Conflito de Atribuições –
Cível
Protocolado nº 48.036/18
Inquérito Civil nº SIS 14.0426.0001322/2018-9
Suscitante: 12º Promotor de Justiça
de Santos
Suscitado: Ministério Público Federal
(Procuradoria da República no Município de Santos)
Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSO
CIVIL. CONFLITO DE ATRIBUIÇÃO. INQUÉRITO CIVIL. DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EXISTÊNCIA DE COLABORADORES APOSENTADOS, NO ÂMBITO
DA COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CODESP), QUE RECEBERIAM SALÁRIOS
ELEVADOS. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA FEDERAL. CONTROLE ACIONÁRIO DA UNIÃO.
ATIVIDADES PORTUÁRIAS. COMPETÊNCIA MATERIAL E LEGISLATIVA EXCLUSIVAS DA UNIÃO.
INTERESSE JURÍDICO PRESUMIDO. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
1. Havendo denúncia de irregularidades na contratação de colaboradores já aposentados, que receberiam salários elevados, por sociedade de economia mista federal, cujo objetivo institucional é o exercício da autoridade portuária, e sendo de competência exclusiva da União os serviços portuários, eventuais danos ao patrimônio público ou improbidade administrativa situam-se no âmbito das atribuições do Ministério Público Federal, não bastasse a presunção de interesse jurídico da União.
2. Representação conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal para a apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.
1. Relatório
Trata-se de inquérito civil
instaurado na Promotoria de Justiça de Santos para apuração de irregularidades na
contratação de colaboradores aposentados pela Companhia Docas do Estado de São
Paulo (CODESP), que receberiam salários exorbitantes, em prejuízo ao patrimônio
da companhia, além de possível caracterização de ato de improbidade
administrativa.
Os autos inicialmente tramitaram
perante a Procuradoria da República no Município de Santos que, após ingressar
com Ação Civil Pública pugnando pela anulação do concurso público nº 01/2017,
promovido pela CODESP (fls. 32/52), remeteu à Promotoria de Justiça de Santos a
notícia da existência de colaboradores aposentados no âmbito da companhia, que
receberiam salários exorbitantes, por não se submeter sociedade de economia mista
federal à Justiça Federal (fls. 68/69). Consignou, ainda, a existência de Termo
de Ajustamento de Conduta firmando entre a companhia e o Ministério Público do
Estado de São Paulo a respeito do tema.
Após a execução de diligências
investigatórias pelo órgão do Ministério Público do Estado de São Paulo em
Santos, que instaurou Procedimento Preparatório de Inquérito Civil, este
representou ao Procurador-Geral de Justiça para suscitar conflito de atribuição
alegando, em suma, a fiscalização da empresa estatal pelo Tribunal de Contas da
União e o seu objetivo institucional de competência privativa da União como
determinante motivo da atribuição do Ministério Público Federal (fls. 104/113).
2. Fundamentação
A representação merece ser conhecida
e acolhida.
Ressalte-se, inicialmente, que não
foi firmado Termo de Ajustamento de Conduta entre a CODESP e o Ministério
Público do Estado de São Paulo sobre os fatos investigados, conforme certidão
acostada a fls. 75.
Por outro lado, o Supremo Tribunal
Federal sufragou o entendimento da competência da Justiça Federal e da
atribuição do Ministério Público Federal na hipótese de improbidade
administrativa em detrimento de sociedade de economia mista controlada pela
União, cujo objetivo institucional é de competência exclusiva da União – como o
é a atividade portuária – e cujos atos estão sujeitos à fiscalização do
Tribunal de Contas da União. Neste sentido, invoco a seguinte decisão:
“Trata-se de agravo interposto contra
decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário em face de acórdão do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região, cuja ementa reproduzo a seguir:
‘AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CODESP. ARRENDAMENTO SEM PRÉVIA
LICITAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL.
O art. 6º, XIV, ‘f’, da Lei
Complementar nº 75/1993, dispõe entre as funções institucionais do Ministério
Público da União, promover a defesa da probidade administrativa, dando a Lei nº
8.429/1992 concretude a esse controle, ao dispor que qualquer agente público,
servidor ou não, se sujeita às suas penalidades quando pratica atos de
improbidade contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer
dos Poderes da União (art. 1º).
O fato de a Companhia Docas do Estado
de São Paulo – CODESP ser uma sociedade de economia mista, não afasta o interesse
federal na presente lide, sobretudo no âmbito da improbidade administrativa, ex
vi do disposto no art. 1º da Lei nº 8.429/92.
Portanto,
como a presente lide envolve suposta improbidade dos Diretores da CODESP quanto
da celebração de contrato de arrendamento portuário, sem a devida observância
do processo licitatório, é o quanto basta para deflagrar a hipótese de
fiscalização, seja pelo Ministério dos Transportes, seja pelo Tribunal de
Contas da União, seja pelo próprio Ministério Público Federal, em razão do
interesse jurídico da União e do próprio dever do MPF de defender o patrimônio
público federal e os princípios que norteiam a Administração Pública Federal.
O E. Superior Tribunal de Justiça já
firmou entendimento de que o mero ajuizamento de ação de improbidade
administrativa pelo Ministério Público Federal já fixa a competência da Justiça
Federal.
Preliminar de conversão em
diligência, suscitada em sessão, rejeitada. Agravo a que se nega provimento.’
