Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado MP nº 43.0739.0001720/2018-9 (Representação)

Protocolo 0038099/18

Suscitante: 12º Promotor de Justiça Cível de Santo Amaro

Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 12º Promotor de Justiça Cível de Santo Amaro. Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital. Representação sobre eventual acumulação ou desvio de funções na Santa Casa de Santo Amaro. Representação escassa de elementos de fato e de prova.

1.      Entidade que recebe subvenção, benefício ou incentivo de órgão público. Fatos narrados que, em tese, podem levar à configuração de ato de improbidade administrativa. Atribuição especializada da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social.

2.      Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo-se a necessidade de atuação do suscitado, no âmbito de suas respectivas atribuições.

Vistos.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 12º Promotor de Justiça Cível da Capital e como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, nos termos adiante expostos.

Conforme se depreende dos autos, a Ouvidoria do Ministério Público recebeu representação anônima muito sucinta, nos seguintes termos:

“Boa tarde! Gostaria de saber se um advogado pode exercer mais de uma função no mesmo local de trabalho, por exemplo, Na Santa Casa de Sto Amaro existe este tipo de trabalho. O vice-provedor recebe remuneração por estes serviços, Advogado/Vice Provedor, porém o mesmo não assina docs para se livrar de uma eventual auditoria. Peço por gentileza, que o Ministério público intervem e faça justiça! Santa Casa de Santo Amaro – Rua Isabel Schimidt, 59 – Santo Amaro – CEP 04743-030”. (fls. 04)

A representação foi, inicialmente, encaminhada à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (fls. 06).

O D. 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público da Capital, contudo, declinou de sua atribuição (fls. 10/11). Enfatizou que a representação fazia referência à má gestão e administração de entidade de assistência social sem fins lucrativos e sem apontar desvio de verba pública. Concluiu que a fiscalização e a atuação para coibição de irregularidade competiria, portanto, à esfera cível, remetendo os autos à Promotoria de Justiça Cível Central.

A D. Promotora de Justiça Cível, de igual modo, não reconheceu ter atribuição para o caso em tela. Afirmou que a representada ostenta natureza jurídica associativa e que a atuação do Ministério Público, em tal caso, limitar-se-ia ao pleito de sua dissolução compulsória, nos termos do Decreto-lei nº 41/1966. Aduziu que não fora identificado interesse metaindividual, que poderia atrair a atuação de Promotoria Especializada. Concluiu que, fixado o objeto de atuação – ajuizamento de eventual ação de dissolução – , a atribuição seria de Promotor de Justiça Cível, nos termos do art. 296 da Lei Complementar nº 735/93, bem como que, considerando a sede da entidade, caberia à Promotoria de Justiça Cível de Santo Amaro prosseguir no presente caso.

O 12º Promotor de Justiça Cível de Santo Amaro, por sua vez, suscitou conflito de atribuição em face do 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (fls. 34/42). Observou que, no seu entender, os fatos narrados indicam acumulação de funções, isto é, irregularidade administrativa que fere o princípio da regularidade e probidade pública, na medida em que a entidade assistencial é destinatária do dinheiro público.  

É o breve relato do essencial.

Fundamentação.

De plano, releva observar que a representação encaminhada ao Ministério Público é extremamente sucinta e não veio instruída com qualquer elemento de prova.

Cinge-se a questionar a possibilidade de um “Vice Provedor” da Santa Casa de Santo Amaro acumular funções de advogado e não subscrever documentos, para não sofrer questionamento em eventual auditoria.

Nada obstante a entidade citada na representação não seja pública e mesmo diante da escassez de elementos trazidos ao Ministério Público, uma breve consulta ao próprio sítio eletrônico da entidade evidencia que apresenta, dentre seus parceiros, o Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado da Saúde e a Secretaria Municipal de Saúde[1].

Logo, está claro que recebe subvenção, benefício ou incentivo de órgão público. Aliás, é o que usualmente se verifica no tocante a hospitais filantrópicos, a Santas Casas.

Desta forma, infere-se que o seu agente pode estar sujeito às sanções da Lei nº 8.429/92, isto é, da Lei de Improbidade Administrativa, uma vez que o parágrafo único de seu art. 1º estabelece: “Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”.

Estabelecida tal premissa, importa dizer que a eventual cumulação ou desvio de funções narrada na representação pode, em tese, configurar ato de improbidade administrativa, ao menos, com fulcro no art. 11 da Lei nº 8.429/92, porque a sua conduta pode representar a prática de ato visando fim proibido em lei ou regulamento, o retardo ou a omissão indevida da prática de ato de ofício, dentre outros.

Desta forma, sem adentrar no mérito quanto à procedência ou não dos fatos narrados ou quanto à existência ou não de elementos suficientes para a abertura de uma investigação no âmbito do Ministério Público, porque, frise-se, a representação é lacônica e imprecisa, é certo que há elementos indicativos da atuação da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

Com efeito, a Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo – Lei Complementar nº 734/93 – , ao dispor sobre as atribuições dos  cargos especializados, prevê:

“Art. 295. Aos cargos especializados de Promotor de Justiça, respeitadas as disposições especiais desta lei complementar, são atribuídas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, nas seguintes áreas de atuação:

(...)

IX – Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social: defesa da probidade e legalidade administrativas e da proteção do patrimônio público e social;

(...)

§ 2º. Em face do disposto neste artigo, aos cargos de Promotor de Justiça Cível da Capital são atribuídas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público na tutela de interesses de incapazes e nas situações jurídicas de natureza civil, em qualquer caso, desde que não compreendidas nas atribuições de cargos especializados ou de determinada localidade ou região, bem como na proteção das funções na comarca da Capital”.

Diante do quadro, delineada a possibilidade dos fatos narrados na representação traduzirem violação à Lei de Improbidade Administrativa, ainda que no seio de uma entidade privada eventualmente submetida aos termos do Decreto-lei nº 41, de 18 de novembro de 1966, que trata da dissolução de sociedades civis de fins assistenciais, cabe, no atual momento, à especializada Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social apreciar a representação.

Para completar, importa registrar que, por ora, nada há nos autos a evidenciar atuação que tenha por objetivo a extinção da pessoa jurídica.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado examinar a representação, no âmbito de suas respectivas atribuições.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 16 de maio de 2018.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 



[1] A propósito, confira-se http://www.santacasasantoamaro.org.br/parceiros.htm.