Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 27.092/2014

(Ref. SIS MP 43.0482.0000469/2013-5)

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital (suscitante). 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital (suscitado).

2)   Representação. Pedido de providências do Ministério Público para fins de desapropriação de área particular, para prover estacionamento e acessibilidade ao Parque Burle Marx I e II.

3)   Parque Burle Marx. Bem tombado. Necessidade de proteção do Parque e do seu entorno. Aplicação de dispositivos do Manual de Atuação Funcional que cuidam das atribuições da Promotoria do Meio Ambiente para a defesa do patrimônio cultural (art. 505 a 511 do Ato Normativo nº 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010).

4)   Notícia de situação de fato que repercute, concomitantemente, no plano ambiental e no plano urbanístico. Prevalência do interesse ambiental, em função da situação de tombamento.

5)   Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, e como suscitado DD. 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, relativamente ao feito em epígrafe (SIS MP 43.0482.0000469/2013-5), tendo como objeto a adoção de providências do Ministério Público para fins de desapropriação de área particular, para prover estacionamento e acessibilidade ao Parque Burle Marx I e II.

A representação noticia que há previsão de implantação de empreendimento imobiliário em área do entorno do Parque Burle Marx, concluindo seu autor, em aditamento posteriormente realizado (fl. 43), com a dedução da pretensão no sentido de que:

“(...)

Nestes termos, e confiante que o Grande Ministério Público de São Paulo irá adotar todas as medidas que julgar pertinentes a fim de se proteger o acesso da população e o devido estacionamento, bem como com a proteção das áreas do próprio Parque, não mais existindo esse absurdo de se ter um parque dividido ao meio, ‘Parque Burle Marx I’ e ‘Parque Burle Marx II’, e sem estacionamento compatível, estando prestes a ser, literalmente, engolido por torres de vidro e concreto a serem edificadas nas áreas aqui denunciadas, causando terrível e irremediável impacto negativo em um dos últimos parques com mata atlântica dentro da cidade de São Paulo, e que se encontra, inclusive, tombado pelo CONDEPHAAT, devendo igualmente ser protegida sua área envoltória.

(...)”

Ao receber o expediente, o suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital determinou sua remessa à Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, salientando que as questões envolvidas são “predominantemente urbanísticas” (fl. 11).

O suscitante, DD 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, por sua vez, anotou que: (a) a área do Parque Burle Marx foi tombada, em conformidade com a Resolução 10, de 06/04/1994, publicada no Diário Oficial do Estado, Seção I, de 07/04/1994; (b) não apenas a área do Parque, mas também o seu entorno está protegido pelo tombamento; (c) em que pese a singeleza da representação, pugnando pela desapropriação de uma área particular para fins de implantação de estacionamento para os usuários do Parque, referida área é protegida pelo tombamento, nos termos acima mencionados; (d) a previsão de futura implantação de empreendimento imobiliário no local não é suficiente para transferir a atribuição do caso para a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo; (e) invoca ainda a aplicação dos artigos 507 e 511 do Manual de Atuação Funcional, relacionados à atuação da Promotoria do Meio Ambiente na defesa de bens tombados, ou seja, à tutela do patrimônio cultural (fls. 174/179).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Pois bem.

A pretensão deduzida pelo autor da representação, ao pugnar pela instauração do Inquérito Civil, destacou a necessidade, em sua percepção, de adoção de medidas pertinentes para se assegurar o acesso da população e o estacionamento no Parque Burle Marx. Salientou, ainda, que há risco para o próprio Parque, bem tombado pelo Estado de São Paulo, em função da notícia de empreendimento imobiliário que será realizado no entorno do local.

Adite-se, ademais, estar documentado no presente expediente o tombamento do Parque e a necessidade de proteção não só dele, mas também de seu entorno, em conformidade, inclusive, com o que estabelece o Manual de Atuação Funcional do Ministério Público (Ato Normativo nº 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010), nos artigos 505 a 511, ao tratar das atribuições da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente.

Nesse sentido, relativamente ao tombamento, confira-se a informação de fls. 166/167, com referência à Resolução 10, de 06/04/1994, publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo, Seção I, p. 47, de 07.04.1994.

Merece destaque, ainda, a recomendação prevista no art. 507 do Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça do Estado de São Paulo, a seguir transcrita:

“(...)

Art. 507. Atentar para o fato de que a área de entorno do bem tombado também possui restrições construtivas, no raio de 300 metros.

(...)”

Não há dúvida, portanto, que a provocação endereçada ao Ministério Público envolve uma situação de fato que encontra repercussão tanto na necessidade de tutela de interesse ambiental, como do interesse urbanístico.

Entretanto, tratando-se de bem tombado (Parque Burle Marx), e da imprescindibilidade de defesa do próprio bem e de seu entorno, a questão da existência ou não de estacionamento, a fim de viabilizar o acesso do público ao Parque, acaba sendo absorvida por aspecto que ganha maior dimensão, consistente na necessidade de defesa do próprio bem especialmente protegido e de seu entorno.

A notícia trazida na representação de que esse Parque restará circundado por torres residenciais e empresariais reforça essa percepção, de sorte a indicar, com o devido respeito ao entendimento externado pelo suscitado, que o interesse preponderante no caso concreto é o ambiental.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber a órgão ministerial suscitado, o DD. 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 24 de fevereiro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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