(eDOC 13, p. 53)
No recurso extraordinário, interposto
com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, sustenta-se, em
preliminar, a repercussão geral da matéria deduzida. No mérito, aponta-se
ofensa ao art. 109, I, e ao art. 129, II e III, do texto constitucional. (eDOC
14, p. 31)
No mérito, aduz-se competir ao
Supremo Tribunal Federal decidir sobre os conflitos de atribuição instaurados
entre o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal. Defende-se,
em síntese, que o Ministério Público Federal é parte ilegítima para figurar no
polo passivo da lide e, por conseguinte, a Justiça Federal é absolutamente
incompetente para julgar o pedido de responsabilização dos atos de improbidade
que teriam sido cometidos no âmbito de sociedade de economia mista federal.
Alega-se, ainda, que são funções institucionais do Ministério Público a
promoção de ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social,
conforme o art. 129, III, do texto constitucional.
O Ministério Público Federal, em
parecer emitido pelo Subprocurador da República Paulo Gustavo Gonet Branco,
opina pelo desprovimento do recurso. (eDOC 18, p. 1)
Decido.
O recurso não merece prosperar.
No caso, verifico que o Tribunal
Regional Federal da 3ª Região, com base nas provas dos autos, assim enfrentou a
questão relativa à competência da Justiça Federal para processar e julgar o
feito:
‘O fato de a Companhia Docas do
Estado de São Paulo – CODESP ser uma sociedade de economia mista, não afasta o
interesse federal na presente lide, sobretudo no âmbito da improbidade
administrativa, ex vi do disposto no art. 1º da Lei nº 8.429/92.
Isto porque, além de vinculada à
Secretaria de Portos da Presidência da República, a própria atividade
desempenhada pela CODESP, portuária, é de competência, material e legislativa
da União Federal, nos termos do art. 21, XII, ‘f’ e o art. 22, X, ambos da
Constituição Federal. (…)
No que toca à decisão colacionada
pelo agravante proferida pelo C. Supremo Tribunal Federal, tenho que não se
aplica à hipótese dos autos, posto tratar-se- de conflito negativo de
atribuições, no qual o próprio representante do Ministério Público Federal
entendeu que a questão versada nos autos originários não se enquadrava nas
hipóteses de defesa do patrimônio nacional ou dos direitos constitucionais do
cidadão, situação absolutamente distinta da ação civil em apreço.
Aliás, o E. Superior Tribunal de
Justiça já firmou entendimento de que o mero ajuizamento de ação de improbidade
administrativa pelo Ministério Público Federal já fixa a competência da Justiça
Federal.’ (grifo acrescido) (eDOC 13, p. 48-52)
Dessa forma, correta a fixação da
Justiça Federal para processar e julgar a lide. É competência material e
legislativa da União a atividade portuária, estando assim demonstrado seu
interesse na lide.
Confira-se, a propósito, o
precedente:
‘AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO. 1. O Supremo Tribunal Federal assentou que a circunstância de
figurar o Ministério Público Federal como parte na lide não é suficiente para
determinar a competência da Justiça Federal para o julgamento da lide. 2.
Compete à Justiça comum processar e julgar as causas em que é parte sociedade
de economia mista, exceto se houver interesse jurídico da União no feito.
(RE-AgR 596.836, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 25.5.2011).’
Da mesma forma, não procede a
alegação de que a Justiça Federal é absolutamente incompetente para julgar o
pedido de responsabilização dos atos de improbidade. Nesse sentido, cito:
‘Embargos de declaração no agravo
regimental no recurso extraordinário. Efeitos infringentes. Processual.
Malversação de verbas federais recebidas mediante convênio com a FUNASA. Artigo
109, inciso I, da CF. Presença do MPF em um dos polos. Competência da Justiça
Federal. Recurso aclaratório acolhido com efeitos infringentes. 1. A
circunstância de figurar o Ministério Público Federal como parte na lide não é
suficiente para determinar a perpetuação da competência da Justiça Federal para
o julgamento da ação. 2. O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento
de que a mera alegação de existência de interesse de um dos entes enumerados no
art. 109, inciso I, da Constituição Federal não enseja o deslocamento da
competência para a Justiça Federal. 3. A existência de competência da Justiça
Federal será aferida por ela própria com base no caso concreto e supedâneo no
rol ratione personae do art. 109, inciso I, da Constituição. 4. O fato de a
verba repassada ser proveniente de recursos federais fiscalizáveis pelo TCU
basta para afirmar a existência de interesse da União e a consequente
competência da Justiça Federal para apreciar os autos. Precedentes da Suprema
Corte. 5. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para se
anular o acórdão recorrido e se determinar novo julgamento pelo tribunal de
origem’. (grifo acrescido) (RE- AgR-ED 669.952, Rel. Min. Dias Toffoli,
Tribunal Pleno, DJe 25.11.2016)
Ante o exposto, nego seguimento ao
recurso (art. 932, VIII, do NCPC c/c art. 21, § 1º, do RISTF)” (STF, ARE
932.512-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 24-02-2017, DJe 06-03-2017).
Ancorado nos fundamentos desse decisum,
outra solução não resta senão submeter o conflito de atribuição à solução no
Supremo Tribunal Federal.
3. Decisão
Face ao exposto, acolhe-se a
representação formulada pelo digno 12º Promotor de Justiça de Santos,
determinando-se a remessa dos autos, em forma eletrônica, ao Supremo Tribunal
Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido
na hipótese em exame.
Os autos originais permanecerão na
Secretaria da Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica, aguardando-se a
decisão do Supremo Tribunal Federal.
Publique-se a ementa. Comunique-se.
Cumpra-se. Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de
Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São
Paulo, 20 de junho de 2018.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de
Justiça
groj