Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0044965/15

(Ref. SIS nº 38.0155.0005408/2014-1

Suscitante: 4º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Guarulhos (Consumidor)

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Consumidor. Elementos coligidos ex officio indicativos da prática considerada abusiva em outras comarcas. Dano regional. Dimensão espacial da lesão. Critério determinante da atribuição. Atribuição da Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital. 1. Procedimento instaurado para apuração de práticas abusivas pelos representantes da APPOC - Associação Paulista de Proteção e Orientação ao Consumidor. 2. Dano aparentemente regional. Existência, ao que tudo indica, de situação de dano regional. Compreensão da regra de competência do local do dano (art. 2º da LACP) e do foro da Capital do Estado, nos casos de dano regional ou nacional (art. 93, II do CDC). Interpretação teleológica. 3. Como decidido anteriormente, “a atribuição do órgão do MP segue a competência jurisdicional do art. 93, II, CDC” (Protocolado n. 19.816/14). 4. A regra balizadora da atribuição se encontra na mensuração da extensão espacial do prejuízo. 5. Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da atuação ministerial por parte do suscitante. 6. Precedente (CAC-99.883/14).

 

 

Vistos.

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 4ª Promotora de Justiça do Consumidor da Capital, e como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça de Guarulhos – Consumidor.

O procedimento foi instaurado por força de representação encaminhada pela MMa. Juíza de Direito da 8ª Vara Cível de Guarulhos à Promotoria de Justiça de Guarulhos, dando conta de práticas abusivas pelos representantes da APPOC - Associação Paulista de Proteção e Orientação ao Consumidor na cooptação de clientes pela leitura de publicações no Diário Oficial e propositura de ações judiciais temerárias em suposta defesa de consumidores, mediante promessa de êxito.

Consta que os representantes legais da aludida associação tomaram conhecimento da busca e apreensão do veículo de propriedade de ALEXANDRE ROBERTO MARQUES mediante publicação veiculada no diário Oficial, entraram em contato com o mesmo e prometeram-lhe êxito em ação judicial movida em face do BANCO PECÚNIA, que figurava como autor da ação (processo nº 22401.2012.084133-3, 8ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos), da qual acabou desistindo após a quitação das parcelas pelo réu.

Os fatos se encontram narrados em email enviado por ALEXANDRE ROBERTO MARQUES ao BANCO PECÚNIA, em que o mesmo relatou o modus operandi dos representantes legais do escritório, que o convenceram a litigar, mas o mesmo, depois de os terem constituído, acabou quitando o débito e consentindo com a desistência da ação (fl. 4).

Inicialmente, por supor equivocadamente que a representação fosse dirigida a práticas abusivas por parte do BANCO PECÚNIA S/A, o Suscitado (DD. 1º Promotor de Justiça de Guarulhos) determinou a remessa dos autos à Secretaria das Promotorias de Justiça do Consumidor da Capital, por vislumbrar o oferecimento dos mesmos serviços bancários para todo o Estado de São Paulo e, talvez, para todo o território nacional (fl. 9).

Ao observar que a representação tinha como objeto as práticas abusivas da associação, a Suscitante (DD. 4ª Promotora de Justiça do Consumidor da Capital) ordenou a devolução dos autos à Promotoria de Justiça de origem (Fls. 15/16).

O Suscitado (DD. 1º Promotor de Justiça de Guarulhos) discordou da afetação, porque do papel timbrado do escritório da APPOC constava os endereços de 03 (três) sedes nas cidades de São Paulo, São Bernardo do Campo e Campinas, fato que o levou a inferir que, além de Guarulhos, a Associação Paulista de Proteção e Orientação ao Consumidor também colocava seus serviços à disposição de consumidores daquelas localidades, a ensejar o deslocamento da atribuição para a comarca da Capital, a teor do art. 93, II, do CDC (fls. 20/21).

A Suscitante (DD. 4ª Promotora de Justiça do Consumidor da Capital) expôs as razões do conflito negativo a fls. 25/32. Afirmou que: (a) o caso vertente trata de dano de âmbito local, pelo que tem incidência o art. 93, inc. I, do CDC e o art. 2º da Lei nº 7.347/85; (b) a presença da associação em mais de uma comarca não tem o condão de regionalizar o dano apurado; (c) a situação trazida à baila assemelha-se à de empresa de telefonia responsável pela implantação e gerenciamento de orelhões nas diversas comarcas de um Estado, em que, embora a atuação seja de caráter estadual, o vício em determinados aparelhos não é suficiente à regionalização do dano; (d) o dano regional deve ser compreendido como hipótese em que a situação se estende a praticamente todo o território do Estado. E trouxe à colação precedentes, em que o dano efetivo se apresentava em algumas localidades e a atribuição foi firmada por prevenção (Protocolado nº 0126280/12, de 15.09.2012, e Protocolado nº 43.0161.0000677/2013-4, de 12.06.2013).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

         É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado e deve ser conhecido.

