Conflito de Atribuições –
Cível –
Protocolado nº 0024671/14
Suscitante: 2º Promotor de Justiça de São Vicente, em
exercício (Saúde Pública)
Suscitado: 11º Promotor de Justiça de São Vicente
(Pessoa Portadora de Deficiência)
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de São Vicente (Saúde Pública). Suscitado: 11º Promotor de Justiça de São Vicente (Pessoa Portadora de Deficiência).
2. A intervenção da Promotoria de Justiça na área de Proteção à Pessoa com Deficiência dar-se-á em casos de funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: (a) comunicação; (b) cuidado pessoal; (c) habilidades sociais; (d) utilização da comunidade; (d) utilização dos recursos da comunidade; (e) saúde e segurança; (f) habilidades acadêmicas; (g) lazer; e (h) trabalho. Inteligência do inciso IV do art. 4º do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, combinado com os arts. 445 e 446 do Ato Normativo 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010, e com a Meta n. 2 do Ato Normativo n. 721 – PGJ, de 16 de dezembro de 2011 (Pt. n. 128.801/11).
3. No caso específico, insta considerar que a pessoa que poderia ensejar a proteção do Ministério Público faleceu (fls. 39/40); ademais, veio a óbito em abrigo municipal. São aspectos da deficiência estrutural que, possivelmente, não se limitam ao evento que culminou no óbito de J.P., expandindo-se para outros casos análogos. Daí a necessidade de investigação pelo órgão de execução ministerial com atribuições na área da saúde pública.
4. Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitante prosseguir na investigação.
Vistos.
1)
Relatório
O DD. 2º Promotor de Justiça de São
Vicente, em exercício, com atribuições na área da Saúde Pública, encaminha
procedimento à Procuradoria-Geral de
Justiça, suscitando conflito de atribuições, sob a alegação de que a
investigação deverá prosseguir sob a presidência do Promotor de Justiça de
Defesa da Pessoa com Deficiência da Comarca de São Vicente.
O procedimento originou-se das peças
de informação encaminhadas pela 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo (Processo n. 3.153/2012) à Procuradoria-Geral de
Justiça, as quais versam sobre demanda indenizatória proposta por Antonio
Ferreira Filho em face da Prefeitura de São Vicente (fls. 158/162). Encaminhadas à Promotoria de Justiça de São
Vicente, o 11º Promotor de Justiça declinou da sua atuação, por entender ser a
matéria alheia às suas atribuições (fl. 02).
É o relato do essencial.
2)
Fundamentação
É
possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado,
devendo ser conhecido.
Como
anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições
quando “dois ou mais órgãos de execução
do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de
determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo
aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.
196).
Como
se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente
é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o
legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido:
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco, Teoria geral do processo, 23.
ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São
Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140;
Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência
no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta
ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de
competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por
Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.
I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922,
p. 621 e ss; e
Ora,
se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de
determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa,
não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão
ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese
concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se,
deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada
investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a
propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso
concreto investigado.
O Manual de Atuação Funcional, aprovado
pelo Ato Normativo 675/2010-PGJ-CGMP,
de 28 de dezembro de 2010, tratando de atribuições das Promotorias de Justiça
de Direitos Humanos quanto à Saúde Pública, estabelece o que segue:
“(...)
Art. 445. Zelar pelos direitos dos portadores de transtornos mentais de qualquer natureza, em tratamento ambulatorial ou em regime de internação, observando o redirecionamento do modelo de assistência em saúde mental promovido pela Lei nº 10.216/2001, em especial os direitos fundamentais enumerados no seu art. 2º, inclusive promovendo o controle das internações psiquiátricas.
(...)”
No
tocante à atuação da defesa dos direitos da pessoa com deficiência, o mesmo
Manual de Atuação Funcional reza:
“(...)
Art.
439. Exercer a defesa dos direitos e garantias constitucionais da pessoa com
deficiência, por meio de medidas administrativas e judiciais, competindo-lhe:
I –
atender as pessoas com deficiência, em local acessível, valendo-se dos recursos
adequados à integral compreensão da pretensão apresentada e à orientação do
atendido, deslocando-se ao seu domicílio, quando necessário, para avaliar a
extensão do seu problema, inteirar-se de suas necessidades e adotar a medida
mais ajustada à sua solução, bem como proceder aos encaminhamentos necessários
no sentido de resolvê-los.
(...)”
O
Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, ao regulamentar a Lei n. 7.853, de
24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência, assenta em seu art. 3º:
”(...)
Art. 3º. Para os efeitos deste Decreto, considera-se:
I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;
II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e
III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.
(...)”
Especificamente quanto trata da deficiência mental, o inciso IV do art. 4º do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, reza:
“(...)
IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização da comunidade;
d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer; e
h) trabalho;
(...)”
Deve-se acrescentar, por derradeiro, que a Meta n. 2 do Ato Normativo n. 721 – PGJ, de 16 de dezembro de 2011 (Pt. n.
128.801/11), que estabelece o Plano
Geral de Atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo para o ano de
2012, especificou que competiria à esfera da Saúde Pública a proteção de pessoas acometidas de transtorno
mental.
No
caso específico em exame, insta considerar que a suposta pessoa que poderia
ensejar a proteção do Ministério Público faleceu (fls. 39/40); ademais, veio a
óbito em abrigo municipal, instituído para dar guarida àqueles que não têm onde
dormir.
É
fato que não raro pessoas portadoras de transtornos mentais ou deficiência
mental socorram-se dos abrigos municipais, até por falta de estrutura
específica implantada.
Logo, embora haja parcas informações nestes autos (visto que se trata de peças de informação, sem que nenhuma providência investigatória, até o momento – aparentemente -, tenha sido adotada), parece realmente sobressair a necessidade de investigação da questão relacionada à estrutura de atendimento de Saúde Pública no Município.
São aspectos da deficiência estrutural que, possivelmente, não se limitam ao evento que culminou no óbito de José Pereira, expandindo-se para outros casos análogos.
Daí a necessidade de investigação pelo órgão de execução ministerial com atribuições na área da saúde pública.
3) Decisão
Diante
do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com
fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público,
declarando caber ao suscitante, DD. 2º
Promotor de Justiça de São Vicente (Saúde Pública), a atribuição para
oficiar no procedimento investigatório.
Publique-se
a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se
a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva.
São
Paulo, 27 de fevereiro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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