Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 34.061/15

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Franco da Rocha

Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Direitos Humanos (Saúde Pública)

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Pessoa portadora de transtorno mental. Cessação da medida de segurança imposta com permanência da periculosidade. Provocação do Juízo de Direito das Execuções criminais. Medidas terapêuticas. Atribuição. Definição. Critério do domicílio do interessado. Atribuição da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos. 1. Extinta medida de segurança com permanência da periculosidade, compete ao Promotor de Justiça de Direitos Humanos do local do domicílio do interessado a promoção de providências destinadas a medidas terapêuticas que competem ao Estado à luz da Lei n. 10.216/01, sem prejuízo de eventual interdição de pessoa portadora de transtorno mental (a que também se encontra legitimado o Ministério Público, e não a Defensoria Pública), ainda que se trate de direito individual sem embargo de sua indisponibilidade. 2. Conflito conhecido e dirimido, declarando a atribuição do suscitado.

 

 

 

 

1.                O douto Juízo de Direito da 5ª Vara das Execuções Criminais Central provocou o digno 1º Promotor de Justiça de Franco da Rocha para interdição de Antonio Luiz de Moraes na conformidade de respeitável decisão que julgou extinta a medida de segurança imposta, sem cessação da periculosidade, sob o pálio da necessidade da aplicação das políticas públicas previstas na Lei Antimanicomial (Lei n. 10.216/01) a cargo do Estado, em especial medidas terapêuticas fora do âmbito penal, à pessoa portadora de transtorno mental (fls. 02/05).

2.                À vista da certidão que informou sua internação no centro de acolhida Casa São Lázaro, na Rua Brigadeiro Machado n. 243, Brás, Capital, Estado de São Paulo (fl. 12), os autos foram remetidos à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos (fl. 13) e distribuídos ao digno 3º Promotor de Justiça portador de atribuições na área da Saúde Pública que, considerando tratar-se de questão individual, os enviou à Defensoria Pública (fl. 16) que, por sua vez, os restituiu por não se legitimar a promoção de interdição à vista do art. 1.777 do Código Civil (fls. 21/22).

3.                Em seguida, o douto 3º Promotor de Justiça de Direitos Humanos assim se manifestou:

“O paciente, que cumpre medida de segurança, possui família cujo endereço deveria ter sido perquirido pela Defensoria Pública ao nosocômio para ajuizamento da ação de interdição.

Na ausência do endereço nos autos, declinou a Defensoria da atuação.

O caso em tela não acena não atendimento na área da saúde, mas sim necessidade de regularização da representação civil do paciente.

Paciente cujo domicílio é a comarca de Franco da Rocha, na qual deverá ser contatado o dirigente do nosocômio, para verificar se aceita o ‘munus’ da curadoria.

Encaminhem-se, pois, os autos ao foro do domicílio do paciente, para as providências necessárias pela Promotoria de Justiça de Franco da Rocha” (fl. 23).

4.                O digno 1º Promotor de Justiça de Franco da Rocha dissente desse entendimento, suscitando conflito negativo de atribuição assinalando o domicílio em São Paulo e manifestando que:

“Assim, dos documentos que instruem os autos se nota que a atuação ministerial teria por enfoque não somente a questão afeta à representação civil (...) mas, principalmente, à garantia de recebimento por este de tratamento médico adequado após sua colocação em liberdade.

Além disso, eventual ação a ser ajuizada pelo Ministério Público deverá tramitar onde melhor se possa proteger os interesses do incapaz, ou seja, perante a Comarca da Capital” (fl. 27/29).

5.                É o relatório.

6.                Como acima historiado, Antonio Luiz de Moraes não está cumprindo medida de segurança, posto que decisão a julgou extinta.

7.                Além disso, seu domicílio não é na Comarca de Franco da Rocha, mas, no “centro de acolhida CASA SÃO LÁZARO (Rua Brigadeiro Machado, nº 243/253 – Brás, São Paulo”, conforme certidão (fl. 12).

8.                Parentes não se sabe ao certo se os tem. Segundo o parecer psiquiátrico forense encartado, exarado em 16 de outubro de 2013, ele é portador de psicose esquizofreniforme com provável associação de debilidade mental e dependência química (fl. 06), e “sua mãe faleceu” e “teve cinco filhos”, um dos quais preso por homicídio (fl. 08). Ademais, esclareceu que “um único irmão na família nada podia ajudar o interessado e uma cunhada não permitia que ele sequer entrasse na casa dela” (fls. 08/09).

9.                Apesar da indefinição sobre esse ponto, convém observar que o Ministério Público é colegitimado ativo à interdição por retratar direito individual indisponível, e não a Defensoria Pública, que, quando muito, poderia representar judicialmente os interesses dos demais legitimados ativos arrolados no Código Civil (art. 1.777).

10.              Embora o ofício expedido pelo Juízo de Direito solicitasse ao Ministério Público providências “no sentido de análise da viabilidade de eventual pleito de INTERDIÇÃO CIVIL” (fl. 02), a decisão extintiva da medida de segurança – apreciando a permanência de sua periculosidade acusada no mencionado parecer psiquiátrico forense (fls. 06 e 10) – acenou à adoção de medidas terapêuticas radicadas na Lei n. 10.216/01, verbis:

“Ousa-se acrescentar: a solução do problema apontado, qual seja, extinção da medida sem cessação de periculosidade, está à mão do Poder Público de há muito. Que coloque em prática as políticas públicas estabelecidas pela Lei 10.216/2001, a chamada Lei Antimanicomial, a qual assegura ao portador de transtorno mental há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, o direito a política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessária, após a concessão do indulto ou desintegração condicional.

Em outras palavras, findo o prazo máximo possível de internação e persistindo a periculosidade, deve o Estado promover o prosseguimento das medidas terapêuticas fora do âmbito penal. Impensável, em resumo, à luz do imperativo constitucional já aqui citado, medida de segurança de duração perpétua” (fl. 05).

11.              Portanto, não se trata exclusivamente da interdição do interessado, vertendo ainda, como asseverou a suscitante, à garantia de recebimento de tratamento médico adequado após sua colocação em liberdade (fl. 29). A temática envolve a saúde pública, direito que pode ser individual sem embargo de sua indisponibilidade.

12.              Não bastassem esses escopos, a atribuição do órgão de execução do Ministério Público firma-se pelo local do domicílio ou residência do interessado que não é Franco da Rocha, senão, como relatado, São Paulo. Destarte, a atribuição pertence ao suscitado.

13.              Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 3º Promotor de Justiça de Direitos Humanos, a atribuição para oficiar nos autos.

14.              Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados (suscitante e suscitado). Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

         São Paulo, 16 de março de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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