         Na hipótese em análise, o elemento central para a decisão do conflito reside em saber qual é a provável dimensão do risco ou dano e, consequentemente, se deve ser aplicada a regra de competência prevista no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública, ou então a norma prevista no art. 93, II, do Código de Defesa do Consumidor.

O objeto da investigação, como se infere dos autos, está relacionado à notícia de oferta abusiva de serviços advocatícios para a propositura de ações judiciais em defesa de consumidores em face de instituições financeiras.

Nesse sentido, a manifestação do Suscitado aduz expressamente que:

 

 

                            “(...)

Ora, é dos próprios autos que se verifica que a Associação Paulista de Proteção e Orientação ao Consumidor - APPOC, além dos contatos feitos via telefone, como no caso em tela, coloca à disposição seus serviços, em três sedes diferentes, uma em São Paulo, Capital; outra em São Bernardo do Campo; e a terceira em Campinas (fls. 06). Ou seja, nenhuma em Guarulhos.

Portanto, ao contrário da conclusão manifestada, é óbvio que o raio de atuação da representada não se limita à cidade de Guarulhos, inexistindo razão para que a investigação se proceda por esta Comarca, devendo ser aplicada, ao caso, a regra prevista no artigo 93, II, do CDC, conforme decisão anterior.

 (...)

         Ao que se infere dos autos, os representates da APPOC - Associação Paulista de Proteção e Orientação ao Consumidor cooptavam seus clientes a partir de publicações da imprensa oficial.

 

         Tal informação, a priori, não descarta a possibilidade de dano ou lesão de característica regional (e quiçá nacional), atingindo a eventual abusividade consumidores indeterminados e que decerto não se restringem àqueles residentes em Guarulhos.

 

        

         Bem por isso foi decidido em outra oportunidade que “a atribuição do órgão do MP segue a competência jurisdicional do art. 93, II, CDC” (Protocolado n. 19.816/14). Destaca-se desse precedente o seguinte excerto de sua fundamentação:

“7.               Em tema de competência jurisdicional assim vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça sobre dano regional:

‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO DE ÂMBITO REGIONAL. COMPETÊNCIA DA VARA DA CAPITAL PARA O JULGAMENTO DA DEMANDA. ART. 93 DO CDC.

1. O art. 93 do CDC estabeleceu que, para as hipóteses em que as lesões ocorram apenas em âmbito local, será competente o foro do lugar onde se produziu o dano ou se devesse produzir (inciso I), mesmo critério já fixado pelo art. 2º da LACP. Por outro lado, tomando a lesão dimensões geograficamente maiores, produzindo efeitos em âmbito regional ou nacional, serão competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (inciso II).

2. Na espécie, o dano que atinge um vasto grupo de consumidores, espalhados na grande maioria dos municípios do estado do Mato Grosso, atrai ao foro da capital do Estado a competência para julgar a presente demanda.

3. Recurso especial não provido’ (RT 909/483).

8.                E em se tratando de dano nacional, a Corte Federal decidiu que:

‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPETENTE. ART. 93, INCISO II, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR.

1. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja consumidores de mais de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor.

2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR’ (STJ, CC 112.235-DF, 2ª Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 09-02-2011, v.u., DJe 16-02-2011).

9.                Anoto que a competência do art. 93, I, do Código de Defesa do Consumidor tem natureza absoluta enquanto a do art. 93, II, do codex, é de caráter relativo, como assentado em outro aresto:

‘(...) muito embora o inciso II do art. 93 do CDC tenha criado uma vedação específica, de natureza absoluta – não podendo o autor da ação civil pública ajuizá-la em uma comarca do interior, por exemplo -, a verdade é que, entre os foros absolutamente competentes, como entre o foro da capital do Estado e do Distrito Federal, há concorrência de competência, cuidando-se, portanto, de competência relativa. (...)’ (RDDP 91/123).

10.              A regra balizadora é a extensão espacial do prejuízo”.

         Nesse contexto, havendo possibilidade de dano para outras comarcas do Estado, mostra-se compatível com o sistema normativo a interpretação segundo a qual o feito deve processar-se no foro da Capital do Estado.

         Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 4º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, a atribuição para oficiar nos autos, consoante precedente (CAC-99.883/14).

         Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

         Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

 

 

São Paulo, 22 de abril de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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