Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 0032762/15

Suscitante: 9º Promotor de Justiça de Limeira (Saúde Pública)

Suscitado: 8º Promotor de Justiça de Limeira (Pessoa com Deficiência)

 

 

 

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições.  Pessoa com deficiência. violação a diversos direitos de pessoa deficiente. Atribuição do Promotor de Justiça de Proteção à Pessoa com Deficiência. 1. Em face de situação de abandono, denunciada pela APAE, de pessoa com deficiência, a atribuição é do órgão de execução encarregado da proteção à pessoa com deficiência. 2. Retardo mental não é transtorno mental, e sim deficiência. 3. Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição do suscitado.

 

 

 

 

Vistos,

 

A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Limeira encaminhou à Promotoria de Justiça com atribuição na área de Direitos Humanos com abrangência na defesa da Pessoa com Deficiência representação em que se noticiam diversas violações a pessoa em tese com deficiência (fls. 02/03).

Ocorre que no curso da investigação o ora suscitado determinou a remessa do procedimento à 9ª Promotoria de Justiça de Limeira, com atribuições na esfera da Saúde Pública, uma vez que a interessada seria portadora de “deficiência mental moderada” (fl. 20).

Por conta da remessa, o 9º Promotor de Justiça de Limeira suscitou conflito negativo de atribuições, trazendo como precedente o decidido no Protocolado n. 106.402/14.

É o relato do essencial.

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

De plano, remarque-se que retardo mental não é transtorno mental, constituindo deficiência.

A deficiência intelectual (ou mental) consiste em limitação ao desenvolvimento das funções necessárias para compreensão e interação com o meio, conforme catalogado com maior objetividade no Decreto n. 3.298/99, enquanto no transtorno mental há a existência das funções que, todavia, são comprometidas por fenômenos psíquicos aumentados ou anormais.

Ademais, não se trata de funcionamento inadequado do serviço de saúde, mas, da provocação de órgão desse sistema para tutela de outros direitos e interesses de natureza individual da pessoa deficiente.

Conforme bem salientado pelo suscitante, “a pessoa interessada possui deficiência mental, pois tem limitação das funções necessárias para compreensão e interação com o meio”, trazendo como reforço da assertiva o teor dos relatórios da APAE (fls. 02/03 e 18)

Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 8º Promotor de Justiça de Limeira, a atribuição para oficiar nos autos.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

        

São Paulo, 18 de março de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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