Conflito de Atribuições - Cível

 

Protocolado nº 41.680/18

Suscitante: 14º Promotor de Justiça de Santos

Suscitado: Procurador da República em Santos

 

1.      Conflito negativo de atribuições. 14º Promotor de Justiça de Santos (suscitante) e Procurador da República em Santos (suscitado).

2.      Notícia de que grupo empresarial teria promovido “blindagem”, com alteração da razão social de suas empresas, com o fim de manter contratos celebrados com a Companhia Docas do Estado de São PAULO - CODESP, sociedade de economia mista federal. Atribuição do Ministério Público Federal. Precedente do Supremo Tribunal Federal.

3.      Havendo denúncia de possíveis irregularidades em contratos administrativos celebrados por sociedade de economia mista federal, cujo objetivo institucional é o exercício da autoridade portuária, e sendo de competência exclusiva da União os serviços portuários, eventuais danos ao patrimônio público ou improbidade administrativa situam-se no âmbito das atribuições do Ministério Público Federal, não bastasse a presunção de interesse jurídico da União.

4.      Representação conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal para a apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.

 

Vistos,

1) Relatório.

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 14º Promotor de Justiça de Santos e como suscitado o DD. Procurador da República em Santos.

De acordo com a documentação acostada aos autos, constata-se que foi encaminhada à Procuradoria da República de Santos, notícia de que a empresa MPE – Engenharia e Serviços S.A., que faz de grupo econômico composto por diversas empresas, teria promovido “blindagem”, alterando seu estatuto social, com o fim de manter contratos celebrados com a CODESP – COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO.

O Procurador da República, após solicitar informações à CODESP, declinou da atribuição para oficiar nos autos, aduzindo que os contratos firmados com o Grupo MPE (MPEngenharia) tratam em geral de prestações de serviços diretos, não relacionados diretamente ao exercício da competência material da União, disposta no artigo 21, XII, “f” da Constituição Federal.

Além disso, considerando tratar de contratos entre uma empresa privada com a CODESP, sociedade de economia mista, se aplicam os enunciados das súmulas 42 do STJ e 556 do STF, que anunciam, respectivamente, que “compete à Justiça comum estadual processar e julgar causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento” e “é competente a justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista” (fls. 186/187).

O nobre Promotor de Justiça de Santos, ao receber as peças de informação, suscitou conflito negativo de atribuição, afirmando que a hipótese retratada não envolve atribuição do Ministério Público Estadual, já que a delimitação entre atribuições do Ministério Público Federal e Estadual nos casos “vem sendo fixada através da análise de qual seria o Tribunal de Contas com competência para analisar e julgar as contas da entidade relacionadas aos autos de improbidade”. A CODESP, como sociedade de economia mista formada pelo capital da União e vinculada à Secretaria da Presidência da República, tem suas contas subordinadas ao Tribunal de Contas da União.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal teria fixado o entendimento de que é competência material e legislativa da União, a atividade portuária, estando por essa razão demonstrado seu interesse na lide. Por fim, eventuais fraudes nos contratos celebrados com a CODESP afetam diretamente o patrimônio da União (fls. 190/199).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, cuja competência para sua solução pertence ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, f, CF/88), não se podendo transferir sua solução ao Procurador-Geral da República, Chefe do Ministério Público da União, sob pena de imolar a autonomia do Ministério Público do Estado de São Paulo e o devido processo legal (arts. 127, §§ 1º e 2º, e 128, I e II, CF/88).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

O mesmo raciocínio pode ser utilizado na definição da atribuição para a condução da investigação.

Analisando-se o caso concreto, verifica-se que a denúncia encaminhado pelo Ministério Público do Trabalho diz respeito a possível fraude em empresa visando a manutenção de contratos celebrados com a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, sociedade de economia mista federal, cuja atividade se dá na área portuária.

A representação merece ser conhecida e acolhida.

O Supremo Tribunal Federal sufragou o entendimento da competência da Justiça Federal e da atribuição do Ministério Público Federal na hipótese de improbidade administrativa em detrimento de sociedade de economia mista controlada pela União, cujo objetivo institucional é de competência exclusiva da União – como o é a atividade portuária – e cujos atos estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União.

Neste sentido, invoco a seguinte decisão:

“Trata-se de agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, cuja ementa reproduzo a seguir:

    ‘AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CODESP. ARRENDAMENTO SEM PRÉVIA LICITAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

    O art. 6º, XIV, ‘f’, da Lei Complementar nº 75/1993, dispõe entre as funções institucionais do Ministério Público da União, promover a defesa da probidade administrativa, dando a Lei nº 8.429/1992 concretude a esse controle, ao dispor que qualquer agente público, servidor ou não, se sujeita às suas penalidades quando pratica atos de improbidade contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União (art. 1º).

    O fato de a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP ser uma sociedade de economia mista, não afasta o interesse federal na presente lide, sobretudo no âmbito da improbidade administrativa, ex vi do disposto no art. 1º da Lei nº 8.429/92.

    Portanto, como a presente lide envolve suposta improbidade dos Diretores da CODESP quanto da celebração de contrato de arrendamento portuário, sem a devida observância do processo licitatório, é o quanto basta para deflagrar a hipótese de fiscalização, seja pelo Ministério dos Transportes, seja pelo Tribunal de Contas da União, seja pelo próprio Ministério Público Federal, em razão do interesse jurídico da União e do próprio dever do MPF de defender o patrimônio público federal e os princípios que norteiam a Administração Pública Federal.

