Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 27.366/18

Inquérito civil nº 14.0292.0001803/2016-6

Suscitante: Promotor de Justiça do GAEMA – Núcleo Baixada Santista

Suscitado: 4º Promotor de Justiça de Itanhaém

 

Ementa:

1.    Conflito negativo de atribuições. Suscitante: Promotor de Justiça do GAEMA – Núcleo Baixada Santista. Suscitado: 4º Promotor de Justiça de Itanhaém.

2.    Inquérito civil. Apuração de deficiência nas instalações de esgoto, que em dias de chuva são obstruídos, contaminando a praia e tornando-a imprópria para o banho e lazer.

3.    Dano ambiental certo e localizado. Atribuição do Promotor de Justiça do Meio Ambiente local, em face da ausência de expansão transcendental e regional de dano que legitimasse a intervenção do GAEMA.

4.    Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado, que instaurou o procedimento, realizar a investigação e prosseguir no feito.

 

Vistos,

1)    RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Baixada Santista e como suscitado o DD. 4º Promotor de Justiça de Itanhaém.

O inquérito civil foi instaurado pelo 4º Promotor de Justiça de Itanhaém, por meio de representação formulada por moradores locais, tendo por objeto apurar danos ambientais na Avenida Governador Mário Covas e nos bairros Jardim Cibratel e Balneário Gaivotas, na cidade de Itanháem, decorrentes da deficiência nas instalações de esgoto, que em dias de chuva são obstruídos, contaminando a praia e tornando-a imprópria para o banho e lazer.

Após a realização de diversas diligências, o DD. Promotor de Justiça ora suscitado encaminhou o procedimento ao GAEMA – Núcleo Baixada Santista, por entender que a investigação é continente àquela objeto do Inquérito Civil nº 14.0703.0000030/2010, que tem por fim acompanhar a implantação de política pública de tratamento de esgoto na região e que vem sendo acompanhada pelo grupo especializado. Afirmou não ser possível a divisão de investigações, já que os fatos analisados no presente procedimento envolveriam uma pequena parcela da investigação maior objeto do IC nº 30/2010 do GAEMA, sendo certo que a duplicidade de procedimentos poderia levar a decisões contraditórias com consequente descrédito da atuação ministerial na defesa do meio ambiente (fls.107/112).

O DD. Promotor de Justiça do GAEMA – Núcleo Baixada Santista, por sua vez, ao receber o inquérito civil, suscitou conflito de atribuição, entendendo que os fatos apurados no presente expediente não possuem conexão ou continência com aquele objeto do IC nº 30/10. Aduziu que o inquérito civil que tramita no GAEMA tem por fim apenas a implementação de políticas públicas referentes à coleta, afastamento e tratamento de esgoto doméstico no município de Itanhaém, não contemplando eventuais deficiências na rede de esgoto já implantada.

Afirmou que “ao contrário do entendimento do Promotor Natural, o presente IC cuida de deficiência de serviço de esgotamento sanitário em área já conectada à rede de esgoto, ao contrário do IC nº 30/10 – GAEMA/BS, que acompanha a implantação de rede de esgoto em áreas ainda não contempladas pelo programa Onda Limpa. Assim, não há de se falar em conexão dos fatos”.

Por fim, acrescentou que a atuação do GAEMA é concorrente e supletiva com a Promotoria de Justiça local, devendo prevalecer em casos de dano ao meio ambiente de caráter macroscópico, transcendente ou regional, sendo certo que os documentos acostados aos autos revelam a existência de dano local e pontual, razão pela qual cabe ao DD. Promotor de Justiça suscitado oficiar nos autos (fls. 142/152).

2)    FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, verifica-se que quando da instauração do presente inquérito civil, levou-se em consideração a existência do inquérito civil nº 30/10, em trâmite no Núcleo GAEMA.

