Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 021.693/14

(Ref. MP 43.0482.0000516/2013-3)

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 4º Promotor de Justiça de Meio Ambiente da Capital

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital (suscitante) e 4º Promotor de Justiça de Meio Ambiente da Capital (suscitado).

2)   Representação noticiando a ocorrência de poluição sonora provocada por ensaios de bloco ou escola de samba no local que especifica. Prevalência dos aspectos relacionados à atuação da Promotoria de Meio Ambiente.

3)   Conflito conhecido e dirimido, determinando-se a remessa do feito ao 4º Promotor de Justiça de Meio Ambiente da Capital (suscitado).

 

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, e como suscitado DD. 4º Promotor de Justiça de Meio Ambiente da Capital, relativamente ao feito em epígrafe, tendo como objeto a apuração de possível ocorrência de poluição sonora provocada por ensaios das escolas de samba Peruche e Mocidade Alegre.

Segundo consta dos autos, a representação que originou a instauração do presente procedimento afirma que as escolas de samba acima mencionadas, em seus respectivos ensaios, ultrapassam as 22 (vinte e duas) horas nas terças e quintas-feiras, sendo que no fim de semana promovem festas “por madrugada adentro” (fl. 07).

O DD. 4º Promotor de Justiça de Meio Ambiente da Capital (suscitado) aduziu que em razão da cessão de área pública para a Escola de Samba Unidos do Peruche, caberia à Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo presidir a investigação (fl. 10).

Os autos foram então distribuídos ao DD. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital (suscitante), que provocou o conflito negativo de atribuições, salientando, em síntese, que a análise da poluição sonora incumbe à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente; acrescentou o suscitante que já foi ajuizada ação civil pública para obrigar o Município de São Paulo a ultimar e instaurar todos os processos administrativos das áreas públicas cedidas ou ocupadas pelas escolas de samba e agremiações afins em toda a cidade.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

A representação, enviada ao Ministério Público por meio eletrônico, embora singela, demonstra que o elemento central a ser investigado está relacionado às atribuições da Promotoria de Meio Ambiente (poluição sonora).

Essa observação legitima o reconhecimento das atribuições do suscitado para conduzir a presente investigação.

Conforme mencionado pelo suscitante, a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo ajuizou ação civil pública para que - entre outros pedidos -, a Municipalidade providencie a cessação de uso em desobediência à legislação de zoneamento, sendo que já há sentença de parcial procedência da demanda, com recurso de apelação pendente de apreciação pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (processo n. 0048701-81.2010.8.26.0053- 13ª Vara da Fazenda Pública).

Poder-se-ia, então, vislumbrar eventual relação entre a presente investigação e a demanda acima referida. Contudo, é importante observar que o objeto da investigação do presente procedimento é específico, nada obstante possa manter algum ponto de contato com a ação em curso ajuizada pela Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo.

Em que pese o respeitável entendimento do suscitado, mostra-se mais apropriado compreender que a poluição é um fenômeno que se manifesta por modos distintos, e um deles é a ocorrência da poluição sonora. Dessa forma, o caso deverá ser investigado pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital.

Posto isso, conheço do conflito de atribuições e decido que a atribuição para se manifestar nos autos é do 4º Promotor de Justiça de Meio Ambiente da Capital (suscitado).

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao 4º Promotor de Justiça de Meio Ambiente da Capital a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 18 de fevereiro de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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