Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 43.916/2018

Suscitante: 32º Procurador de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos

Suscitado: 44º Procurador de Justiça Cível

 

Ementa: Conflito de atribuições. Execução de sentença proferida em ação civil pública, proposta em defesa de interesses individuais homogêneos. Execução individual, proposta por incapaz.

1)      Diversidade de situações entre o processo coletivo de conhecimento e a execução individual da sentença coletiva. Demandante age no processo de conhecimento como legitimado coletivo. Na execução, de cunho individual, há apenas um fundamento de intervenção do Ministério Público, como custos legis: a presença de incapazes como exequentes (art. 178 do CPC).

2)      Conflito dirimido, determinando caber à Procuradoria de Justiça Cível prosseguir no feito.

 

Vistos.

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 32º Procurador de Justiça, que oficia perante a Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, e como suscitada DD. Procuradora de Justiça oficiante na Procuradoria de Justiça Cível.

Conforme se depreende dos autos, trata-se de ação de execução relativa a cumprimento de sentença individual decorrente de ação coletiva proposta pelo IDEC, em virtude de expurgos inflacionários de Planos Econômicos.

A execução da sentença oriunda da ação coletiva foi promovida, dentre outros, por menor incapaz, representada por sua genitora (fls. 22), em face do Banco do Brasil S/A.

O feito foi julgado em primeiro grau e o réu ofertou recurso de apelação.

Distribuído o feito à Procuradoria de Justiça Cível, foi determinada sua remessa à Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, sob o fundamento de que se trata de “execução de título judicial, sentença proferida em ação civil pública” (fls. 25).

Na Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, foi suscitado o conflito negativo, sendo ressaltado que a discussão nessa fase é meramente individual, não mais envolvendo disputa coletiva, o que aponta para a atribuição da Procuradoria de Justiça Cível. Enfatizou que a intervenção do Ministério Público nos autos somente pode ser dar nas hipóteses contempladas pelos arts. 177 e 178 do Código de Processo Civil (fls. 02/08).

É o relato do essencial.

2)  Fundamentação.

Em primeiro lugar, cumpre afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Passa-se, então, a decidi-lo.

Os presentes autos compreendem ação de execução individual de sentença proferida em ação coletiva.

Embora a ação de conhecimento tenha tramitado de forma coletiva, está evidente que, na fase de execução, o processo é individual.

Lembre-se que a possibilidade do ajuizamento de ações coletivas em defesa de interesses individuais homogêneos decorre do disposto no art. 91 do Código de Defesa do Consumidor, inserido no Capítulo da Lei 8.078/90, que trata do tema, sob a rubrica “Das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos”.

Tal dispositivo, como, aliás, toda a parte “processual” do Código do Consumidor é aplicável à defesa de interesses metaindividuais em juízo, por força da remissão formulada pelo art. 21 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85).

Para completar, no art. 98 do Código de Defesa do Consumidor, vem previsto que a execução poderá ser coletiva, movida pelos legitimados coletivos, e “abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação”, sendo certo que isso ocorrerá “sem prejuízo de ajuizamento de outras execuções”.

Oportuno ainda lembrar que, pelo art. 97 do referido Código, “a liquidação e a execução da sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores”.

Pois bem, diante de tal quadro normativo, é ainda importante lembrar, invocando o pensamento de José Carlos Barbosa Moreira, que os interesses individuais homogêneos são “acidentalmente coletivos”. Isso equivale a dizer que, em sua essência, tais interesses são individuais, mas, por opção político-legislativa, são tratados, no plano processual, de forma coletiva. (cf. autor citado, em diversos escritos, v.g.: “Tutela jurisdicional dos interesses difusos e coletivos”, Temas de direito processual civil, 3ª série, São Paulo, Saraiva, 1984; “Os temas fundamentais do direito brasileiro nos anos 80: direito processual civil”, Temas de direito processual, 4ª série, São Paulo, Saraiva, 1989. V. ainda Rodolfo de Camargo Mancuso, Jurisdição coletiva e coisa julgada, São Paulo, RT, 2007, p. 81 e ss; e Sérgio Seiji Shimura, Tutela coletiva e sua efetividade, São Paulo, Método, 2006, p. 25 e ss).

E o que justifica esse tratamento coletivo é a homogeneidade do interesse, que, em sua essência, é individual (Cf., entre tantos, a lição de Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 8ª ed., Rio de Janeiro/São Paulo, Ed. Forense Universitária, 2005, p. 806/807).

Uma vez proferida a sentença de mérito, na fase de execução, o que se tem são pretensões estritamente individuais (cf. Luiz Paulo da Silva Araújo, Ações coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos, Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 194 e ss).

Podem até ser deduzidas, no processo executivo, em litisconsórcio facultativo, na medida em que, de conformidade com o art. 780 do Código de Processo Civil, é legítima a cumulação de execuções em face do mesmo devedor, mormente quando fundadas no mesmo título executivo.

Todavia, isso não retira a natureza individual das execuções cumuladas (sobre a possibilidade de cumulação de execuções, confira-se: Humberto Theodoro Júnior, Processo de execução e cumprimento da sentença, 24ª ed., São Paulo, Leud, 2007, p. 105 e ss; Araken de Assis, Manual da execução, 11ª ed., São Paulo, RT, 2007, p. 295 e ss; Luiz Fux, O novo processo de execução, Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 144/145).

Esse é o sentido das ponderações formuladas por Ada Pelegrini Grinover, ao aduzir que, na execução: “a situação é diferente da que ocorre com a legitimação extraordinária à ação condenatória do art. 91 (...). Lá, os legitimados agem no interesse alheio, mas em nome próprio, sendo indeterminados os beneficiários da condenação. Aqui, as pretensões à liquidação e execução da sentença serão necessariamente individualizadas (...)” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 8ª ed., Rio de Janeiro/São Paulo, Ed. Forense Universitária, 2005, p. 887).

Chega-se, com esse raciocínio, à premissa indispensável à solução do presente conflito.

Ação civil pública foi proposta em defesa de interesses coletivos, em sentido amplo, ou seja, com a finalidade de obtenção de uma sentença condenatória genérica, na qual fosse reconhecida a obrigação do Banco do Brasil S/A de ressarcir correntistas de valores devidos em decorrência de expurgos inflacionários.

A sentença, portanto, nos termos do art. 95 do Código do Consumidor, aplicável ao caso mutatis mutandis, foi “genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados”.

Vencida a fase de conhecimento, segue-se para a execução, na qual as pretensões deduzidas são nitidamente individuais, figurando os exequentes como litisconsortes.

No processo de conhecimento, foi a existência de interesses coletivos, relacionados à seara dos direitos dos consumidores, que legitimou o IDEC para agir. Porém, agora, em sede de execução, o que há são interesses meramente individuais, decorrentes da existência de uma sentença condenatória genérica, na qual o fundamento da intervenção ministerial é a existência de incapaz na condição de exequente.

Antes, note-se, era o interesse coletivo que sedimentava a causa da atuação do IDEC, ao passo que, agora, é a qualidade da parte (art. 178 do CPC), que rende ensejo à atuação do custos legis, na denominada intervenção protetiva, visto que uma das exequentes é incapaz.

Nitidamente estabelecida a situação de fato, e esclarecida a razão da intervenção, torna-se possível concluir que razão assiste, na hipótese, ao suscitante.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, integrante da Procuradoria de Justiça Cível, a atribuição para oficiar no presente feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 7 de junho de 2018.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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