Com efeito, a análise das manifestações acostadas a fls. 03/04, 37/38, 55/56 e 102/104, demonstram que o procedimento em testilha tem por objetivo a investigação de fatos diversos daqueles apurados no inquérito civil que já tramita no órgão especializado.

Consignou-se, em referidas oportunidades, a ciência de que o IC nº 30/10 tem por objeto apenas a implementação de políticas públicas referentes à coleta, afastamento e tratamento de esgoto doméstico no município.

De outro lado, conforme consta da portaria de instauração do presente procedimento, informações fornecidas pela Sabesp apontam que o problema trazido na representação seria causado pela ausência/insuficiência de bocas de lobo e galerias pluviais, que promoveriam a entrada de água nas redes coletoras de esgoto.

Segundo a SABESP, o transbordo de esgoto em período de grandes chuvas juntamente com o evento de maré alta seria resultado da ausência de um sistema de drenagem pluvial adequado e da existência de ligações irregulares oriundas de imóveis que despejam águas pluviais na rede de esgoto já instalada (fls. 81).

A Prefeitura Municipal, por seu turno, afirma que as chuvas intensas fazem com que os poços de visitas das tubulações de esgoto da Sabesp vazem pelas tampas, aduzindo que as infiltrações nas redes podem ser ocasionadas pela maré alta e pela saturação do solo por excesso de infiltração de chuvas (fls. 133/137).

Desse modo, como bem aponta o DD. Promotor de Justiça suscitante, enquanto o inquérito civil que tramita no GAEMA tem por fim acompanhar e fiscalizar a implementação de políticas públicas referentes à coleta, afastamento e tratamento de esgoto doméstico no município de Itanhaém, o presente procedimento tem por objetivo apurar  deficiências na rede de esgoto já implantada em bairros determinados.

Não se pode, por essa razão, considerar que os fatos aqui apurados estão contidos no procedimento em tramitação no GAEMA.

Porém, mesmo que assim não fosse, não se poderia afirmar que os fatos aqui investigados seriam de atribuição exclusiva do GAEMA.

Com efeito, em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito à sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a do Ato Normativo nº 552/2008).

Além disso, a atuação do GAEMA requer que a demanda ambiental se apresente de forma transcendental e regionalizada, indicando a atuação uniforme do Ministério Público, desconsiderando os limites tradicionais de divisão de atribuições em sentido territorial (comarcas e foros).

É certo que não há dispositivos no ato regulamentar do GAEMA que fixem, de antemão, parâmetros para a definição inflexível das hipóteses que deverão ser indicadas como preferenciais quanto à sua atuação. Porém essa permeabilidade tem em vista o caráter transcendental das questões ambientais, a identidade de hipóteses de atuação e a necessidade de atuação integrada, coordenada e concentrada, bem como a necessidade de eleição de prioridades e metas que respeitem as peculiaridades locais e regionais, bem como o referido caráter transcendental da tutela ambiental.

Essas metas devem ser compreendidas em conformidade com a finalidade que inspirou a criação do GAEMA, ou seja, a necessidade de enfrentamento coordenado de casos que tenham dimensão que supere explícita ou implicitamente os limites territoriais da comarca em temas que sejam eleitos como prioritários.

Em outras palavras, observa-se que no caso em análise não está em evidência situação que recomende a atuação coordenada, em perspectiva que repercuta de forma diferenciada e transcendente, mas sim, ao que tudo indica, situação pontual e localizada que envolve apenas alguns bairros do Município de Itanhaém, nos quais se verifica vazamento de esgoto em locais nos quais a rede já foi instalada.

Não se trata, portanto, de dano de envergadura e proporções que transcendam os limites territoriais dos municípios a ponto de determinar a atuação do GAEMA.

A atribuição para atuação no feito, portanto, é do Promotor de Justiça do Meio Ambiente local.

3) DECISÃO

Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao Promotor de Justiça de Itanhaém a atribuição para oficiar nos autos.

Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 16 de abril de 2018.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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