Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 35.202/14 (Peças de informação n. 66.0738.0000029/2017-9)

Suscitante: Promotor de Justiça do GEDUC

Suscitado: 10ª Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuição. Patrimônio Público, legalidade e moralidade administrativa. Vedação de acesso a banheiros e bebedouros durante processo seletivo para curso de pós-graduação em Universidade Pública. Questão subjacente à política pública de educação. Acesso à programa de pós-graduação. Diversidade de bens jurídicos tutelados. Atribuição do suscitado. 1. Investigando irregularidades em processo seletivo para cursos de pós-graduação em Universidade Pública, a PJ do Patrimônio Público restringiu o objeto da investigação à vedação de acesso dos candidatos a banheiros e bebedouros, arquivando-a ante a ausência de ato de improbidade administrativa, provocando a atuação da PJ dos Direitos Humanos, que por sua vez, entendeu ser atribuição do GEDUC. 2. Homologação da promoção de arquivamento do inquérito civil da PJ do Patrimônio Público, tornando inviável a reanálise dos demais fatos objeto da representação e excluídos da portaria. 3. Compete ao Promotor de Justiça do Patrimônio Público não apenas a defesa da probidade, mas também da legalidade administrativas e da proteção do patrimônio público e social. 4. Fatos que não se inserem dentre as atribuições do GEDUC e nem das atribuições da PJ de Justiça de Direitos Humanos, que está relacionada à prestação dos serviços públicos relevantes em si mesmos consideradas, sem prejuízo da atribuição da PJ do Patrimônio Público e Social para apreciação de questões referentes à legalidade e moralidade nos assuntos subjacentes à execução desses serviços (art. 295, IX e XIV, LOEMP). 5. Justificativa do trato especializado e separado entre duas Promotorias de Justiça cujas missões são distintamente específicas, à vista da diversidade de bens jurídicos tutelados. 6. Conflito conhecido e dirimindo, declarando a atribuição do suscitado.

 

Vistos,

Trata-se de peças de informação encaminhadas a esta Procuradoria-Geral de Justiça pelo DD. Promotor de Justiça do GEDUC, suscitando conflito de atribuições com o DD. 10º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

Consta dos autos que o 10º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital instaurou inquérito civil (IC nº 14.0695.0000476/2016-5) para apurar irregularidades no processo de seleção de pós-graduação em Geografia Física na Universidade de São Paulo (USP), ante a notícia de falta de publicação do valor das questões, falta de divulgação de gabaritos, identificação de provas, e conflitos nos prazos para interposição de recursos, apontando, ainda, a vedação de acesso dos candidatos a sanitários e bebedouros durante as avaliações. O objeto da investigação foi posteriormente restringido, para cuidar apenas da vedação de acesso a sanitários e bebedouros durante o certame (fls. 82/83). Entendendo inexistir ato de improbidade a apurar, o 10º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital arquivou o procedimento, noticiando a extração de cópias, com posterior encaminhamento à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da Capital, para eventual tomada de providências no âmbito de suas atribuições.

A Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos da Capital, por sua Secretaria, encaminhou as peças de informação ao GEDUC, considerando que as irregularidades envolviam programa de pós-graduação da USP.

O Promotor de Justiça do GEDUC suscitou conflito de atribuições,  afirmando que os fatos noticiados originariamente na representação envolvem lisura do procedimento e a observância dos princípios e regras que emanam do regime jurídico-administrativo. Aduz que a defesa da probidade e da legalidade cabem ao Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social e que “a restrição do objeto da investigação, com a posterior remessa de cópias à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos (e, posteriormente, a este GEDUC) deve ser entendida como negativa de atribuição quanto aos fatos excluídos. Caso contrário, tal providência somente poderia ser compreendida como arquivamento implícito, medida inexistente no ordenamento jurídico

Solicitada diligência junto ao Conselho Superior do Ministério Público, verificou-se a homologação do arquivamento do inquérito civil nº 14.0695.0000476/2016-5, com o seguinte voto:

“Inquérito civil instaurado para apurar suposta irregularidade no programa de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo. Notícia de problemas envolvendo a divulgação e execução das provas. Diligências realizadas. Investigada rechaçou todas as imputações descritas, juntando documentos comprovando a licitude dos atos praticados. Inexistência de dano ao erário ou prática de ato de improbidade administrativa a ser coibido. Desnecessidade de medida a ser adotada na área do Patrimônio Público. Encaminhamento de cópias à Promotoria de Direitos Humanos para apuração de problema envolvendo proibição de saída dos candidatos, durante a prova, para utilização do banheiro. Promoção de arquivamento mantida por seus próprios fundamentos. HOMOLOGAÇÃO, sem prejuízo da possibilidade de abertura de investigação na hipótese de novos elementos” (grifo nosso).

É o relato do essencial.

De início, importa consignar que a independência funcional do Membro do Ministério Público impõe ampla liberdade na apreciação da hipótese, submetida apenas ao controle do C. Conselho Superior do Ministério Público, no caso de arquivamento (art. 9º e seus parágrafos da Lei nº 7.347/85).

No presente caso, no que tange aos demais fatos contidos na representação e excluídos da investigação diante da restrição de seu objeto, é certo que foram objeto de análise do Conselho Superior do Ministério Público, por ocasião do arquivamento do inquérito civil pelo DD. 10º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social.

O acerto ou desacerto da restrição da investigação pelo Promotor de Justiça suscitado, único que detinha as atribuições para a tomada de providências na referida área de atuação, foi objeto de revisão e homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público e não é passível de questionamento.

Porém, o conflito de atribuições está configurado quanto à questão que foi objeto do inquérito civil, envolvendo a vedação ao acesso a banheiros e bebedouros durante a realização do certame.

Com efeito, o DD. 10º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, ora suscitado, após restringir o objeto da investigação à vedação ao acesso a banheiros e bebedouros durante a realização do certame, consignou expressamente em sua promoção de arquivamento, que “no âmbito da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, com atribuição para investigar a ocorrência de atos de improbidade administrativa, não houve a produção de prova concreta sobre conduta ímproba de agente público, sendo desnecessária a continuidade das diligências para tal fim”.

Desse modo, muito embora tenha apontado a ausência da prática de ato de improbidade, o suscitado deixou de se manifestar quanto a eventual lesão à legalidade administrativa e à proteção do patrimônio público social, que também são de sua atribuição, nos termos do estabelecido no art. 295, inciso IX da Lei Complementar Estadual nº 734/93, na redação dada pela Lei Complementar nº 1.083/08.

Entendeu, ao contrário, que a análise da matéria estaria afeta à Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos, que por sua vez, entendeu que a investigação estaria a cargo do GEDUC.

Porém, a hipótese claramente não se insere dentre as atribuições do GEDUC, bastando para tanto a leitura do disposto no art. 2º do Ato Normativo nº 672/2010-PGJ-CPJ, de 21 de dezembro de 2010.

Do mesmo modo, a análise da matéria não se insere dentre as atribuições do Promotor de Justiça de Direitos Humanos, a quem compete, “a garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos e serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, e, notadamente, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos dos idosos, das pessoas com deficiência, e da saúde pública”, nos termos do art. 295, inciso XI da Lei nº 734/93.

A atribuição da Promotoria de Justiça de Direitos está sempre relacionada à prestação dos serviços públicos relevantes em si mesmos considerados, cabendo à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social a apreciação de questões referentes à legalidade e moralidade nos assuntos subjacentes à execução de referidos serviços públicos.

Assim sendo, respeitada a independência funcional de cada um dos membros do Ministério Público portadores de singulares e reservadas atribuições sobre um mesmo fato, compete, no caso, ao suscitado prosseguir na investigação a respeito da legalidade e da moralidade administrativas na vedação de acesso aos banheiros e bebedouros durante a realização do processo seletivo.

Diante do exposto, conheço do conflito negativo de atribuição e o resolvo declarando a atribuição do ilustre Promotor de Justiça suscitado (10º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social).

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional.

São Paulo, 25 de maio de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

blo