), o suscitante vale-se dos argumentos utilizados pela Procuradoria-Geral de Justiça em decisão proferida em anterior conflito negativo de atribuições (Protocolado nº 8695/13 - Ref. Notícia do Fato n. 38.0715.0008439/2012-2 - Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Bauru; Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Bauru).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Rememore-se que o Manual de Atuação Funcional, aprovado pelo Ato Normativo 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010, tratando de atribuições das Promotorias de Justiça de Direitos Humanos quanto à Saúde Pública, estabelece o que segue:

“Art. 445. Zelar pelos direitos dos portadores de transtornos mentais de qualquer natureza, em tratamento ambulatorial ou em regime de internação, observando o redirecionamento do modelo de assistência em saúde mental promovido pela Lei nº 10.216/2001, em especial os direitos fundamentais enumerados no seu art. 2º, inclusive promovendo o controle das internações psiquiátricas.

(...).

Art. 446. Sempre verificar a possibilidade de ingressar com ação coletiva, sem prejuízo da adoção de medidas imediatas necessárias à defesa de direitos individuais indisponíveis, a fim de resguardar os interesses de todas as pessoas que se encontrarem na mesma situação”.

No tocando à atuação da defesa dos direitos da pessoa com deficiência, o mesmo Manual de Atuação Funcional reza:

Art. 439. Exercer a defesa dos direitos e garantias constitucionais da pessoa com deficiência, por meio de medidas administrativas e judiciais, competindo-lhe:

I – atender as pessoas com deficiência, em local acessível, valendo-se dos recursos adequados à integral compreensão da pretensão apresentada e à orientação do atendido, deslocando-se ao seu domicílio, quando necessário, para avaliar a extensão do seu problema, inteirar-se de suas necessidades e adotar a medida mais ajustada à sua solução, bem como proceder aos encaminhamentos necessários no sentido de resolvê-los”.

Insta colocar, por sua vez, que o Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, responsável por regulamentar a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, assenta em seu art. 3º:

 ”Art. 3º.. Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Especificamente quanto trata da deficiência mental, o inciso IV do art. 4º do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, reza:

“IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a)   comunicação;

b)   cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização da comunidade;

d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

Deve-se acrescentar, por derradeiro, que a Meta n. 2 do Ato Normativo n. 721 – PGJ, de 16 de dezembro de 2011 (Pt. n. 128.801/11), que estabelece o Plano Geral de Atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo para o ano de 2012, especificou que competira à esfera da Saúde Pública a  proteção de pessoas acometidas de transtorno mental:

No caso específico dos autos, nota-se que a representação que ensejou a instauração do presente procedimento não aponta no sentido de que o senhor Joaquim seja deficiente; narra-se, apenas, a necessidade de acompanhamento médico e psicológico, em virtude de problemas com bebidas alcoólicas.

Destarte, à luz dos elementos especificamente colhidos nesse procedimento, pode-se concluir que o feito deve seguir sob a presidência do suscitado, evidenciando assim a necessidade de intervenção do membro do Ministério Público com atribuição na área da Saúde Pública.

A atuação do Promotor de Justiça com atribuição na área de proteção à Pessoa Portadora de Deficiência ocorrerá em se tratando de deficiência intelectual catalogada como funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, à luz do disposto no inciso IV do art. 4º do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de São Vicente, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 13 de dezembro de 2013.

 

Márcio Fernando Elis Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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