Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 33.944/17

Representação nº 66.0426.0006082/2016-7

Suscitante: Grupo Especial de Delito Econômicos - GEDEC

Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Consumidor

 

 

Ementa:

Conflito negativo de atribuições. Consumidor. Grupo Especial de Delitos Econômicos – GEDEC. Representação. Obrigatoriedade de simulador de direção em autoescolas. Existência de apenas 06 empresas fornecedoras. Alto preço. Prejuízo aos alunos de autoescolas. Abuso do poder econômico. Atribuição cível e criminal. 1. Representação que noticia onerosidade imposta às autoescolas e seus alunos, em razão da obrigatoriedade de utilização de simuladores de direção, fornecidos mediante alto custo, por apenas por 06 (seis) empresas. 2. Notícia de fato relativo a suposta infração à ordem econômica que comporta apreciação na esfera cível, por meio da Promotoria de Justiça do Consumidor, e também na criminal, por meio do GEDEC. 3. Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo-se a necessidade de atuação tanto do suscitante do suscitado, no âmbito de suas respectivas atribuições.

 

 

Vistos,

1)  RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. Promotor de Justiça integrante do Grupo Especial de Delitos Econômicos - GEDEC, e como suscitado o DD. Promotor de Justiça do Consumidor.

O expediente foi iniciado por força de representação realizada por Euclides de Magalhães Carvalho Filho, na qual apontou que a obrigatoriedade do uso de simulador nas autoescolas, em vista de portaria editada pelo Denatran, acabou por prejudicar autoescolas e o consumidor final, pois existem apenas seis empresas fornecedoras em todo o país, que cobram altos valores pelo comodato do equipamento e pela gravação das aulas pelo prazo de cinco anos (fls. 04).

O Ministério Público Federal em Santos encaminhou o expediente à Promotoria de Justiça do Consumidor em Santos (fls. 06/09).

O Promotor de Justiça do Consumidor da Comarca de Santos, por vislumbrar potencial dano de âmbito estadual, encaminhou o expediente à Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital (fls. 12/16).

O 2º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital afirmou inexistir relação de consumo, vislumbrando eventual atribuição do Grupo Especial de Delitos Econômicos – GEDEC (fls. 22).

O representante do GEDEC apontou que a representação reclamaria providência na esfera da defesa dos direitos do consumidor, inexistindo elementos para a instauração de feito de natureza criminal (fls. 27/28).

O 2º Promotor de Justiça do Consumidor restituo o expediente ao GEDEC, a fim de que, se entendesse cabível, suscitasse conflito negativo de atribuições perante o Procurador-Geral de Justiça (fls. 30).

O Promotor de Justiça do GEDEC suscitou conflito negativo de atribuições, oportunidade em que alegou ausência de indícios da prática de formação de cartel, reclamando o fato apuração na esfera dos direitos do consumidor (fls. 33/34).

2)  FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

A representação que originou este procedimento noticiou, em síntese, que em razão da obrigatoriedade de utilização de simulador pelas autoescolas do Estado de São Paulo, tanto estes estabelecimentos quanto os eventuais alunos seriam prejudicados, em vista do alto valor do comodato do equipamento e necessidade de manutenção das aulas gravadas por cinco anos, sendo certo que o equipamento e serviço seriam fornecidos por apenas 06 empresas em todo o país.

O fato inegavelmente possui repercussão estadual (fls. 12/16), pois a utilização de simulador de direção tornou-se obrigatória no Estado de São Paulo, em vista da Portaria Detran n. 459/2015, circunstância que merecerá apuração em apartado por esta Procuradoria-Geral de Justiça.

Sem adentrar ao mérito quanto à procedência ou não da representação, possibilidade de seu recebimento ou não, certo é que dela pode-se extrair, em tese, a notícia de que o mercado de fornecimento de simuladores de direção para autoescolas seria dominado por seis empresas, que cobrariam altos preços pelo equipamento, o que poderia prejudicar as autoescolas e também os alunos.

Cuida-se de notícia de fato que, ao discorrer sobre a dominação do mercado por seis empresas, com a prática de preços abusivos,  poderia em tese configurar infração a ordem econômica, com eventual dano ao consumidor final (alunos de autoescolas).

A investigação desta situação, sob a ótica cível, insere-se na atribuição da Promotoria de Justiça do Consumidor, valendo aqui destacar o que dispõe o artigo 47 da Lei n. 12.529/2011:

“Art. 47.  Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.” 

Sem prejuízo desta atribuição na esfera cível, o teor da representação, ao mencionar suposta prática de “crime contra a economia popular”, não obstante a impropriedade técnica plenamente justificável, recomenda ao Ministério Público a apreciação da matéria também sob o prisma criminal, no que se refere à suposta prática de crime contra a ordem econômica (artigo 4º da Lei n. 8.137/90).

De fato, pode-se extrair a notícia de que o mercado seria dominado por seis empresas, que supostamente praticariam preços abusivos, havendo, ainda, um outro elemento complicador, qual seja, a comercialização do equipamento dependeria de prévio cadastramento no DETRAN-SP (artigos 8º e 9º da Portaria n. 459/2015). A apuração de eventual crime relacionado a estes fatos mostra-se afinada às atribuições do GEDEC, nos termos do artigo 4º do Ato Normativo n. 554/2008-PGJ.

Frise-se, ademais, que as considerações lançadas tanto pelo suscitante quanto pelo suscitado repousam, em grande escala, na apreciação do mérito da representação, seja para afirmar a inexistência de relação de consumo (fls. 22), seja para indicar a ausência de indícios da prática de delitos econômicos (fls. 32/34), apontamentos estes que não podem balizar a fixação da atribuição, e sim serem levados em consideração na instauração, indeferimento de representação e/ou arquivamento dos procedimentos administrativos respectivos, submetidos aos órgãos competentes para homologação destes fundamentos.

Anote-se, por fim, que além das citadas providências, esta Procuradoria-Geral de Justiça instaurou procedimento para verificação da compatibilidade da Portaria n. 459/2015 do DETRAN-SP, com a Constituição do Estado de São Paulo.

3)  DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber tanto ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, quanto ao suscitante, DD. Promotor de Justiça do GEDEC, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório, no âmbito de suas respectivas atribuições.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a remessa dos autos originais ao Suscitante, e de cópia de inteiro teor, inclusive da presente decisão, ao Suscitado.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 19 de abril de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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