    O E. Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que o mero ajuizamento de ação de improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal já fixa a competência da Justiça Federal.

    Preliminar de conversão em diligência, suscitada em sessão, rejeitada. Agravo a que se nega provimento.’ (eDOC 13, p. 53)

    No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, sustenta-se, em preliminar, a repercussão geral da matéria deduzida. No mérito, aponta-se ofensa ao art. 109, I, e ao art. 129, II e III, do texto constitucional. (eDOC 14, p. 31)

    No mérito, aduz-se competir ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre os conflitos de atribuição instaurados entre o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal. Defende-se, em síntese, que o Ministério Público Federal é parte ilegítima para figurar no polo passivo da lide e, por conseguinte, a Justiça Federal é absolutamente incompetente para julgar o pedido de responsabilização dos atos de improbidade que teriam sido cometidos no âmbito de sociedade de economia mista federal. Alega-se, ainda, que são funções institucionais do Ministério Público a promoção de ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, conforme o art. 129, III, do texto constitucional.

    O Ministério Público Federal, em parecer emitido pelo Subprocurador da República Paulo Gustavo Gonet Branco, opina pelo desprovimento do recurso. (eDOC 18, p. 1)

    Decido.

    O recurso não merece prosperar.

    No caso, verifico que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com base nas provas dos autos, assim enfrentou a questão relativa à competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito:

    ‘O fato de a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP ser uma sociedade de economia mista, não afasta o interesse federal na presente lide, sobretudo no âmbito da improbidade administrativa, ex vi do disposto no art. 1º da Lei nº 8.429/92.

    Isto porque, além de vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da República, a própria atividade desempenhada pela CODESP, portuária, é de competência, material e legislativa da União Federal, nos termos do art. 21, XII, ‘f’ e o art. 22, X, ambos da Constituição Federal. (…)

    No que toca à decisão colacionada pelo agravante proferida pelo C. Supremo Tribunal Federal, tenho que não se aplica à hipótese dos autos, posto tratar-se- de conflito negativo de atribuições, no qual o próprio representante do Ministério Público Federal entendeu que a questão versada nos autos originários não se enquadrava nas hipóteses de defesa do patrimônio nacional ou dos direitos constitucionais do cidadão, situação absolutamente distinta da ação civil em apreço.

    Aliás, o E. Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que o mero ajuizamento de ação de improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal já fixa a competência da Justiça Federal.’ (grifo acrescido) (eDOC 13, p. 48-52)

    Dessa forma, correta a fixação da Justiça Federal para processar e julgar a lide. É competência material e legislativa da União a atividade portuária, estando assim demonstrado seu interesse na lide.

    Confira-se, a propósito, o precedente:

    ‘AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Supremo Tribunal Federal assentou que a circunstância de figurar o Ministério Público Federal como parte na lide não é suficiente para determinar a competência da Justiça Federal para o julgamento da lide. 2. Compete à Justiça comum processar e julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista, exceto se houver interesse jurídico da União no feito. (RE-AgR 596.836, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 25.5.2011).’

    Da mesma forma, não procede a alegação de que a Justiça Federal é absolutamente incompetente para julgar o pedido de responsabilização dos atos de improbidade. Nesse sentido, cito:

    ‘Embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário. Efeitos infringentes. Processual. Malversação de verbas federais recebidas mediante convênio com a FUNASA. Artigo 109, inciso I, da CF. Presença do MPF em um dos polos. Competência da Justiça Federal. Recurso aclaratório acolhido com efeitos infringentes. 1. A circunstância de figurar o Ministério Público Federal como parte na lide não é suficiente para determinar a perpetuação da competência da Justiça Federal para o julgamento da ação. 2. O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que a mera alegação de existência de interesse de um dos entes enumerados no art. 109, inciso I, da Constituição Federal não enseja o deslocamento da competência para a Justiça Federal. 3. A existência de competência da Justiça Federal será aferida por ela própria com base no caso concreto e supedâneo no rol ratione personae do art. 109, inciso I, da Constituição. 4. O fato de a verba repassada ser proveniente de recursos federais fiscalizáveis pelo TCU basta para afirmar a existência de interesse da União e a consequente competência da Justiça Federal para apreciar os autos. Precedentes da Suprema Corte. 5. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para se anular o acórdão recorrido e se determinar novo julgamento pelo tribunal de origem’. (grifo acrescido) (RE- AgR-ED 669.952, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 25.11.2016)

    Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (art. 932, VIII, do NCPC c/c art. 21, § 1º, do RISTF)” (STF, ARE 932.512-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 24-02-2017, DJe 06-03-2017).

Ancorado nos fundamentos desse decisum, outra solução não resta senão submeter o conflito de atribuição à solução no Supremo Tribunal Federal.

3) Decisão.

Face ao exposto, acolhe-se a representação formulada pelo digno 14º Promotor de Justiça de Santos, determinando-se a remessa dos autos, em forma eletrônica, ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.

Os autos originais permanecerão na Secretaria da Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica, aguardando-se a decisão do Supremo Tribunal Federal.

 Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se. Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 7 de junho de 2018.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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